Sem merenda: quando férias escolares significam fome no Brasil:esportes net apostas
Foi ali que,esportes net apostas2017, um menino, na época com oito anos, desmaiouesportes net apostasfome durante as aulas e virou notícia nacional. Ele estudavaesportes net apostasum colégio a 30 kmesportes net apostasdistânciaesportes net apostassua casa, onde recebia como refeição apenas bolacha e suco. De lá para cá, a situação dos quase 30 mil moradores da área não parece ter melhorado.
"É muito desemprego, mães com cinco, seis ou oito filhos que não têm nada dentroesportes net apostascasa. Nem mesmo colchão, gás para cozinhar ou cobertor para este frio. Nas férias, algumas mulheres não têm o que dar aos filhos. Tenho 48 anos, sempre trabalhei nisso (assistência comunitária), e nunca vi a coisa tão ruim quanto está agora. Temos aqui no bairro 285 famíliasesportes net apostassituaçãoesportes net apostasmiséria total", diz Souza.
'Se eu pagar a prestação da casa, não temos o que comer'
Embora não haja estudos nacionais que indiquem o tamanho da insegurança alimentar durante o períodoesportes net apostasférias escolares, uma sérieesportes net apostasindicadores comprova a evolução da pobreza no país e o modo como ela incide sobre as crianças.
De acordo com a Fundação Abrinq, que fez cálculos a partiresportes net apostasdados do IBGE, 9 milhõesesportes net apostasbrasileiros entre zero e 14 anos do Brasil vivemesportes net apostassituaçãoesportes net apostasextrema pobreza.
O Sistemaesportes net apostasVigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde (Sisvan) identificou, no ano retrasado, 207 mil crianças menoresesportes net apostascinco anos com desnutrição grave no Brasil.
A mais recente pesquisaesportes net apostasSegurança Alimentar do IBGE,esportes net apostas2013, apontava que uma a cada cinco famílias brasileiras tinha restrições alimentares ou preocupação com a possibilidadeesportes net apostasnão ter dinheiro para pagar comida.
Se a pesquisa fosse feita hoje, a família da faxineira Marinalva Mariaesportes net apostasPaula,esportes net apostas57 anos, se enquadraria nessa condição. Com uma rendaesportes net apostasR$ 360 mensais para três adultos e uma criança, ela se vê cotidianamente frente a decisões dramáticas:
"Se eu pagar a prestação do apartamento ou a contaesportes net apostaságua, não temos o que comer. Quando a situação aperta, prefiro dar comida pra minha neta e durmo com fome", conta Marinalva, que teme despejo do prédio do Conjunto Habitacional (COHAB)esportes net apostasque mora,esportes net apostasSão Paulo, por faltaesportes net apostaspagamento do valor do imóvel e do condomínio.
A vasilhaesportes net apostasarroz funciona como um termômetro da afliçãoesportes net apostasMarinalva: no dia da entrevista, restavam apenas dois dedosesportes net apostascereal no pote. Com as férias da criança,esportes net apostas3 anos, a comida que avó consegue manter nos armários acaba mais cedo e é preciso partiresportes net apostasbuscaesportes net apostasdoações. O fenômeno que acontece na casa da faxineira já havia sido identificado pelo Instituto Brasileiroesportes net apostasAnálises Sociais e Econômicas (Ibase)esportes net apostas2008, quando um terço dos titulares do Bolsa Família declaravamesportes net apostaspesquisa que a alimentação da família piorava durante as férias escolares.
"Quando minha filha me deu essa neta pra criar, ela me disse: 'mãe, ou você pega a menina, ou eu vou matar elaesportes net apostasfome'. Eu aceitei e agora estou nessa situação. Passo as noites acordada pensando, vou vivendoesportes net apostaspinguinho. Minha neta levantaesportes net apostasmanhã e quer o pão dela, e eu me viro e me rebolo, porque na escola ela recebe, eesportes net apostascasa eu não posso dizer pra ela que não tem pão."
Marinalva não consegue emprego formal há quatro anos. Ela está muito longeesportes net apostasatingir a renda mínima familiar, estimada pelo Departamento Intersindicalesportes net apostasEstatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)esportes net apostasR$ 4.214, 62, para suprir sem carências as necessidades com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência dos quatro integrantes da casa. O valor, calculadoesportes net apostasjulho, equivale a quatro vezes o salário mínimo atual,esportes net apostasR$ 998.
Fome e obesidade nas escolas públicas
Na outra ponta do problema, professores e gestores escolaresesportes net apostasdiferentes partes do país confirmaram presenciar situaçõesesportes net apostasfome à BBC News Brasil. A pedido dos profissionais, alguns entrevistados não serão identificados para não expor ou estigmatizar escolas e alunos.
"De fato há uma crise no país, e a percepçãoesportes net apostasque o aluno vai para a escola para comer é real, a gente é que aproveita a ida dele para ensinar", afirmou Maria Izabel Noronha, presidente do sindicato dos professores da rede estadual paulista (Apeoesp) e deputada estadual (PT-SP).
Na favela carioca do Complexo da Maré, a coordenadora do Projeto Uerê, Yvonneesportes net apostasMello, que oferece refeições e aulas complementares a alunosesportes net apostas6 a 18 anos, corrobora as palavrasesportes net apostasMaria Izabel: "Neste ano e no ano passado, tenho recebido crianças que não conseguem aprenderesportes net apostasmaneira nenhuma. Não porque têm deficiência mental, mas porque não se alimentaram direito. Tive duas crianças no Uerê que desmaiaram. (A criança) começa a passar mal, a vomitar. Quando vai ver, não houve alimentação no dia anterior", relata.
Na periferiaesportes net apostasBelém (PA), Lilia Melo, professora do ensino médio, conta que a colôniaesportes net apostasférias da escola pública onde ensina ganhou adesões depois que passou a oferecer lanches.
"Esses dias, servi bolo com suco e vi um dos alunos levantandoesportes net apostasdireção aesportes net apostasmochila. Depois percebi que ele deixouesportes net apostascomer para guardar para mais tarde. Perguntei por que, e ele não disse nada. Dei mais um pedaço e ele comeu. Na saída ele revelou: 'professora, tô levando pro meu irmão'. Ele tem um irmãoesportes net apostasquatro anos. Então, há aqueles que levam 'para mais tarde', mas que no fundo querem garantir para seus familiares."
Em escolasesportes net apostasSão Paulo, a insegurança alimentar aparece mesmo durante o ano letivo, após poucos dias sem aula. "Percebo que na segunda-feira os alunos chegam com muita fome, não comeram o suficiente no fimesportes net apostassemana. O cardápio da segunda não é um dos preferidos deles, mas, ainda assim, as crianças comem mais do que a média dos outros dias", afirma o diretoresportes net apostasuma unidadeesportes net apostasensino na zonal sul.
Um professor da rede pública paulistana relembra o casoesportes net apostasuma aluna do período noturno que, sem comidaesportes net apostascasa, trazia o filho menor para também se servir da merenda. "Com certeza algumas crianças no períodoesportes net apostasférias ficam desprovidasesportes net apostasuma refeição", conclui.
"Testemunhosesportes net apostaspessoasesportes net apostasáreasesportes net apostasvulnerabilidade social realmente indicam que (a merenda escolar) acaba sendo a garantiaesportes net apostasconsumo mínimoesportes net apostasalimentos durante o ano letivo para parte das crianças", explica à reportagem Elisabetta Recine, professora e coordenadora do Observatórioesportes net apostasPolíticasesportes net apostasSegurança Alimentar e Nutrição da Universidadeesportes net apostasBrasília.
"Considerando as projeçõesesportes net apostasque a pobreza e extrema pobreza devem aumentar, as crianças devem sofrer as consequências disso."
Simultaneamente à fome, há outro problema a ser enfrentado: as crianças brasileiras estão cada vez mais obesas, incluindo asesportes net apostasbaixa renda. O excessoesportes net apostaspeso não revela uma alimentaçãoesportes net apostasqualidade. É, na verdade, sinal do contrário disso - há um aumento expressivo do consumoesportes net apostasalimentos baratos e ultraprocessados, ricosesportes net apostascalorias mas pobresesportes net apostasnutrientes, aponta um estudo publicado neste mês pela Escolaesportes net apostasNutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Centroesportes net apostasIntegraçãoesportes net apostasDados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia.
Com isso, uma parte ainda pequena, mas preocupante das criançasesportes net apostasbaixa renda, enfrenta uma dupla carga: a desnutrição aliada à obesidade.
"A obesidade tem crescido e vem atingindo cada vez mais a população menos favorecida socioeconomicamente", dizesportes net apostascomunicado Natanael Silva, um dos autores da pesquisa.
"A insegurança alimentar transcende a quantidadeesportes net apostascomida", agrega Maria Paulaesportes net apostasAlbuquerque, pediatra nutróloga do Centroesportes net apostasRecuperação e Educação Nutricional (Cren), entidade que atuaesportes net apostasSão Paulo.
Desnutrição atrapalha o ensino?
Para evitar que alunos famintos tenham dificuldadeesportes net apostasaprendizagem, algumas escolas instituem um rápido lanche antes do início das aulas, assim as crianças conseguem esperar pelas refeições sem perder o foco no conteúdoesportes net apostasclasse.
Diferentes pesquisas acadêmicas indicam que o acúmuloesportes net apostasdeficiências nutricionais - seja causado pela fome, seja pelo consumoesportes net apostasalimentosesportes net apostasbaixa qualidade - pode causar impacto na habilidadeesportes net apostasaprendizado infantil.
"É difícil afirmar que a nutrição seja a causa específica e únicaesportes net apostasproblemas no desenvolvimento infantil, quando a criança sofre também com um sistema educacional que não é adequado e com a faltaesportes net apostasestímulos. Mas é um entre tantos fatores desse cicloesportes net apostaspobreza cruel", aponta Albuquerque.
Ela ressalta, porém, que esse ciclo pode ser rompido, permitindo que mesmo criançasesportes net apostassituaçãoesportes net apostasextrema vulnerabilidade atinjam seu potencial. "Ainda que vivaesportes net apostassituações adversas, a criança é um infinitoesportes net apostaspossibilidades. Seu cérebro tem enorme plasticidade para absorver novos hábitos. É importante, porém, fortalecer também quem cuida delas. Não conseguimos melhorar a condiçãoesportes net apostasuma criança sem melhorar também a situaçãoesportes net apostassua família."
* Colaborou Amanda Rossi
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