'Eu não mudei. O mundo está mudando', diz MauricioSousa sobre minorias na Turma da Mônica, que chega aos cinemas:

RetratoMauricioSouza

Crédito, Lailson dos Santos

Legenda da foto, Aos 83 anos, MauricioSousa comanda uma das maiores empresasentretenimento do país

Na história, o cachorroCebolinha (Kevin Vechiatto), Floquinho, desaparece e ele tenta encontrá-lo com a ajudaMônica (Giulia Benite), Magali (Laura Rauseo) e Cascão (Gabriel Moreira).

Mauricio viu, já naquela época, o potencial daquele trabalho. "Queria fazer um filme, mas não tinha achado uma história que me impressionasse. Quando li o roteiroLaços, vi que era uma história bonita e com uma trama boa. Falei na hora: 'Isso é um filme'."

Uma produtora procurou o cartunista para adaptar Laços para as telas, e Mauricio sugeriu fazer um longa com atores. "Tinha dúvidas se crianças aguentariam o rojão e teriam a disciplina necessária, até que o Daniel Rezende propôs ser o diretor."

Este é o segundo longaRezende, que dirigiu Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e se destacou internacionalmente como montador, com uma indicação ao Oscarmelhor edição por CidadeDeus (2002).

Foram seis meses para escolher as crianças que dariam vida aos protagonistas, entre as 7,5 mil candidatas. O diretor selecionou dois quartetos e pediu a opiniãoMaurício eequipe antesfazer a escolha final.

Atores'Turma da Mônica: Laços'

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Atores'Laços' foram selecionados entre 7,5 mil candidatos

"Os quatro selecionados já eram a Turma da Mônica mesmo antesserem escolhidos. Eles ficaram muito amigos durante os testes, brincavam, eram alegres, descontraídos, espertos, inteligentes. Pensei: 'Ah, são esses'. E não deu outra. Meu medoque crianças não conseguissem dar conta foi por água abaixo", diz Mauricio.

Mônica Sousa, filhaMauricio e inspiração para a personagem que leva seu nome, diz que estava curiosa, mas também um pouco apreensiva antesassistir ao longa pela primeira vez.

"Eu pensava: 'O que será que eu vou ver? Será que deram contatransportar esses personagens para o mundo real?'. No fim, foi algo mágico e emocionante. Nunca esperei que isso pudesse acontecer."

Cena'Laços'

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, A históriaquadrinhos 'Laços' serviubase para o filme

Laços é o 19º longa-metragem do estúdio MauricioSousa Produções - os demais filmes foram produzidos desde 1982 e todosanimação, com alguns sendo exibidos nos cinemas. Mas, desde 2007, um filme da Turma da Mônica não entravacartaz, o que torna ainda mais importante um trabalho que já tem um significado especial.

"É a perpetuação da famíliapersonagens que meu pai criou", diz Mônica.

Mauricio diz que o filme abre novas portas e caminhos para um negócio que celebra 60 anosexistência neste ano. "Pode significar uma virada da empresa para um esquema diferenteproduções. Já estamos discutindo uma continuação."

Novos personagens com necessidades especiais e protagonistas negros

Mauricio inicioucarreira como cartunista1959 no jornal Folha da Manhã, com uma tirinha sobre o cachorro Bidu e seu dono, Franjinha.

Depois, vieram Cebolinha, Cascão e outros personagens, até seu criador ser questionado sobre a ausênciafiguras femininasseu trabalho. Foi quando surgiu a Mônica,1963.

Hoje são 440 personagens, um número que continua a crescer. Muitos dos novos personagens buscam promover a inclusãocrianças com necessidades especiais, como Edu (distrofia muscular), Tati (síndromeDown), Luca (cadeirante), Dorinha (deficiente visual), Igor e Vitória (soropositivos) e André (autismo).

"Eles têm o papeldivulgar por meio das histórias mensagens que sejam esclarecedoras sobre crianças que têm essas condições. Se pudermos fazer alguma coisa para ajudar, temosfazer", diz Mauricio.

Outra criação recente foi Milena efamília - o primeiro núcleopersonagens negros a entrar para o rolprotagonistas. Mauricio já havia criado outros personagens negros, como o Jeremias e Pelezinho, mas faltava um principal, "talvez pela faltaconhecimento sobre os problemas que os negros enfrentamdiversas fasessua vida", segundo o criador.

"Recebemos várias mensagenspessoas dizendo que agora estavam se sentindo representadas pela Turma da Mônica. Isso é lindo."

Mauricio afirma que a criação destes personagens envolve um grande trabalhopesquisa e consulta para não levar para as páginas dos quadrinhos "algum tipopreconceito que às vezes, sem querer, a gente assimila".

Ele também explica por que personagens que representam minorias e com perfis diferentes não fizeram partesuas criações no passado.

"Eu me distraí por algum tempo e me esqueci que, na minha turminhacrianças nas ruasterraMogi das Cruzes, onde cresci, tinha amigos portadoresdeficiências,outras etnias. Por que não incluir se isso faz parte da vidatodo mundo? E não vai parar por aqui", diz ele.

Seu filho Mauro Sousa, que é gay, afirma que um personagem com esse perfil também está nos planos. "Estamos conversando há alguns meses sobre isso, mas ainda é algo bem cru e que estamos planejando bastante para entender como seria,que turma faria parte, como seria divulgado."

Capagibi com Milena efamília

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Milena efamília são o primeiro núcleo protagnistapersonagens negros da Turma da Mônica

Mauricio também é cauteloso e diz que este tipopersonagem ainda não está sendo criado, mas diz que isso "sem dúvida" vai ocorreralgum momento. "Essa possibilidade depende dos nossos leitores aceitarem numa boa, sem haver nenhum tipocomoção. Vai ser na hora e no tempo certo", afirma o cartunista.

Em 2015, Maurício disseentrevista à revista IstoÉ que ainda não era o momentotratar nos gibisum tema como a homossexualidade, porque a sociedade não estava pronta para isso. Mudouideia?

"Eu não mudei. O mundo está mudando. Veja as marchas que estão acontecendo, com pessoas assim cada vez mais aceitas e compreendidas e participandouma revolução social", diz Mauricio.

Tati, Dorinha e Luca, personagens da Turma da Mônica

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Perosnagens como Tati (esq.), Dorinha e Luca ajudam a esclarecer sobre as condiçõescrianças com necessidades especiais, diz Mauricio

"Não somos nós que estamos criando, é a sociedade. No momentoque o mundo estiver esclarecido para esse tiposituação, será o momentobotarmos na nossas histórias gays ou transexuais. Estou aguardando essa evolução."

No entanto, ele diz que não se tratase curvar ao politicamente correto e que isso não deve ser uma preocupação. "Um profissional que trabalha com criação acha uma saída. Se não pode usar uma palavra ou situação por causa do politicamente correto, busca outro caminho. Um criativo não pode se acovardar nem fugir dos desafios. Se a sociedade muda e proíbe ou acha esquisito isso e aquilo, a gente fazoutro jeito."

Um negócio administradofamília

Aos 83 anos, Maurício segue à frentesua empresa, que hoje tem 350 funcionários e movimenta milhõesreais não apenas com gibis, mas livros, desenhos animados, espetáculos, parques temáticos, licenciamentoprodutos, entre outros projetos.

Dos dez filhosMauricio, três trabalham diretamente ao seu lado, alémsua mulher, Alice. Mônica,58 anos, é responsável pela área comercial. Mauro,32 anos, cuida dos shows ao vivo e parques. Marina Takeda,34 anos, administra a parte editorial.

Mônica com as diferentes versõessua personagem

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Mônica Sousa, inspiração para a personagemseu pai, hoje dirige a área comercial da empresa

"Meu pai nunca impôs nada para a gente, que devíamos ser isso ou aquilo", diz Mauro, que serviuinspiração para o personagem Nimbus.

Formadoartes cênicas e música, ele trabalhoumusicais antesentrar para a produtora há nove anos ao sugerir a criaçãoum departamento para performances ao vivo. Ele diz que trabalhar com o pai foi algo "delicado" no começo.

"A gente precisava entender como seria ele como meu chefe. Tivemos alguns desentendimentos no início, o que foi natural e importante para termos a relação profissional eadmiração mútuahoje. Ele é superpresente, mas cada vez mais passa a bola para os filhos e nos dá autonomia."

Mônica está na empresa há mais30 anos. Ela é desenhista industrialformação e diz que não pensava que trabalharia na produtora quando começou como vendedora na lojaprodutos da marca.

Mauro Sousa com o pai

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Mauro Sousa trabalha com o pai desde 2010

"Talvez com a Marina, que sempre teve talento para desenhar, ele tivesse alguma expectativaque ela trabalhasse na empresa, mas nunca foi algo intencional comigo. Fiquei fascinada com a parte comercial e fui me especializando e galgando posições."

Ela diz que trabalhar com a família nem sempre é fácil. "Temos nossas diferenças, principalmente porque eu, meu pai e meus irmãos somostrês gerações diferentes, mas foi um aprendizado muito importante."

Mauricio afirma que as opiniões diferentes costumam ser resolvidas na conversa e que ele,mulher e os filhos entendem que é importante estarem unidos, para que o negócio não seja prejudicado.

"Algumas pessoas falam que não é legal trabalhar com família, que dá crise, fica um clima, mas eu não acho. A gente precisa é tomar cuidado para não ficar falandotrabalho o tempo todo."

MaurícioSousa

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, 'Algumas pessoas falam que não é legal trabalhar com família. Eu não acho', diz Mauricio

O cartunista continua a dar expediente todos os dias e acompanha os projetos desenvolvidos pelos filhos eequipe. Seu cargo oficial épresidente, mas ele conta que não resiste a se envolver com outras funções na empresa.

"Quando vejo um desenho sendo feito, sento, olho, dou palpites, mas não é para vigiar ou pegar o lugar do chefe da área, mas porque, modéstia à parte, eu comecei tudo isso e conheço todos os processos", diz.

"Adoro vir trabalhar, meu estúdio é o lugar mais bonito do mundo. Enquanto tiver condições físicas e mentais, vou continuar a vir aqui para bater papo, trocar ideias e passar meu conhecimento para todos."

Línea.

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