Movimento antivacina é ignorante e ameaça conquista da humanidade, diz ministro da Saúde:
Sul-matogrossense da capital Campo Grande, Mandetta é médico formado pela Universidade Gama Filho, no RioJaneiro (RJ). Ele fez residência no serviçoOrtopedia da Universidade FederalMato Grosso do Sul (UFMS) - o serviço era chefiado pelo pai dele, o também ortopedista Hélio Mandetta, que foi vice-prefeitoCampo Grande, nos anos 1960.
Mandetta entrou para a política2005, assumindo a SecretariaSaúde da cidadeCampo Grande, no governoNelson Trad Filho (MDB), conhecido como Nelsinho Trad. E,2010, elegeu-se deputado federal, cargo para o qual foi reeleito nas duas eleições seguintes.
Assumiu o Ministério da Saúdejaneiro2019, com o aval do então ministro extraordinário da transição e atual ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), mas o Democratas trata as indicações como escolhas pessoais do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
À BBC News Brasil, Mandetta falou também sobre o novo Mais Médicos, explicando que profissionais deixarão a condiçãobolsistas para terem contratos regidos pela CLT, e terãose especializar, durante os primeiros dois anos,saúde da família. A remuneração, hojeR$ 11,8 mil, vai aumentar e variaracordo com a região.
"Não vai ser aquela coisa do programa antigo,colocar médicoBrasília,Florianópolis. Vai ter critériosvulnerabilidade muito claros para que a gente possa transformar o patamar da saúde nessas regiões", disse. Para Mandetta, o atual modelo dos Mais Médicos "parece bico".
O ministro esteve na segunda-feira, 24/06,Londres, participandoum programacooperaçãosaúde lançado pelo Reino Unido que tem o Brasil entre os beneficiários. Leia os principais trechos da entrevista concedida por telefone.
BBC News Brasil - O sr. pode falar sobre a nova parceria com o Reino Unido? O valor não é tão alto, considerando o orçamento da Saúde. São R$ 70 milhõesquatro anos e o orçamento équase R$ 130 bilhões por ano. O que dá para fazer com esse dinheiro e o que estão planejando?
Luiz Henrique Mandetta - Na verdade, o dinheiro é importante. No nosso país, todo dinheiro é bem vindo. É para custear exatamente essa trocaexpertsatenção primária,epidemiologia egenética. Estamos nos organizando para abrir um instituto brasileirogenética porque a terapia genética vai ser a grande arma contra doençasdifícil solução no passado e que estão chegando com um custo extremamente elevado.
O Brasil não pode ficar muito longe dessa técnica e (eles) estão avançados no programa na Inglaterra. E mais: eles têm expertisehemoderivados. (A Inglaterra) é o paísprimeiro mundo que tem mais similaridade com nosso sistema. É uma aproximação não tanto pelo valor do fundo, mas pelo valor do saber acumulado do NHS (sistemasaúde do Reino Unido).
BBC News Brasil - O sr. já disse ter uma ideiacriar para os cubanos que ficaram no Brasil um cursosaúde da família. O que falta para sair do papel?
Mandetta - Por uma questãosolidariedade, a gente tem que estender a mão para ver se consegue habilitá-los para o nosso sistemasaúde, dentro dos nossos princípios. Dos direitosir e vir,liberdade,receber o salário na integralidade, coisas normais para nós, mas que eles estavamregime exceção. O que a gente quer é que o programa... (cumpra) o desafiolevar o médicosaúde da família para as regiõesmaior vulnerabilidade.
BBC News Brasil - E como está a remodelação dos Mais Médicos? Como vai ser o novo programa?
Mandetta - Do pontovista interno, da (pasta da) Saúde, ele já está ok. Agora, a gente está numa faseconversar com o MEC (Ministério da Educação), porque tem uma parte que envolve a pós-graduação, a residência.
A gente precisa dialogar com eles para ver se vai ter alguma alteração. E (falta) fechar com (o Ministério da) Economia. A gente já tem o valor e o orçamento do programa, e (vai) apresentar para o presidente para ele ver se aquilo ali está dentrouma medida que possa prosperar.
BBC News Brasil - A ideia é que os profissionais deixem a condiçãobolsistas para serem regidos pela CLT e há a previsãoaumentar um pouco a remuneração.
Mandetta - Exato. Mas não é nada do que a gente tinha mais ou menos no nosso orçamento. É uma mudançacomo fazer essa inserção com qualidade. O vínculo é o que determina a qualidade e é determinante para a pessoa continuar (no Mais Médicos). Esse modelo atual, que éseleção simplificada,bolsa, é visto como um vínculo muito incipiente. É quase como se fosse um bico esse modelo atual. A gente não quer isso.
BBC News Brasil - É por isso que muitos médicos brasileiros acabam desistindo?
Mandetta - É, porque você não tem previsibilidade. Você começa, é uma atividade temporária, bolsista. Pode ser renovada ou não. As pessoas querem construir suas vidas com o mínimoprevisibilidade. Estamos formando, ano após ano, um número maiormédicos.
Formamos 28 mil médicos por ano e vamos chegar a brevemente a 35 mil médicos por ano se não abrirem novas faculdades. É um número expressivo, levandoconta que um médico trabalha por três, quatro décadas. A gente precisa indicar a essas pessoas qual é o caminho que eles vão ter no poder público.
BBC News Brasil - O senhor disse que está discutindo o novo Mais Médicos com o MEC porque haverá uma pós-graduação. Participar do Mais Médicos também vai significar ganhar uma qualificação profissional?
Mandetta - Todo concurso público tem um estágio probatório, que são os primeiros dois anos. Nesses dois anos, nós não só vamos selecionar mas vamos capacitar.
Queremos todos eles especialistassaúde da família. Se você vai tomar uma decisãofazer uma atenção primária com qualidade, não vai botar um médico sem qualificação. É como colocar um ortopedista sem especializaçãoortopedia.
Atenção primária é a mais difíciltodas as especialidades médicas. Para isso a gente tem que selecionar bem, capacitar bem a educação continuada e dar suporte, com telemedicina, para amparar melhor o diagnóstico, para os médicos conhecerem melhor o territórioque estão inseridos, fazerem planossaúde e intervenção na população.
A gente deve procurar alguns indicadoressaúde muito objetivos, como mortalidade infantil, câncermama,cólon, para (os médicos) saberem quais são os compromissos deles com aquela população. Não dá para fazer uma receitabolo para o Brasil, o Brasil é muito grande.
BBC News Brasil - A remuneração vai variaracordo com a região?
Mandetta - Também. Uma comunidade indígena, por exemplo, pode ficar 15 dias, 20 dias. Volta e vai outro.
BBC News Brasil - Quer dar mais flexibilidade nesses casos...
Mandetta - Exatamente. E fazer com que as pessoas sejam mais valorizadas para o chamado Brasil profundo, das dificuldades. Não vai ser aquela coisa do programa antigo,colocar médicoBrasília,Florianópolis. Vai ter critériosvulnerabilidade muito claros para que a gente possa transformar o patamar da saúde nessas regiões.
BBC News Brasil - Quantas vagas estão abertas hoje? Qual a porcentagem que não foi preenchida?
Mandetta - Quando entrei no Ministério da Saúde, foi exatamente quando Cuba tinha decidido tirar mais8,5 mil médicos cubanos. Depois disso, fizemos mais um processo seletivo porque o governo anterior não tinha feito.
Tinha 2,5 mil lugares que haviam tido médico no passado e abrimos para esses. Para esses, conseguimos alocar 85%; 15% saíram. Estamosprocesso seletivo agora. Enquanto a gente não construir esse sistema perene, sustentável, a gente vai manter o processo seletivo para não haver interrupção na provisão desse profissional.
BBC News Brasil - O médico Dráuzio Varella já defendeu que profissionais formadosuniversidades públicas deveriam ser exigidos a trabalhar como voluntários por algum período para retribuir a qualificação e a alta qualidade do ensino que tiveram. O senhor acha ser possível incorporar ao currículo das universidades federais o trabalho voluntário após a formação?
Mandetta - Aí não é trabalho voluntário, mas trabalho civil obrigatório. Se a gente for partir para o trabalho civil obrigatório no Brasil, deveria ser para todas as profissões. Não é só o médico. Lá onde falta o médico, falta o advogado, falta professorportuguês,matemática, falta teatro, falta jornal, falta tudo.
O médico chama atenção porque a saúde é dever do Estado, está na Constituição. Se for partir por esse raciocínio, acho que tem que ir todo mundo. Todos os advogados, filósofos, engenheiros, para o trabalho civil comunitário. Se for todo mundo, poderia ser uma boa ideia.
BBC News Brasil - Gostariasaber sobre a decisão da Anvisa,colocar sob consulta o cultivo da maconha para fins medicinais. O sr. acha que é só uma questãotempo? O Brasil está caminhando para isso?
Mandetta - O que a gente tem que saber é qual é a utilidade científica. Não posso dizer, por que é uma planta que tem efeito alucinógeno, não posso dizer que não vou pesquisar. Senão, não utilizaria morfina, não utilizaria fentanil. São drogas que os médicos têm no seu arsenal para enfrentar as doenças. Elas estão no arsenal dos médicos porque existem evidências científicas que eles podem usar.
No caso do canabidiol, parece haver evidência científica para usocrise convulsiva. Se for isso, para pesquisa, para esse ponto... Se derivarmos para fazer creme para rosto, óleo, se vamos beber, passar xampu... se não tem evidência científica acho que não tem motivo.
BBC News Brasil - O senhor acha que o que não tem evidência científica...
Mandetta - A gente deve se ater ao uso medicinal. O que a gente entende que há indícios, estudos científicos para uso medicinal do canabidiol, principalmente para usar para crises convulsivas reentrantes. A gente deve fazer pesquisa e ir à direção do que é científico para a gente dar o arsenal aos profissionais, que deem aos seus pacientes medicamentos devidamente prescritos e controlados.
Agora, esse uso banalizadooutros países,abrir lojinhaqualquer lugar, óleo, produtoslimpeza... a parte do THC que não tem evidencia científica, zero, isso a gente não concorda, não deve haver progresso nisso daí. Deve ter na parte necessária medicinal, como a morfina. A morfina é um medicamento que causa uma adição (dependência) absoluta, é oriunda da papoula e a gente utiliza porque há uma necessidade na parte medicinal.
BBC News Brasil - Esse assunto está bem resolvido no governo ou ainda é começo da discussão?
Mandetta - A posição é muito clara para o governo. O que a gente entende é: para uso com evidência científica, para aquelas situações do pontovista científico.
BBC News Brasil - Falandoevidência científica,vários países do mundo o movimento antivacina tem crescido e o Brasil começa, aindaforma incipiente. Já existem blogueiros e youtubers contra vacinas. O sr. é médico. Por que movimentos como esse ganham força e qual é o perigo?
Mandetta - Eu acho que sobra ignorância. E quando sobra ignorância, aqueles que querem destruir conquistas da humanidade têm um campo fértil. Usam das suas próprias ignorâncias e proliferam. Se tem uma imprensa, um jornalista responsável, eles têm que dizer quais são as fontes. Ali naquela babel (da internet) pessoas se sentem à vontade com suas meias verdades e as suas convicções.
Acho que (os antivacina) são uma minoria. As vacinas são uma conquista da humanidade, talvez o maior passo do século 20saúde pública do mundo. A gente erradicou a varíola1969, 70. A gente terminou uma doença.
Só quem não sabe o que é uma cegueira, uma pneumonia, uma encefalite por sarampo... Enfim, a gente vê que é uma questãogeração. Se você perguntar às avós... Minha mãe procurou garantir as vacinas aos filhos porque via criança tendo pólio.
Hoje, parece que as pessoas acham que pólio é coisaextraterrestre. A gente que viu sabe muito bem do que está falando. Uma pessoa mais jovem pode achar que não existe, que é coisa do século passado, não tem noção da gravidade.
BBC News Brasil - O sr. acha que há motivo para o Ministério da Saúde para fortalecer a comunicação, passar essa mensagem...
Mandetta - A gente tem feito um esforço. Tivemos a diáspora da Venezuela, quase três milhõesvenezuelanos saíramqualquer jeito. A gente começou com um surtosarampoRoraima, pegou os yanomami, desceu para Manaus e a gente conseguiu cercar com vacina. Seguramos, chegouBelém frágil.
Depois a gente teve, no Carnaval, oito navios com turistas europeus, franceses que têm índicevacinação baixa, pessoas com sarampo a bordo querendo descer na costa por conta do Carnaval. A gente teve que entrar no navio, vacinar oito mil pessoas e mesmo assim a gente não sabe se os que desceram estavam no períodoincubação. Nova York decretou emergência.
Lógico que a gente vai fazer o devercasa. Nosso programaimunização é uma das partes mais fortes do SUS e temos um sistemavacinação respeitado. É um patrimônio que a gente tem que zelar.
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