Mortebrasileiro expõe rotina arriscadamotoboysLondres:
Eles reclamam, principalmente, do furto e roubomotos ecomida que transportam, que se transformaramameaças constantes e crescentes na rotina dos entregadores.
Os motoboys dizem que o mercadoentregasLondres é dominado por brasileiros que levam vantagem por serem mais ágeis e ousados no trânsito. Não existem, contudo, números oficiais sobre a quantidadeentregadores que nasceram no Brasil e trabalham no Reino Unido.
Faltam estatísticas oficiais, mas sobram históriastensão, ameaça e violência. Segundo motoboys ouvidos pela BBC News Brasil, não é exagero comparar o medo que sentemLondres com a violência que também deixa muita gente assustada no Brasil.
O paulista Welington Silva,42 anos, teve a moto furtada na noiteNatal e, por duas vezes, foi assaltado por gruposadolescentes que levaram as refeições que ele transportava. Ladrões também levaram a moto do entregador paranaense César Farias,29, que precisou pagar resgate para recuperar seu principal instrumentotrabalho.
Já o mineiro Kleverson Saad,41 anos, já bateu para não ter a moto roubada, mas apanhouum grupo que queria pegar a comida que ele entregava. Depoisevitar um roubo batendo nos ladrões, foi orientado pela polícia a mudarcasa.
"Me disseram que um dos integrantes do grupo, que acabou morrendo na perseguição policial, tinha um tio que havia sido morto e o pai estava na prisão. Erauma família complicada. A polícia disse que poderiam voltar (para se vingar)", conta.
O paranaense Fernando Pansera,41, nunca foi roubado, mas teve a placa da moto clonada e ganhou multasinfrações que ele não cometeu.
O baiano André Luiz Maciel, porvez, viu o amigo ser espancado na frente dele, durante uma tentativaroubo da motoplena luz do dia. O amigoAndré era o também brasileiro e capoeirista Iderval Silva, que morreu dias depois do ataque,decorrência dos ferimentos.
"Perdi meu melhor amigo", lamenta André. A morteIderval assustou os colegasprofissão e escancarou a difícil vida dos motoboys na capital britânica.
Cenas explícitas
O númeroroubos e furtosmotocicletas praticamente duplicou entre 2013 e 2016, último anoque a polícia metropolitanaLondres divulgou estatísticas específicasroubomotos.
Foram registrados 7.385 casos2013 e 14.0432016. O índicemotos recuperadas também aumentou ao longo desses anos e, na média, mais da metade dos veículos são encontrados.
"Pegam as motos principalmente para zoar e fazer outros roubos. Mas também levam para desmanche e colocam fogo", conta Roseane Gomes, que já passou aperto quando pilotava moto nas ruas da capital inglesa, onde vive há 16 anos. Ela conta que já foi perseguida por ladrões e, uma vez, largou a moto no meio da rua e saiu correndo.
Vídeos gravados pelos próprios brasileiros, que equipam as motos com câmera na tentativaintimidar ladrões, mostram cenasfurtos e roubos.
Jovens com serras elétricas portáteis cortam correntes e cadeados, tentam derrubar motoqueirospleno movimento ou são abordados no momentoque vão pegar a moto.
PesadeloNatal
Welington Silva,42 anos, trocou Portugal por Londres para tentar fazer dinheiro. Na capital britânica, fez faxina para juntar dinheiro, comprar uma moto e ganhar a vida fazendo entrega. Viu o investimento3 mil libras, o equivalente a R$ 14 mil no câmbio atual, desaparecer na noiteNatal. "Na noite24 para 25dezembro levaram minha moto. Parecia um pesadelo", diz Silva. "Já me levaram a comida que estava entregando duas vezes", conta, dizendo que preferiu perder a entrega a apanhar. Silva sonhamudarvida. Diz estar juntando dinheiro para fazer faculdade. "Abandonei o curso superior quando estava no Brasil, mas ainda sonhoter um diploma. Quero largar essa vidaentregador", diz, contando que quer estudar Inglês.
Também há imagensladrõesmotos roubadas, munidosmartelos, assaltando lojas. Foi assim que um grupo atacou a loja da Apple na Regent Street, no coraçãoLondres,novembro2017. A cena tem se repetido, apesara política ter intensificado o combate às ações dos ladrões que usam motos para cometer outros crimes.
Em maio2019 um grupo roubou uma joalheria e foi perseguido por testemunhas, uma delas filmou a fuga. Cinco pessoas acabaram presas.
Cenasviolência aconteceram tambémoutras cidades do Reino Unido. Recentemente o jornal Daily Mail mostrou imagens feitas por um entregadorBirmingham que flagrou o passageiro num carro com uma faca, exigindo que ele parasse.
Em 2018, o governo britânico mudou as regras para facilitar o trabalho da polícia e permitir que eles persigam motoqueiros.
No Reino Unido, qualquer motorista - incluindo policiais até então - que não dirigirmaneira "competente e cuidadosa" pode ser processado, acusadodireção perigosa.
A policia também criou uma unidade específica para investigar e tentar coibir esse tipocrime.
Medo e morte
Ainda assim, o sonhofazer dinheiro sob duas rodas no Reino Unido se transformoupesadelo para muita gente, que deixou o Brasil com a esperançafugir da violência e acabou encontrando a insegurança.
"A gente saibuscaoportunidades, pensa que um paísprimeiro mundo vai ter mais segurança, mas não é bem assim", lamenta Fernando Pansera, que mora no mesmo bairro onde Iderval Silva foi atacado por ladrões.
'ResgateR$ 1 mil por moto roubada'
César Augusto Farias,29 anos, saiuMarialva, interior do Paraná, está há três anosLondres. Desde que chegou, trabalha com entregas. Há cinco meses, chegoucasa e não achou a moto dele. Acionou os amigos para ajudá-lo a procuar a moto que vale 1,5 mil libras (cercaR$ 7,5 mil). Uns amigos descobriram que ela estava com um grupoum outro bairro. "Me disseram que era uma moto boa para empinar e, por isso, a levaram. Prometeram devolver se eu pagasse um resgate. Paguei 200 libras (R$ 1 mil)", conta como conseguiu reaver a moto.
A morte do capoeirista,julho, fez os motoqueiros brasileiros que trabalhamLondres se unirem e organizarem dois protestos por mais segurança, mais apoio dos aplicativosentrega e menos despesas.
Silva, que alémcapoeirista era motoboy, foi atacado por um grupo ladrões, entre eles adolescentes, que tentavam levar a moto deleplena luz do dia.
Dezenasmotos tomaram as ruasLondres, num 'buzinaço'homenagem ao capoeirista. Queriam também chamar a atenção para os perigos da profissão.
Um dos organizadores do movimento é Kleverson Saad, que trocou o trabalho com prótese dentária pelas entregasmoto na capital inglesa. Mas ele próprio diz que está difícil manter os brasileiros unidos e levar adiante o pleito da categoria.
"Não estamos conseguindo fazer muita coisa", lamenta.
Além da faltapoliciamento, os motoboys brasileiros reclamam do valor dos seguros que, segundo eles, não cobrem furto nem roubo.
Moto trancada, placa clonada
Fernando Pansera,41 anos, trabalhava como gerenteuma óticaMaringá, no Paraná, quando decidiu largar o emprego. Chegou com a mulherLondresmaio2016. Buscava uma vida mais tranquila e segura no exterior. Mas, desde que começou a trabalhar como entregador, diz viver com medo. Equipou a moto dele com alarme, rastreador e a prende na portacasa com três trancas diferentes. "Já vi que mexeram nela, mas nunca me roubaram", conta. Pansera, contudo, diz ter passado por outros perrengues. Já sofreu um acidente durante uma entrega, quebrou duas costelas e ficou dois meses sem poder trabalhar. E, na semana passada, descobriu que clonaram a placa da moto dele e recebeu várias multas que ele não cometeu. "Toda semana tem uma história diferente. Minha mulher fica morrendomedo quando saio para trabalhar".
Despesas e faturamento
"O seguro não cobre roubo por causa da quantidadeocorrências, mas custa caro e é obrigatório para quem faz entrega. Sem seguro não te contratam", lamenta Welington Silva, dizendo que essa é apenas uma das muitas despesas. "Mas as pessoasum modo geral pensam apenas nos ganhos, se esquecem dos gastos", completa Kleverson.
Por mês, motoboys dizem pagarmédia130 a 170 librasseguro obrigatório, gastar até 300 librascombustível e cerca70 librasmanutenção, sem contar com as despesas com manutenção. A libra está cotadatornoR$ 5 e, portanto, gastos mensais só com a moto giramtornoR$ 2,7 mil.
Os motociclistas lembram que há equipamentos fundamentais, além do capacete. Uma jaqueta que suporte o frio e luvas, por exemplo, são acessórios que podem custar bem caro. "Uma boa jaqueta custa até 900 libras", conta Welington.
A renda, porvez, varia com a quantidadehoras trabalhadas e o númeroentregas depende muito das condições meteorológicas,especial para quem viveentregar comida.
Dias chuvosos e dias muito frios têm mais demanda. Por entrega, ganha-se cerca4 libras (R$ 20 no câmbio atual).
Jornadas médias12 horas são comuns para quem trabalha na capital inglesa. Há motoboys que relatam no YouTube faturar até 170 libras (R$ 850)dias excepcionalmente bons. Mas, na média, os motoboys dizem que faturam esse montantesemanas produtivas com uma jornadatrabalho não tão puxada.
Roleta perigosa
Pesa ainda no orçamento a escolha da área para se trabalhar. Em bairrosclasse média alta, como o Chelsea, há mais gorjeta, mas mais motoristas à esperaum chamado.
Há ainda áreas que motoristas dizem evitar. Prédios onde há muitas moradias sociais e áreas onde a atuaçãogangues é mais ativa são, com frequência, evitados pelos entregadores.
"Tem lugar que eu evito ir", conta Fernando. Kleverson fala que há gangues com crianças11 anos que são, muitas vezes, até mais violentas que os mais velhos.
'Me senti culpado por não reagir'
André Luiz Maciel,43 anos, é capoeirista mas ganha a vida como motoboy. Chegou ao Reino Unido há pouco tempo, disposto a dar continuidade ao trabalho social que desenvolve ensinando capoeira. Ele próprio diz ter sido "salvo" pela capoeira quando era criança na Bahia. O plano deu errado e André tem pago as contas com entregas. Viu Iderval ser atacado por crianças e adolescentesfrente ao restaurante onde, minutos antes, o amigo tinha pago o almoço dele. 'Me senti culpado por não ter reagido. Fiquei mal. Mas foi tudo muito rápido, fiquei paralisado e sem entender direito o que aconteceu", conta. Desde a morte do amigo ele diz que tem medovoltar ao local do ataque. "Tenho medomachucar alguém".
Battersea, bairro onde o brasileiro foi atacado, já está sendo considerado um ponto perigoso pelos motoqueiros.
"Não era assim. É uma pena porque eram justamente esses adolescentes que o atacaram que ele queria ajudar, ensinando capoeira", diz Fernando, lembrando que o capoeirista tentava tirar do papel um projeto social.
"O que aconteceu com o Bugrão (apelido do brasileiro morto) pode acontecer com qualquer umnós. Trabalhamos com medo", diz César.
Para André, amigo do capoeirista, a vidaentregadorLondres se assemelha a uma perigosa roleta. "Ninguém sabe o que vai dar".
O que dizem os appsentrega
Na capital inglesa, dois aplicativos estão entre os mais usados por entregadorescomida: Uber Eats e Deliveroo. A BBC News Brasil procurou as duas empresas para falar sobre o númerobrasileiros que trabalham fazendo entrega e também sobre os relatosassaltos e violência.
Por meio da assessoriaimprensa, a Deliveroo diz que o aplicativo é popular entre brasileiros que fazem entregamoto e bikeLondres porque os entregadores "desfrutam da flexibilidade e do trabalho bem remunerado" que a empresa oferece. Informou, contudo, não ter dados sobre o númerobrasileiros entre os 25 mil entregadores cadastrados no Reino Unido.
Ao contrário do que dizem os motoristas, a empresa afirmou que "crimes contra os entregadores são raros, mas que os leva a sério". "A segurança do entregador é prioridade absoluta para a Deliveroo", esclareceu a empresa, dizendo que atualizou o aplicativo com uma função na qual os entregadores podem informar se lhes falta segurança.
"Trabalhamosestreita colaboração com as autoridades para compartilhar informações que ajudarão a combater o crime e o comportamento antisocial", diz a Deliveroo.
Um porta-voz da Uber Eats esclareceu que a empresa oferece seguro gratuito para entregadores independentestoda a Europa, que cobre doença, lesões e pagamentosmaternidade e paternidade. A empresa, contudo, não informou quantos são os brasileiros nem que tiposegurança oferece aos seus entregadores.
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