'Tecnologia permite destruir Amazônia mais rápido do que fizemos com a Mata Atlântica':spring play roleta
A árvore mais alta identificada, numa antiga fazendaspring play roletacacauspring play roletaCamacã (BA), foi um jequitibá com 58 metrosspring play roletaaltura e tronco com 13,6 metrosspring play roletacircunferência - dimensões extraordinárias, mas aquém das árvores gigantes do bioma no passado, como um jequitibá na regiãospring play roletaCampinas (SP) cujo caule alcançava 19,5 metrosspring play roletacircunferência no início do século 20.
Em entrevista à BBC News Brasil, Cardim diz que as condições que permitiram o desenvolvimento das árvores gigantes da Mata Atlântica não existem mais. Compartimentadas e cercadas por lavouras, muitas áreasspring play roletafloresta sobreviventes se despovoaramspring play roletaanimais - essenciais para a renovação das plantas - e sofrem com a invasãospring play roletaespécies exóticas e alterações climáticas.
Ele diz acreditar, porém, que as próximas gerações conseguirão reconectar os fragmentos da floresta e trazer os bichosspring play roletavolta, garantindo a sobrevivência do bioma, ainda que sem a mesma riqueza original.
Cardim não nutre o mesmo otimismospring play roletarelação à Amazônia - que, segundo ele, vive hoje, passo a passo, o mesmo roteiro da destruição da Mata Atlântica. Segundo o botânico, enquanto o desflorestamento da Mata Atlântica parece ter sido contido, a Amazônia sofre com a ação "de um arcospring play roletaaventureiros que são incontroláveis" e fragmentarão o bioma antes que a sociedade se conscientize sobrespring play roletaimportância. "Hoje a tecnologia permite que a gente faça a destruição da Amazônia com a mesma velocidade, ou até mais rápido, do que fizemos na Mata Atlântica. Com nossas estradas, caminhões, motosseras, o ganhospring play roletaescala é absurdo".
Confira os principais trechos da entrevista.
spring play roleta BBC News Brasil - O livro mostra que, ao contrário do que muitos pensam, a destruição da Mata Atlântica foi um processo bem recente. Como o bioma foi aniquilado tão rapidamente?
spring play roleta Ricardo Cardim - Até 1890, o que estava mexido no Brasil era um pedacinhospring play roletaPernambuco, por causa do ciclo do açúcar no século 17, e do Riospring play roletaJaneiro, por causa das fazendasspring play roletacafé. O resto era mata fechada, com índios dentro.
Parece incrível, mas a destruição da Mata Atlântica se deu mesmo no século 20. A grande cobiça era pelos húmus que fertilizaram o solo da Mata Atlântica ao longospring play roletamilênios. A madeira era muito mais um empecilho do que um benefício. Só no final do processo, quando já tínhamos muito caminhão e transporte facilitado pelas ferrovias, que a madeira começou a ser aproveitada. Mesmo assim, o índicespring play roletaaproveitamento da madeira foispring play roletacercaspring play roleta3%spring play roletatudo o que foi derrubado.
A ordem era "limpa logo para a gente começar a colher o ouro verde", que era o café. Fizemos como aquele cara que herda uma fortuna e na mesma noite vai gastar tudospring play roletafarra, e acorda pobre. Demoramos milharesspring play roletaanos para formar aquele solo, criar aquelas condições perfeitas, espring play roletacinco ou dez anos, aquilo não existia mais. Os solos que a gente cultiva hoje só são cultiváveis por causa da tecnologia, porque já foram exauridos.
spring play roleta BBC News Brasil - Você destaca no livro a destruição das matasspring play roletaaraucárias, na porção sul da Mata Atlântica. O que houvespring play roletapeculiar nesse processo?
spring play roleta Cardim - A velocidade com que ocorreu. Essa é uma floresta que passa do século 19 ao 20 praticamente intacta. Brincava-se que era possível atravessar os Estados do Paraná espring play roletaSanta Catarina nos galhos das araucárias,spring play roletatão grudadinhas que elas estavam.
Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil importava madeira - o que era surreal para um país que estava destruindo florestas adoidado para plantar café. Mas, quando a Primeira Guerra impede esse comércio, o mercado começa a lembrar a araucária - um pinheiro maravilhoso, muito fácilspring play roletacortar. Começa um saque da floresta voltado para a madeira como se nunca viu.
A araucária vira uma grande divisa. Todo mundo que quer ficar rico vai para a florestaspring play roletaaraucária montarspring play roletaserrraria. Isso chega no auge nos anos 1950 e 1960. Cortavam tanta madeira que boa parte dela apodrecia antesspring play roletaser escoada para o mercado. Nos anos 1970, a floresta acabou. Houve uma quebradeira geral nas serrarias. Famílias que eram riquíssimas ficaram pobres.
A araucária simplesmente acabou. O que temos hoje são araucárias rebrotando, pequenas. O que sobrou hoje é uma sombra.
spring play roleta BBC News Brasil - O quão virgem era a Mata Atlântica antesspring play roleta1500?
spring play roleta Cardim - (O antropólogo) Darcy Ribeiro falava que havia entre 4 e 6 milhõesspring play roletaíndios vivendo aqui no território. Acho possível, mas não acho que o impacto deles na floresta foi tão grande quanto o historiador americano Warren Dean falouspring play roleta"A ferro e fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira" (1996). Ele diz que não existia floresta intocada, porque os índios já tinham cortado aquilo pelo menos uma vezspring play roletaum milênio.
Eu acredito que os índios tinham capacidadespring play roletaalterar o meio, mas com ferramentas muito primitivas - machadosspring play roletapedra, fogo -, e também tinham populações muito pulverizadas. As coivaras que eles faziam para queimar e plantar roças não eram suficientes para gerar uma extensa derrubada. Acho que os índios deixavam as árvores grandes no meio da coivara e plantavam embaixo delas. E não acho que tenham conseguido trabalhar todo o território a pontospring play roletaalterá-lo.
spring play roleta BBC News Brasil - Qual o cenário hoje para as árvores gigantes remanescentes da Mata Atlântica?
spring play roleta Cardim - É terrivelmente ameaçado. A Mata Atlântica virou uma colchaspring play roletaretalhos. Sobrou um décimo do que ela era, e ainda por cima esse décimo é formado por vegetação secundária - por florestas que já foram queimadas, exploradas, derrubadas - e divididospring play roleta245 mil fragmentosspring play roletadiferentes tamanhos. As árvores gigantes que sobraram nesses pedacinhos, especialmente nos menores, estão superameaçadas.
O clima local altera quando se derrubam florestas - basta lembrar que São Paulo era a terra da garoa, e hoje não temos mais garoa porque sumiu o verde dentro e no entorno da cidade. Os ventos, alterações ecológicas como a infestaçãospring play roletacipós, uma sériespring play roletadesequilíbrios ecológicos causados pela invasão do homem na floresta estão colocandospring play roletarisco as poucas árvores gigantes que sobreviveram no bioma - tanto dentro da floresta quanto aquelas que estão isoladasspring play roletapastos, plantações, meios urbanos.
Nossa geração talvez seja uma das últimas a conseguir enxergar essas árvores gigantes, porque elas estão desaparecendo. E acho difícil que novas árvores desse porte surjam se a gente não reconectar os fragmentosspring play roletafloresta.
spring play roleta BBC News Brasil - É viável reconectar esses fragmentos, considerando as forças econômicas e políticas atuais? As paisagens na região parecem estar muito consolidadas.
spring play roleta Cardim - Nascispring play roleta1978 e cresci numa casa que tinha telefonespring play roletadisco, uma TV com bombril espetadospring play roletacima e meu pai assinando jornal. O mundo mudou muito, e não sóspring play roletatecnologia,spring play roletavisão do planeta, sociedade. As crianças estão vindo com outro olhar sobre a natureza. Tenho muita féspring play roletaque elas vão causar uma revolução, e a tecnologia vai resolver muitos problemas, produzindo muito alimento sem precisarspring play roletagrandes territórios. Vai chegar o momentospring play roletaque vamos conseguir ter a harmonia entre o conforto moderno e o modospring play roletaprodução econômico, e conseguiremos restabelecer parte do território natural.
Em 2100, teremos a Mata Atlântica reconectada, sobrevivendo,spring play roletaharmonia com as cidades e as atividades agrícolas. Sou otimista.
spring play roleta BBC News Brasil - A Mata Atlântica será capazspring play roletase regenerar sozinha?
spring play roleta Cardim - Se o ser humano desaparecesse da Terra neste instante, a Mata Atlântica iria recompor todo seu espaço. O que a atrapalharia são as plantas invasoras. Trouxemos muitas plantas estrangeiras. Quando você traz algospring play roletafora, isso pode prejudicar enormemente quem já estava aqui antes. Vemos isso no parque Trianon (em São Paulo) e na Floresta da Tijuca (no Riospring play roletaJaneiro).
A floresta abandonada, sem ser manejada, iria virar um híbridospring play roletaMata Atlântica com Pinus elliotti (pinheiro nativo da América do Norte), com palmeira seafortia (espécie australiana), com jaqueiras (oriundas da Ásia), e isso poderia comprometer grande parte da bidiversidade até chegar num pontospring play roletaequilibrio. Teríamos uma floresta mais pobre do que aquela que os portugueses encontraramspring play roleta1500.
spring play roleta BBC News Brasil - O geógrafo Altair Sales costuma dizer que os trechos remanescentesspring play roletaCerrado são como fotografias do passado, porque muitas das interações entre insetos, plantas e animais que permitiram o desenvolvimento daquelas paisagens deixaramspring play roletaexistir à medida que o bioma foi sendo degradado - e que no futuro aquelas paisagens desaparecerão. Isso se aplica à Mata Atlântica?
spring play roleta Cardim - Sim. Temos hoje na Mata Atlântica florestas que são relíquias, restosspring play roletauma era quando tínhamos macacos muriquis andandospring play roletagalhospring play roletagalho do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, quando tínhamos antas, varasspring play roletaqueixadas e catetus, onçasspring play roletatodos os lugares.
Os bichos são fundamentais para plantar e polinizar a floresta. Nos anos 1930, o homem chegou à mata metralhando os bichos, caçava tudo o que via por ali. A vegetação tropical é intimamente ligada a seus bichos, uma evoluiu com o outro, com complexas interações que a gente nem imagina ainda.
Na Mata Atlântica, temos hoje a figura da floresta vazia, da floresta zumbi, como a do Parque Trianon, que não tem como se renovar. Para que a sementespring play roletaum jatobá germine, ela temspring play roletater a dormência quebrada pelo intestino da anta. Sem anta, isso não acontece mais, a semente cai no chão e não germina. Os mecanismos estão profundamente comprometidos tanto no Cerrado quanto na Mata Atlântica.
Por isso, quando formos investir para reconectar os fragmentos, precisamos procriar os bichos para que eles possam voltar a transitar e reabilitar a floresta.
spring play roleta BBC News Brasil - Em vezspring play roletahomogênea, a Mata Atlântica é descrita no livro como um bioma com múltiplas faces. O quão diversa é a formação?
spring play roleta Cardim - As pessoas tendem a pensar que a Mata Atlântica é aquele tapetãospring play roletafloresta, como na Serra do Mar. Pensam que só ocorre no litoral, sem saber que ela vai até o Paraguai. Ela era realmente extensa. Outra coisa interessante é a diversidadespring play roletapaisagens.
Na Mata Atlântica, podemos encontrar desde a restinga arenosa, um areial com ilhasspring play roletabromélias, cactos, pequenos arbustos, pitangueiras, verdadeiros jardins prontos - não é à toa que Burle Marx se inspirava nessas paisagens -, a camposspring play roletaaltitude, comospring play roletaItatiaia, ou na Serra dos Órgãos, que são campos com plantinhas no topo, até florestas monstruosas como as que existiram no norte do Paraná e no sul da Bahia.
Ela tem maior biodiverisade, comparativamente, do que a Amazônia, porque ela concentra diversas paisagens e espécies num território relativamente pequeno, graças à proximidade do oceanospring play roletaalguns pontos e do relevo, que é bastante movimentado e cria diferentes condições para a vegetação.
spring play roleta BBC News Brasil - Já tivemos perdas irreparáveisspring play roletaespéciesspring play roletaárvores gigantes na Mata Atlântica?
spring play roleta Cardim - Suspeito que sim. Por exemplo, a peroba-rosa encobria centenasspring play roletaquilômetrosspring play roletaflorestas. Ela foi tão cortada, sobrou tão pouco, que nos faz questionar o quanto sofreuspring play roletaersoão genética a pontospring play roletase tornar viável. Uma doença talvez seja capazspring play roletamatar todas as restantes. São os últimos moicanos. Tenho a sensaçãospring play roletaque muitas árvores da Mata Atlântica são os últimos moicanos.
Nas expedições que fiz durante a produção do livro, tinha o objetivospring play roletaver a floresta original, mas acho que não consegui. A grande verdade é essa. Eu vi florestas que podem ter sido próximas daquilo, mas fiquei com a sensaçãospring play roletaque não existe mais a floresta original, que meu tataravô possa ter visto quando estavam abrindo as fazendas.
spring play roleta BBC News Brasil - Quando se critica o desmatamento no Brasil, alguns representantes do agronegócio costumam citar a destruição das florestas na Europa e reivindicar o direitospring play roletafazer o mesmo por aqui. Como seria nossa sociedade se a Mata Atlântica não tivesse sido destruída?
spring play roleta Cardim - Esse argumento é tão hediondo como falar que, já que houve o Holocausto na Alemanha, podemos fazer um aqui também. A Europa hoje está preocupadíssimaspring play roletarestabelecer suas florestas e nunca mais vai restabelecer do jeito que era, porque as matas lá vêm sendo derrubadas desde a época romana.
Se tivéssemos encontrado outros meiosspring play roletaproduzir riqueza, através da educação, da tecnologia, teríamos agora um patrimônio maravilhoso. Não sou contra a exploraçãospring play roletamadeira. Sem a madeira, não teríamos orquestras, por exemplo. Eu adoro móveisspring play roletamadeira nobre. Mas, se tivéssemos exploradospring play roletaforma sustentável, poderíamos ter móveisspring play roletajacarandá pelo resto da vida.
Teríamos um potencial gastronômico inacreditavelmente grande, como alguns já começaram a perceber, como (o chef) Alex Atala. Teríamos muito potencial no ramo da biotecnologia,spring play roletamedicamentos. E tambémspring play roletaturismo, pois é impossível ficar indiferente diante dessas árvores gigantes. É como alguém diante da pirâmidespring play roletaQueóps.
spring play roleta BBC News Brasil - O processospring play roletadestruição da Mata Atlântica é comparável ao que hoje enfrenta a Amazônia?
spring play roleta Cardim - A grande sacada desse livro é mostrar que fizemos uma coisa na Mata Atlântica nos últimos 100 ou 150 anos que é exatamente igual ao que estamos fazendo hoje na Amazônia. O que muda é a proporção, por causa da extensão da Amazônia e a tecnologia. Hoje a tecnologia permite que a gente faça a destruição da Amazônia com a mesma velocidade, ou até mais rápido, do que fizemos na Mata Atlântica. Com nossas estradas, caminhões, motosseras, o ganhospring play roletaescala é absurdo.
spring play roleta BBC News Brasil - Quais foram as etapas da destruição da Mata Atlântica que agora se repetem na Amazônia?
spring play roleta Cardim - Primeiro, criar uma motivação econômica para um acesso à floresta. Na época (dos presidentes) Costa e Silva e Médici, nos anos 1970, começa a surgir a ideia da terra sem homens da Amazônia para o homem sem terras do Nordeste. Esse caminho para o interior da Amazônia, que começa com a rodovia Transamazônica, tem como paralelo a entrada das ferrovias no seio da Mata Atlântica por causa do café. A ferrovia entrava e rasgava a Mata Atlântica - vem o eixospring play roletapenetração, saem estradas vicinais para saquear a floresta e aproveitar a terra.
É o que está ocorrendo hoje na Amazônia: primeiro vem o cara saquear madeira, depois se faz a queimada para aproveitar o solo, o fogo fertiliza aquela terra e planta-se capim para que o gado pisoteie os entulhos da floresta. Com dois ou três anos, aquela floresta desaparece e vira carbono, e aí entra a soja. No nosso caso, era o café que entrava. Temos registrosspring play roletaCampinas (SP),spring play roleta1840, da presença do gado entre ruínasspring play roletaárvores colossais da Mata Atlântica. Era um modospring play roletadomar a terra para o café.
spring play roleta BBC News Brasil - Seremos capazesspring play roletafrear o desmatamento na Amazônia?
spring play roleta Cardim - Sou otimista quanto à Mata Atlântica, mas não quanto à Amazônia. Acho que não vai dar tempo. A Amazônia vai ser fragmentada antes que as gerações futuras consigam entender a importância dela.
Existe lá um arcospring play roletaaventureiros -políticos, grileiros - que são incontroláveis. Eles vão fragmentar a floresta antes que a gente consiga mudar a sociedade.
spring play roleta BBC News Brasil - As tecnologias e a legislação para evitar o desmatamento também não avançaram?
spring play roleta Cardim - Com certeza, mas ainda acho que são fracas perante o que está acontecendo lá. O que houvespring play roletaRondônia é emblemático. A floresta do Estado sumiuspring play roletadez anos. E hoje a última fronteira é o Estado do Amazonas, porque o Pará já foi muito detonado.
Estão derrubando por mais que coloquemos multas. Tem muita gente lá que não tem nada a perder e vai fazer isso acontecer. Talvez, daqui a 40 anos, alguém faça um livro como este que eu fiz contando como a Amazônia foi destruída.