Exclusivo: polícia investiga líder espiritual acusadooscars bwinabusos sexuaisoscars bwinrituais com ayahuasca e drogas:oscars bwin

Os supostos crimes teriam acontecido entre 2005 e 2015. Teriam ocorrido, segundo o relato das entrevistadas,oscars bwindiferentes lugares: na sede da igreja, na casa do líder religioso eoscars bwinmotéis para onde algumas mulheres que faziam parteoscars bwinrituais religiosos relataram ter sido levadas sem aviso prévio.

A BBC News Brasil entrevistou 11 mulheres, incluindo as três que depuseram ao Ministério Público, e recebeu relatos escritososcars bwinmais quatro. Todos os nomes nessa reportagem são fictícios.

A reportagem não trará detalhesoscars bwintodas as alegações que foram ouvidas nem publicará na íntegra as entrevistas e depoimentos recebidos por escrito. Apenas três casos, que trazem elementos comuns à maioria das denúncias, serão reportados.

Entre as histórias narradas estão supostos casososcars bwinassédio sexual e atéoscars bwinsupostos estupros. A maioria das mulheres acusa Marquesoscars bwinter praticado os crimes enquanto elas estavam sob efeitooscars bwinayahuasca, uma bebida alucinógena, dentrooscars bwinum contexto religioso, ouoscars bwindrogas como LSD e ecstasy.

Gê Marques nega as acusações. Por telefone, ele se recusou a dar entrevista e enviou o contatooscars bwinseu advogado. Para dar ampla chanceoscars bwinresposta, a BBC News Brasil listouoscars bwine-mail o conteúdo dos relatos.

Por meiooscars bwinnota, seu advogado, Luís Eduardo Kuntz, afirmou que, caso essa reportagem fosse veiculada "nos termos da narrativa e perguntas encaminhadas", "estará calcadaoscars bwindistorções absolutamente equivocadas eoscars bwinmá-fé, construindo cenários que nunca ocorreram" e que "impressiona a desfaçatez e leviandade como os relatos foram construídos, alterando completamente a verdade, para enxovalhar, com o máximooscars bwindano possível,oscars bwinhonra e reputação".

Ainda segundo a nota do advogadooscars bwinGê Marques, "foram mantidas relaçõesoscars bwinamizade e proximidade com todas (sic) os frequentadores do Reino do Sol, relações estas sempre pautadas pelo respeito e urbanidade". "Os fatos, se necessário e oportunamente, serão completamente esclarecidos perante as autoridades competentes."

Afirmou, por fim, que "todos os envolvidos nesta grave e irresponsável acusação serão oportunamente responsabilizados civil e criminalmente". Segundo o advogado, Marques está "à disposição" para depor no inquérito, do qual está ciente.

Por meiooscars bwinnota, a Secretariaoscars bwinSegurança Públicaoscars bwinSão Paulo afirmou que a Polícia Civil "encaminhou o inquéritooscars bwinviolação sexual mediante fraude à Justiça, solicitando prorrogaçãooscars bwinprazo". "Foi expedida carta precatória para ouvir o suspeito e diligências estãooscars bwinandamento para localizá-lo. Vítimas foram ouvidas e a autoridade policial aguarda o retorno do inquérito para prosseguir com as investigações."

'Umbandaime'

O Reino do Sol foi fundado por Gê Marquesoscars bwin2002. No auge da popularidade, dizem os ex-membros, a igreja chegou a ter um fluxooscars bwin300 pessoas que iam participaroscars bwintrabalhos espirituais e rituais. Membros fixos, como agora, eram ao redoroscars bwin100, que pagavam uma contribuição mensaloscars bwincercaoscars bwinR$ 100.

Os membros têm um perfil predominantemente jovem,oscars bwinclasse média, muitos deles artistas e intelectuais moradores da zona oesteoscars bwinSão Paulo.

"Umbandaime", religião do Reino do Sol, é uma mistura entre doutrinas: a umbanda já é ela própria uma mistura entre religiões africanas e cristãs, e o Santo Daime, fundado por um seringueiro na região amazônica nas primeiras décadas do século 20, bebe nas tradições espírita e xamânica,oscars bwinconsumo da ayahuasca.

O ritual, portanto, mescla elementos das duas religiões, e funciona resumidamente assim: os participantes ingerem ayahuasca ou, como dizem, consagram o Daime e, vestindo roupas brancasoscars bwinfileiras ao redoroscars bwinuma mesaoscars bwinformaoscars bwinestrelaoscars bwinseis pontas, cantam e fazem orações.

Então, sob influência da ayahuasca - permitida no Brasiloscars bwincontextos religiosos e sem fins lucrativos - médiuns incorporam entidades da umbanda. O ritual costuma começar à noite e se estender até a madrugada.

O Reino do Sol é uma igreja independente e não faz parteoscars bwinoutros grupos religiosos maiores.

Gê Marques é referênciaoscars bwinumbandaime. Formadooscars bwinjornalismo pela USP, fez mestradooscars bwinCiências da Religião na PUCoscars bwinSão Paulo justamente com foco na inserção da umbanda no Santo Daime. Conduz rituais também fora do Brasil.

As mulheres e outros ex-integrantes do Reino do Sol, entrevistados pela BBC News Brasil, são unânimes ao descrevê-lo: é, segundo dizem, extremamente inteligente e articulado, com grande capacidadeoscars bwinoratória, admirado pelos frequentadores e com muito conhecimento sobre umbanda e daime.

Os relatos

A acusaçãooscars bwinHelena é uma das 15 relatadas à BBC News Brasil. Ela conta ter ido para uma sessãooscars bwindescarregooscars bwin2005. O ritual para livrá-laoscars bwinenergias ruins aconteceria, segundo seu relato, numa sala pequena, com duas cadeiras e uma maca, sem ervas, só com Gê Marques, sem a presençaoscars bwinoutros médiuns, o que, segundo ela, seria incomum.

Marques ofereceu ayahuasca, diz ela. Quando a bebida "bateu", ela teria começado a chorar. Ele tentou acalmá-la, fez uma massagem e propôs que cantassem, diz.

"Mas até aí, para mim, estava tudo dentro do que poderia ser normal. Eu estava com o dirigente espiritual que eu admirava, confiava. Estava entregue, buscando minha cura, buscando ajuda", conta. A sessãooscars bwindescarrego havia sido marcada dias antes porque o próprio médium, enquanto estaria incorporando uma entidade, havia lhe dito que ela precisava daquilo, diz.

Então, conta, ele teria proposto uma "dinâmica energética" na salinha, comumoscars bwinoutros rituais seus. Um deveria colocar a mão na parte do corpo do outro que estava "precisandooscars bwinenergia".

Helena relata que colocou a mão no coração dele. Ela diz que Marques, então, teria movido a mão dela e colocadooscars bwinseu órgão genital. Helena conta que se assustou, recolheu imediatamenteoscars bwinmão e pediu para deixar a sala, que ela disse estar trancada. "Ele pediu para eu me acalmar e me deitar ao lado dele", o que ela diz ter feito e, depoisoscars bwinum tempo chorando, insistiu para sair e ir embora.

Helena diz ter se convencidooscars bwinteria ocorrido ali um incidente isolado, e continuou a frequentar o grupo religioso, um pouco mais ressabiada, mas ainda sem deixaroscars bwinadmirar o líder.

Em 2015 diz ter descoberto, no entanto, que outras mulheres relatavam experiências semelhantes.

"Como imaginava que seu 'deslize' havia acontecido apenas comigo, me deixei convencer que falar poderia ser mais destrutivo para todos do que me calar", disse uma das mulheres.

"Ele fazia aparecer que aquilo tinha acontecido por acaso. Uma coisa é convidaroscars bwinmaneira explícita, mas, não, ele vai te conduzindo, te deixando encurralada. Se ele tivesse tido a coragemoscars bwindeixar claras as suas intenções, eu teria tido a chanceoscars bwinescolher se queria ou não passar por aquilo. O método dele é manipulador", disse outra suposta vítima.

"Naqueles flashesoscars bwinsegundos, você fica meio que paralisada. Pensa: 'será que isso é uma prática energética?' Hoje, fico indignada comigo mesma por tamanha ingenuidade. Só percebi anos depois que não houve propósito espiritual nenhum e que fui abusada", relatou outra das supostas vítimas.

Massagens e terapias

As "vivências espirituais" no Reino do Sol iam além da prática tradicional do Daime, diz uma ex-participante, e envolviam massagens, alongamentos, exercícios corporais parecidos com aulaoscars bwinteatro ou Tai Chi Chuan, às vezesoscars bwinuma casa alugada onde havia piscina.

Segundo as mulheres que conversaram com a reportagem, alguns convites para massagens terminaramoscars bwinabuso. É o que alega, por exemplo, Roberta. Em seu caso, ela disse que aconteceu sem usooscars bwinayahuasca ou algum outro psicoativo.

Ela diz que Marques a convidou para um "atendimento" emoscars bwincasa depoisoscars bwinuma sessão terapêutica na Escola da Rainha, uma casaoscars bwinterapias do Reino do Sol que funcionou até 2008 na Vila Madalena, zona oesteoscars bwinSão Paulo.

"Ele me levou até o quarto. Ali já estava preparado no chão do quarto uma canga com velas, pedras e um vidrooscars bwinóleo." No começo, diz ela, foi mesmo uma massagem. Ela diz que ficou "por muito tempo acreditando que aquilo ali era reiki [tipooscars bwinmassagem 'energética']."

No meio da massagem, conta, ele começou a tiraroscars bwinroupa e pediu que ela dissesse o nomeoscars bwinum animal eoscars bwinuma cor. "Enquanto ele estava me massageando atéoscars bwinfrente, sem sutiã, eu ainda estavaoscars bwindúvida: 'O que será que está acontecendo aqui? Será que é normal?' Eu era nova, tinha 20 anos. Tinha aquela dúvidaoscars bwinser imatura,oscars bwinnão querer parecer inexperiente, desinformada. E tinha muita confiança nele." Roberta conta ter interrompido a sessão após Marques tirar a calça e se deitar sobre ela.

"Que essa reflexão sobre o que significa o consentimento seja feitaoscars bwinmaior escala e profundidade. Porque não existe consentimento quando um homem utiliza a posição poder que ocupa, o momentooscars bwinfragilidade da mulher à procuraoscars bwinapoio espiritual e o usooscars bwindrogas para cometer abuso sexual", refletiu uma das supostas vítimas.

"Não frequento mais nenhuma igreja. Fala para mim que é mestre religioso, não quero nem saber", disse outra mulher.

Crise na igreja

Segundo as mulheres, o poder exercido por Marques e a admiração que sentiam por ele fizeram com que não se dessem contaoscars bwinque teriam sido abusadas dentrooscars bwincircunstâncias supostamente similares. Elas dizem que isso ficou evidente para elas quando, naquele ano, pelo menos três alegações, que posteriormente chegariam ao Ministério Público, vieram à tona.

Entre eles, ooscars bwinCarolina. Ela entrou na igreja com a família quando tinha 15 anososcars bwin2006, orientada por seu padrasto.

Ela disse que Marques teria oferecido sessões gratuitasoscars bwinterapia emoscars bwinprópria casa para ela, com 16 anos na época.

Ao final da segunda sessão, ela diz, ele se aproximou dela no corredor. "Antesoscars bwinabrir a porta, me beijou." "Foi uma coisa muito ruim. Lembrooscars bwinentrar no elevador pasma, totalmente confusa, e pensar: 'nossa, será que ele está gostandooscars bwinmim?' Escondi da minha mãe, senti muita vergonha", disse.

Carolina afirma ter sido abusada por eleoscars bwinoutras situações, incluindo umaoscars bwinque ocorreu, após uma massagem, uma relação sexual com a qual ela diz não ter tido capacidadeoscars bwinconsentir por estar sob efeito efeitooscars bwinálcool e pela ascendência que ele exercia sobre a adolescente, então, com 17 anos.

"Para mim foi difícil porque ele não apontou arma nenhuma para ela. Como é que fala que foi abuso sexual? Ele poderia ser o avô dela. Depois entendi como ele usava o lugaroscars bwinpoder dele. As meninas eram enganadas, achavam que tinham feito algooscars bwinerrado. Até hoje ela sofre com isso", disse à BBC News Brasil o padrastooscars bwinCarolina.

Confrontado pelas alegaçõesoscars bwinalguns membros do grupo, o dirigente se afastou da igreja por um período aproximadooscars bwinnove meses entre dezembrooscars bwin2015 e setembrooscars bwin2016. Em 1ºoscars bwindezembrooscars bwin2015 ele mandou o seguinte email: "Aos meus irmãos do Reino do Sol, com luto na alma lhes dirijo estas palavras. Essa Casa viu seus alicerces serem abalados, e disso sou o único responsável. Tanta dor provocou a minha ignorância, e disso espero um dia me perdoar. Antesoscars bwintudo espero que estes tantos irmãos a quem faltei com a minha luz um dia possam me perdoar. A todas as mulheres, aos seus companheiros e familiares".

"Vou atrásoscars bwinentender as profundezasoscars bwinmeu ser, correr atrásoscars bwinclarear os vícios da minha alma e meus enganos, garimpar a minha cura aonde no fundo da alma há o que iluminar. Vou buscar ajuda onde a Luz me apontar. Estou profundamente abalado e envergonhado. (...) Partooscars bwinbuscaoscars bwinminha regeneração, procurando não perder a féoscars bwinque mesmo ao menor dos seres sejam concedidos o perdão (...)."

Procurado para comentar o e-mail, o advogadooscars bwinMarques, Kuntz, diz que "os pedidososcars bwinperdão estão devidamente esclarecidos no contextooscars bwine-mail antigo". Ele se refere a um enviado por Marques antes disso,oscars bwin22oscars bwinnovembro daquele ano,oscars bwinque ele também comentava os relatos que já circulavam no Reino do Sol.

"Seja como for, sei que o que o escuro promove hoje tem como foco derrubar o Reino do Sol, através da minha pessoa", diz o e-mail. Ele diz ter sido "obrigado a reavaliar" seu lugaroscars bwindirigente "de uma coletividade espiritual, que mesmo se pretendendo libertária, está imersa também nas sombras moralistasoscars bwinnossa cultura".

"Tenho vida afetiva e sexual normal. Nunca fiz papeloscars bwinguru acético, ouoscars bwincelibatário. Mas tentar me imputar a pechaoscars bwinmal intencionado é infame. De mim a mais absoluta certezaoscars bwinque, mesmo com meus enganos, sempre respeitei profundamente as mulheres (...) Mas o que se busca hoje é me fixar chavões da sombra moral, como assediador, abusador - com que a massaoscars bwinlinchadores se compraz."

Para seu advogado, os pedidososcars bwinperdão são "o retratooscars bwinuma pessoa responsável e fiel àoscars bwincoletividade". Nos e-mails trocados naquela época, outros membros defenderam o dirigente espiritual.

Marques voltouoscars bwinsetembrooscars bwin2016 e permanecia até dezembro à frente do espaçooscars bwinMairiporã. No finaloscars bwin2018, depois que a BBC News Brasil entrouoscars bwincontato com Marques e enviou perguntas a seu advogado, o líder espiritual anunciou que se afastaria novamente do Reino do Sol, segundo integrantes da igreja. Procurado para comentar, seu advogado disse não estar cienteoscars bwintal decisão.

Uma participante atual do Reino do Sol que não quis ser identificada o defende: "Não tenho nada contra ele. É minha casa do coração. Aquela situação já está resolvida". Outra diz que o que teria acontecido "não tira o crédito do trabalho que ele fez por muitos anos", e que Marques "sempre foi muito competente", um dos poucos sabiam "muito bem administrar" ayahuasca aos frequentadores da casa. "É uma das pessoas que mais cuidado tem, é um cara superbacana."

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