A pequena cidade brasileira que tinha maconha plantada até na praça principal:big brother betano
Por maisbig brother betanoum mês, a BBC News Brasil apurou o caso. Falando com especialistas, profissionais que participaram da situação, relatosbig brother betanomoradores e acesso ao inquérito policial sobre o assunto, a reportagem descobriu os detalhes sobre a história mais famosa da pequena Cruzeta.
As plantações
Era noitebig brother betanosábado, no iníciobig brother betanojunhobig brother betano1996, quando a delegaciabig brother betanopolíciabig brother betanoCruzeta recebeu uma denúncia anônima sobre um suspeito que estaria vendendo maconhabig brother betanoum bar,big brother betanouma região próxima à saída da cidade.
Os policiais foram ao local e encontraram um rapaz com uma pequena quantidade da droga. Eles descobriram que, minutos antes, o jovem havia jogado uma sacolabig brother betanoplástico por cimabig brother betanoum muro,big brother betanoum terreno vizinho ao bar.
Conforme relatos dos policiais, na sacola foram encontradas diversas folhasbig brother betanouma plantabig brother betanocor verde, aparentemente recém-colhida, semelhante à maconha. O suspeito foi preso e encaminhado à delegacia, onde declarou ter conseguido a erva no quintalbig brother betanoum idosobig brother betanoCruzeta.
Na segunda-feira seguinte, a polícia do município obteve um mandadobig brother betanobusca e apreensão, expedido pela Justiça, que permitiu que fossem até a residênciabig brother betanoJoão*, o idoso apontado pelo rapaz, na época com 63 anos. No muro da casa dele encontraram uma plantabig brother betanotrês metrosbig brother betanoaltura.
Segundo a polícia, João pediu para que não cortassem a planta. "Ele tinha vários tambores com a erva curtidabig brother betanoágua, consumia diariamente e tratava aquilo como um líquido santo", relata a professora Renilda Medeiro,big brother betano54 anos, que morabig brother betanoCruzeta desde a infância. Segundo ela, o idoso tinha câncer e acreditava que o líquido o ajudava na luta contra a doença. "Ele dizia que essa planta aliviava todas as dores que sentia e impedia que a doença avançasse."
De acordo com Renilda, muitos moradoresbig brother betanoCruzeta, ao saber dos benefícios que João afirmava conseguir com a erva, haviam pedido mudas ao idoso. "Várias pessoas quiseram plantarbig brother betanocasa", conta.
Logo que encontrou a plantação na casa do idoso, a políciabig brother betanoCruzeta cortou a erva e a levou para a delegacia da cidade.
Em depoimento, prestadobig brother betanosetembrobig brother betano96, João declarou que a planta estava nabig brother betanocasa havia oito anos, desde quebig brother betanomulher trouxera a erva da casabig brother betanouma irmã,big brother betanoNatal (RN). O idoso afirmou que a utilizava para curar doenças. "Ele (João) disse que várias pessoas pediam galhos para fazer remédios. João nunca soube se alguém usava a mesma como entorpecente", narra parte do inquérito policial sobre o caso, ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
Foram encontradas plantas em, ao menos, seis residênciasbig brother betanoCruzeta ebig brother betanolocais como a praça principal perto da prefeitura,big brother betanoum cemitério ebig brother betanofrente a uma igreja. "Algumas chegavam a seis metrosbig brother betanoaltura", relata o escrivão do cartóriobig brother betanoCruzeta na décadabig brother betano90, Pedro Georgebig brother betanoBrito.
"As praçasbig brother betanoCruzeta eram bastante arborizadas, então, era comum que as pessoas plantassem por ali. Em uma dessas, acabaram plantando maconha também", comenta Renilda.
O uso da maconha medicinal
Nas residênciasbig brother betanoque foram encontradas as plantas, viviam pessoas acimabig brother betano50 anos, que acreditavam nos benefícios trazidos pela erva para a saúde. Elas a utilizavam para diversos tiposbig brother betanomazelas: dorbig brother betanocabeça, problemas respiratórios, epilepsia, reumatismo, enxaqueca, entre outras dificuldades.
"Tudo era tratado com o chá da planta. Bastava a notíciabig brother betanoque alguém estava padecendo com algum problemabig brother betanosaúde que chegava a notícia do chá milagroso", declara Brito.
Os que plantavam, doavam galhos a outros que sentiam algum mal-estar. A planta era usadabig brother betanoduas formas: curtidabig brother betanoágua ou álcool, oubig brother betanoum chá feito com as folhas.
Lúcia*, na época com 30 anos,big brother betanodepoimento à políciabig brother betanoCruzeta, relatou que plantou a erva embig brother betanoresidência. "Ela disse ter chegado a usá-la como medicação, pois estava sentindo uma dor na coluna e ficou curada, por meio da referida planta. Ela não sabia que era maconha", relata trecho do inquérito policial.
Conforme Renilda, que afirma nunca ter utilizado a erva, era comum os idosos recorrerem à planta. "Eles sentiam muitas dores musculares e tomavam esse chá para melhorar", conta. Ela ressalta que os mais jovens também usavam para fins medicinais. "Muitos sentiram melhoras na saúde comobig brother betanoproblemasbig brother betanoresfriados, asma e cansaço."
"Até onde temos conhecimento, ninguém nunca chegou a usar para fins recreativos ou algo assim. As pessoas que utilizavam não sabiam dessa finalidade da planta. Ela foi usada somente para fins benéficos para a saúde", acrescenta.
Meses depoisbig brother betanoretirarem a erva da residênciabig brother betanoJoão, Renilda relata que o idoso morreu. "O pessoal diz que o que o mantinha vivo e controlava o câncer dele era a planta", afirma. Segundo ela, outra idosa, que também consumia o chá e tinha uma plantaçãobig brother betanocasa também teve problemas depoisbig brother betanoa erva ser apreendida. "As pessoas acreditam que a saúde dela piorou depois que ficou sem consumir a bebida, que aliviava as suas dores."
Apesarbig brother betanomuitos moradores acreditarem que as plantas mantinham os idosos bembig brother betanosaúde, não houve nenhuma comprovação médica sobre o fato.
A liamba
A Justiça determinou que fossem cortadas e apreendidas todas as plantaçõesbig brother betanomaconha da cidade. O caso repercutiu na região e diversos moradores foram à delegacia somente para conhecer a famosa planta apreendida no município.
"Na época, existiam duas correntes, uma a favor e outra contra a planta. Muita gente achava um absurdo mandar cortar aquilo, porque não fazia mal a ninguém. Mas havia outros que eram a favorbig brother betanoretirar as plantas da cidade. O certo é que a polícia fez o que deveria ser feito", declara o juiz Sérgio Dantas, que na época era o responsável pela comarcabig brother betanoCruzeta.
Logo após ser apreendido e permanecerbig brother betanoobservação por dias, o material foi incineradobig brother betanofornos das indústrias cerâmicas da cidade.
Parte dos itens,big brother betanovez da incineração, foi encaminhada ao Instituto Técnico-Científicobig brother betanoPerícia do Rio Grande do Norte (ITEP-RN), para análise. O laudo identificou a erva como liamba. "É uma planta Cannabis sativa, uma das formas como é popularmente conhecida a maconha", explica Renato Filev, pesquisador do Centro Brasileirobig brother betanoInformações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federalbig brother betanoSão Paulo (Unifesp).
Entre os moradoresbig brother betanoCruzeta, houve relatosbig brother betanopessoas que chegaram a tentar fumar a planta, como foi o casobig brother betanoFrancisca*, na época com 37 anos. "Ela disse que já fumou, mas não sentiu nenhum efeito. Não sabe dizer se alguém usava como droga. A mulher sabe que se misturada com uísque, a erva tem efeito entorpecente", relata trecho do inquérito policial.
Segundo Filev, a liamba pode ser menos alucinógena que a maconha utilizada para fins recreativos. Isso porque esta última costuma apresentar teorbig brother betanocanabinoides - o princípio ativo -big brother betanomaior quantidade,big brother betanorazãobig brother betanomotivos genéticos.
O estudioso pontua que a liamba tem função terapêutica, assim como relatado pelos moradoresbig brother betanoCruzeta. Diversos medicamentos à basebig brother betanocanabidiol, um dos princípios ativos da Cannabis sativa, são desenvolvidosbig brother betanotodo o mundo para inúmeras finalidades medicinais.
A criminalização da maconha
No Brasil, plantar maconha é crime. Conforme a Lei das Drogas,big brother betano2006, a pessoa que tiver uma plantação considerada pequena poderá sofrer penalidades semelhantes àquelas aplicadas aos que se enquadram como usuários. Nesse caso, podem ser determinadas punições como advertência, prestaçãobig brother betanoserviços à comunidade e multa.
Em casobig brother betanograndes plantações, a situação é equiparada ao tráfico e a pessoa pode ser condenada à reclusãobig brother betanocinco a 15 anos, além da aplicaçãobig brother betanomulta.
No Supremo Tribunal Federal (STF), tramita um processo que trata sobre a descriminalização do usobig brother betanodrogas. O placar atual ébig brother betanotrês votos a favor da medida - proferidos pelo relator Gilmar Mendes e pelos ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso - e nenhuma manifestação contrária.
A votação está interrompida desde setembrobig brother betano2015, quando o ministro Teori Zavascki pediu vista do processo. O sucessor dele, ministro Alexandre Moraes, é o próximo a votar. Ao menos por ora, não há prazo para que o procedimento seja retomado.
"Caso a descriminalização seja aprovada, é provável que as plantações para consumo próprio também deixembig brother betanoser crime", explica o advogado criminalista Marcelo Valdir Monteiro, mestrebig brother betanoDireito Penal pela USP. Segundo ele, será, nesse caso, necessário estabelecer a quantidade considerada como consumo próprio.
No casobig brother betanoCruzeta, a legislaçãobig brother betanovigorbig brother betano1976 determinava que usuários e pessoas que tinham pequenas plantaçõesbig brother betanomaconha poderiam receber penasbig brother betanoreclusãobig brother betanoseis meses a dois anos. O medo da prisão era o maior temor entre os moradores da cidade do Rio Grande do Norte.
"Isso gerou um terror muito grande, ainda mais porque eram pessoasbig brother betanoidade. O pessoal ficou com medobig brother betanoser preso", relata o juiz Sérgio Dantas.
Logo após concluir as investigações sobre o caso, o delegado apontou que não havia indíciosbig brother betanoque os moradores da cidade usassem a planta como entorpecente. "Eles cultivavam a referida para curar doenças e para cicatrizar cortes", concluiu o inquérito, arquivado sem que ninguém fosse indiciado.
Depois que o caso foi encerrado, Pedro Georgebig brother betanoBrito conta que a cidade recebeu açõesbig brother betanoconscientização sobre as plantas. "Foram feitas palestrasbig brother betanoescolas ebig brother betanooutros locais da cidade, para orientar sobre os riscosbig brother betanoter a liambabig brother betanocasa, nas calçadas ou nas praças. Os moradores foram informados sobre os riscosbig brother betanouma eventual apreensãobig brother betanonovas ervas e da consequente criminalização, caso houvesse alguma planta que não foi podada", diz.
De acordo com a Polícia Civil da região, desde então não houve mais nenhum registrobig brother betanoplantaçãobig brother betanoliambabig brother betanoCruzeta.
Para Renilda, que se diz favorável à descriminalização das drogas, Cruzeta foi pioneira no tema no Brasil. No entanto, segundo ela, "há muitos moradores que não concordam" com isso.
A professora ressalta que as plantações se tornaram um fato histórico para o município. "No começo, foi algo tenso, mas depois as pessoas começaram a achar engraçado, porque envolveu muita gente acimabig brother betanoqualquer suspeita", declara.
Segundo ela, apesar da surpresa dos moradores ao descobrir que havia diversas plantaçõesbig brother betanomaconha na cidade, o que mais impactou foi o fatobig brother betanoCruzeta ter sido mencionadabig brother betanorede nacional. "A questão das ervas foi uma coisa até que corriqueira, apesarbig brother betanoter sido muito comentada. Mas a notícia que mais surpreendeu a todos foi assistir a Cruzeta no Fantástico. Ninguém nunca imaginou que a nossa cidadezinha pacata, do interior, fosse aparecer para todo o Brasil, ainda mais dessa forma", comenta.
*Os nomes verdadeiros dos moradores da cidade foram alterados