Independência, abdicação e 'primeiro toma-lá-dá-cá': a história do Brasil testemunhada pelo palácio incendiado no Rio:
Chegada da corte — e do 'toma-lá-dá-cá'
Antesser conhecido como Quinta da Boa Vista, o lugar era chamado"Quinta do Elias", por pertencer ao próspero comerciante e traficanteescravos luso-libanês Elias Antonio Lopes.
Ele cedeupropriedade a D. João assim que a corte portuguesa chegou ao RioJaneiro,1808, relata o autor e historiador Laurentino Gomes — que vê o episódio como "um símbolo do toma-lá-dá-cá na história política brasileira".
"Em retribuição pelo generoso presente, o negocianteescravos Elias Antonio Lopes seria um dos homens que mais se enriqueceriam e ganhariam títulos e honrarias nos 13 anos da corte portuguesa no Brasil", escreveu Laurentino Gomes - autor dos livroshistória 1808, 1822 e 1889 - nesta segunda-feira empágina no Facebook.
"D. João 6º havia chegado empobrecido ao Brasil, desfalcadosua grandeza, e no Brasil a riqueza estava na mão dos traficantesescravos", explica à BBC News Brasil a historiadora Isabel Lustosa. "E eles queriam agradar o rei, se beneficiarsua presença. Elias entregoupropriedade e acabaria recebendo (em troca) importantes concessõesserviços."
Posteriormente, ao longosua história como residência da família real, o Palácio ImperialSão Cristóvão foi também palcoalgumas das chamadas cerimônias"beija-mão" - sessõesque os súditos se ajoelhavam perante D. João 6º (e, mais tarde, D. Pedro 1º) para pedir favores e se sentir próximos a seus "pais" (como os imperadores eram vistos à época), prossegue Lustosa.
Processoindependência do Brasil
A Quinta da Boa Vista que fora entregue por Elias Antonio Lopes a D. João 6º "era (uma edificação) simples, mas a família real foi reformando, fazendo cozinha e cocheiras no fundo e mais tarde intervenções internas para se criarem aposentos para a Imperatriz Leopoldina", relata Mary Del Priore.
Maria Leopoldina é, inclusive, uma importante protagonista da vida palaciana. Lustosa conta que a mulherD. Pedro 1º passou a maior parte davida e morreu no Palácio ImperialSão Cristóvão. Ali, no papelmonarca regente enquanto D. Pedro viajava a São Paulo, ela escreveu as cartas advertindo o maridoque Portugal exigia a volta dele.
Essa viagemD. Pedro culminaria na proclamação da independência do Brasil, comemorada7setembro. De volta ao Rio, é no Palácio Imperial que ele oficializaria a documentação da separação do Brasilrelação a Portugal.
AbdicaçãoD. Pedro 1º
Na época do Brasil imperial, o principal lugaronde os monarcas despachavam era o Paço da Cidade, na Praça XV, Centro do Rio. Mas a residência imperial acabava sediando muitos dos encontros e eventos oficiais, explica à BBC News Brasil Marcos Veneu, pesquisador da CasaRui Barbosa e professorhistória da PUC-Rio.
Foi no Palácio Imperial que D. Pedro 1º escreveu a cartaabdicação ao trono,favorseu filho, que viraria D. Pedro 2º.
"Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que, hei mui voluntariamente, abdicado na pessoa do meu muito amado e prezado filho, o sr. D. PedroAlcantara. Boa Vista, seteabrilmil oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e do Império. Pedro."
A abdicação foi a culminaçãoum grande processodesgaste político e crisepopularidade enfrentado por D. Pedro 1º, alvocrescentes críticas por parte da elite brasileira, a qual se sentia preteridarelação à eliteorigem portuguesa.
A transição para a República
Mais tarde, no final do século 19, um levante político-militar abalaria a sustentaçãoD. Pedro 2º e resultaria na Proclamação da República,15novembro1889.
E foi assim que o palácio que abrigou a monarquia se converteu, entre 1890 e 1891, na sede da Assembleia Constituinte republicana.
"Foi nos corredores do palácio imperial que ocorreram os debates da primeira Constituição Republicana do Brasil", explica Marcos Veneu.
Museu'curiosidades'
No ano seguinte à Assembleia,1892, o palácio passou a abrigar o acervo do Museu Nacional. Este havia sido criado anos antes,1818, pelo próprio D. João 6º, e inicialmente fora instalado no CampoSantana, Centro do Rio.
"O museu foi idealizado por D. João como um gabinetecuriosidades, um museuhistória natural, para abrigar acervozoologia, história antiga e botânica, por exemplo. As coleções científicas do acervo (incendiado) eram preciosíssimas, inclusive com coleções(história)tribos indígenas que já desapareceram", explica Veneu.
"E sempre foi alémum espaçoexposição - era também um localpesquisa, que nesse sentido continua a existir mesmo após o incêndio."