Maria Bonita foi uma mulher transgressora, mas passou longemines f12betser feminista, diz biógrafa da cangaceira:mines f12bet

Maria Bonita e o bandomines f12betLampião

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, Maria Bonita e o bandomines f12betLampião : ela era considerada a "rainha" do cangaço

O livro também se esforça para desfazer a imagemmines f12betLampião como o "Robin Hood do sertão", disseminada na mídia e por movimentosmines f12betesquerda da época. "Ele era aliado dos grandes latifundiários do Nordeste e era amigomines f12betum interventor. O fatomines f12better passado impune tantos anos se deve à relação que tinha com o poder. Os grandes prejudicados eram os mais pobres."

Adriana Negreiros

Crédito, Marcos Vilas Boas

Legenda da foto, Livromines f12betAdriana Negreiros quer desfazer a ideiamines f12betque Lampião era o 'Robin Hood do sertão'

Adriana é jornalista e trabalhou nas revistas Veja, Cláudia e Playboy. A seguir, veja trechos da entrevista com a autora:

mines f12bet BBC News Brasil - Como surgiu a ideiamines f12betescrever uma biografiamines f12betMaria Bonita?

mines f12bet Adriana Negreiros - Sempre tive muito interesse no cangaço. Sou nordestina, do Ceará. Minha família émines f12betMossoró, a única cidade que conseguiu expulsar Lampião. Isso foi um marco na história do cangaço e é lembrado até hoje.

Assim como muitas mulheres, eu estava vivendo a onda feminista. Minha geração está muito acostumada a ver homens no poder. Muita coisa foi naturalizada e agora estamos questionando. Quis contar a história do cangaço da perspectiva das mulheres. Lampião é uma figura exuberante, mas tinha um montemines f12betmulheres que participaram do cangaço e que foram totalmente ignoradas.

mines f12bet BBC News Brasil - A imagem que tinha dela antesmines f12betescrever o livro mudou?

mines f12bet Negreiros - Sim. Tinha uma visão muito mitificada. Quando pensamos nela, imaginamos uma mulher guerreira, que pegamines f12betarmas. Não sabia que as cangaceiras não pegavammines f12betarmas. Havia uma diferença entre o espaço das mulheres e dos homens. Elas tinham uma função doméstica, ainda que não tivessem casa. Quem brilhava no espaço público eram os cangaceiros. Elas eram coadjuvantes. A maioria nem sabia atirar.

Maria Bonita

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, Maria Gomesmines f12betOliveira entraria para a história como Maria Bonita

mines f12bet BBC News Brasil - Em que sentido diria que ela foi uma mulher transgressora?

mines f12bet Negreiros - Diferentemente da maioria das cangaceiras, ela entrou para o bando porque quis. Era empoderada para seu tempo e para aquele lugar. Vivia no sertão, nos anos 1920. Era uma mulher casada,mines f12betquem se esperava obediência ao marido. O Código Civil da época previa isso - a mulher precisavamines f12betautorização do marido para trabalhar. No entanto, ela era muito infeliz no casamento. O marido era um fanfarrão, não era presente, nem muito viril. Ela se sentia sexualmente insatisfeita com ele. Há indíciosmines f12betque ela tinha um amante.

Quando ficavamines f12betsaco cheio do marido, não ia chorar pelos cantos, ia para o forró, dançar. Tinha uma personalidade mais espevitada mesmo. Ela era transgressora do pontomines f12betvista do comportamento, era corajosa nesse aspecto. Era muito bem-humorada, não estava nem aí para o pensassem dela. Não se levava a sério. Se quisessem caçoar dela, ela estava pouco se lixando. (...) Ela falava alto, ria muito, era um tipo meio canalha, gosto disso nela.

Dadá (a cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva) também é muito interessante. Foi raptada (pelo cangaceiro Corisco), mas mais tarde disse que o amava. Acho que era uma estratégiamines f12betsobrevivência. Se adaptou à situação. Isso deu a ela um papelmines f12betprotagonismo. Os homens a obedeciam, mas não achavam aquilo muito certo. Mas ela foi uma sobrevivente.

Dadá e Corisco

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, Dadá e Corisco: A cangaceira foi raptada e estuprada por ele. Com o passar dos anos, foi adquirindo papelmines f12betliderança no grupo

mines f12bet BBC News Brasil - Por um lado, Maria Bonita agiu a favor da própria liberdade. Por outro lado reproduzia o machismo violento dos homens. Dá para dizer que ela era feminista?

mines f12bet Negreiros - Não. Era transgressora, à frente do seu tempo, mas não tinha consciência política,mines f12betgênero. Não se mostrava incomodada com a situaçãomines f12betopressão contra as mulheres. O conceitomines f12betsororidade passava longe ali. As mulheres não protegiam umas às outras.

O códigomines f12betconduta era totalmente machista. Uma mulher que cometesse um adultério era morta; o homem, não. As mulheres até incentivavam que as outras fossem punidas. Havia suspeitamines f12betque (a cangaceira) Cristina, por exemplo, tivesse um caso com outro cangaceiro. Maria foi uma das que mais apoiou que ela fosse morta, como elamines f12betfato foi.

A cangaceira Cristina, acompanhadamines f12betPortuguês, seu companheiro, e Atividade.

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, A cangaceira Cristina, que foi morta por suspeitamines f12bettraição; Maria Bonita defendia que ela fosse executada

mines f12bet BBC News Brasil - A imagem que se tem dela é que entrou para o cangaço por amor a Lampião. Acha que foi isso mesmo que a motivou?

mines f12bet Negreiros - Amor é demais. Nem conhecia bem ele. Mas ele era a grande celebridade naquela época. Era um astro, um machão, tinha dinheiro, era um valentão. Do lado dele ela se sentiria segura. Isso tudo a atraiu.

(O escritor) Ariano Suassuna fala que eram figuras extraordinárias, almas grandes. Ele tem admiração especialmente pela Maria. Ele fala que acha que ela se apaixonou por um cara que era um rei, um homem que iria salvar ela daquela vidinha pequena,mines f12betum marido que não dava conta do recado, que não dava atenção a ela. Uma vida à mercêmines f12betuma sériemines f12betviolências. Viu a possibilidademines f12betsegurança e notoriedade ao lado dele. Isso foi virando um sentimento que podemos chamarmines f12betamor. Era uma relação afetuosa.

Lampião e Maria Bonita

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, Um raro casomines f12betfoto espontânea do casal: a imagemmines f12betMaria penteando os cabelosmines f12betLampião foi registrada durante a filmagemmines f12betum documentário sobre o cangaço

mines f12bet BBC News Brasil - Você diz no livro que, durante a pesquisa, viu que os relatos das mulheres sobre o cangaço eram constantemente questionados. Como era isso?

mines f12bet Negreiros - Isso me chocou muito. Fui percebendomines f12betconversas com pesquisadores do tema que as histórias delas eram desqualificadas. Muitas delas entraram no cangaço não porque quiseram, mas porque foram obrigadas. Foram raptadas. Não foi uma opção. Eu comentava com as pessoas essas questões que muito me chocavam -mines f12betabandono dos filhos, por exemplo (após darem à luz, mulheres do cangaço eram obrigadas a entregar os filhos para outras famílias) - e ouvia as pessoas relativizando, dizendo "será que foi isso mesmo"?

Dadá, por exemplo, foi raptada pelo Corisco, mas as pessoas diziam que não era bem assim. Eu pensava "como uma meninamines f12bet12 anos vai escolher ser raptada, estuprada e ir morar no mato, passando fome e sede, sem nunca mais ver os pais?".

Quer dizer, mesmo quando elas têm voz (Dadá deu muitas entrevistas depoismines f12betdeixar a prisão), a voz delas é silenciada, sobretudo quando diz respeito a violências que sofreram. Essa é uma lógica que persiste até hoje.

mines f12bet BBC News Brasil - E muitas delas eram ignoradas nas narrativas da época...

mines f12bet Negreiros - Sim. Li praticamente tudo que foi publicado sobre o cangaço. Tem muita coisa escrita por pessoas que viveram o cangaço. Nos relatos, as mulheres sempre são tratadasmines f12betuma forma meio escrota. Fui juntando tudo, um trabalhomines f12betgarimpo, mesmo.

mines f12bet BBC News Brasil - Deve ter sido difícil juntar tudo e fazer um retrato da Maria. Fez uma interpretação própria?

mines f12bet Negreiros - Sim. As questões que me incomodaram acabaram conduzindo o trabalho, especialmente essa questão do descrédito. Resolvi assumir a versão delas.

mines f12bet BBC News Brasil - É isso que quer dizer quando fala que o livro é feminista?

mines f12bet Negreiros - Sim, quis olhar pelos olhos das mulheres, acreditar na versão delas. Também tentei deixar muito claro as estruturasmines f12betopressão que atuavam no cangaço.

Mulheres do cangaço

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, As cangaceiras Nenê, Maria Jovina e Durvinha

mines f12bet BBC News Brasil - mines f12bet No imaginário coletivo, cangaceiros são vistos como Robin Hoods do sertão. O livro faz questãomines f12betdesmontar isso.

mines f12bet Negreiros - Movimentos sociais tentaram vê-los como revolucionários, como se tivessem consciência da distribuição equivocada da propriedade privada, mas não tinham. Lampião queria ser coronel. Ele falava nas entrevistas "quero ser fazendeiro, governador". Não queria organizar um movimentomines f12betcamponeses oprimidos. Essa é uma ideia equivocada.

Os pobres ficavam no meio do fogo cruzado. Eram vítimas dos cangaceiros e das forças volantes (polícia). Não tinham para onde correr. Uma pessoa que tivessemines f12betcasa visitada por cangaceiros tinha que obedecer e depois passaria a sofrer represália da polícia porque era "amigamines f12betcangaceiro". Não tinha issomines f12betque distribuíam dinheiro. Eventualmente, Lampião fazia agrados porque era um gênio das relações públicas, mas era para ter simpatiamines f12betdeterminada região e ser protegido.

Nos filmes há imagens deles entrando nas cidades e jogando coisas para o alto. Eles podiam até fazer isso, entrar tirando coisas do corpo, mas era pra se livrarmines f12betpeso. Lampião não tinha a menor consciênciamines f12betclasse. Não tenho dúvidamines f12betque, se tivesse um aliado que fosse um grande latifundiário e que tivesse um problema com um pequeno produtor, ficaria do lado do latifundiário. Não diria (vou ficar do lado dos) "meus colegas pobres, oprimidos". Além disso, era um cara racista. Odiava negros.

mines f12bet BBC News Brasil - Por que a esquerda não via isso?

mines f12bet Negreiros - Não é tão preto no branco. Apesarmines f12betLampião ser aliado dos latifundiários,mines f12beto cangaço ser um banditismo rural, é um movimentomines f12betinsurreição.

Hoje, o sertão é região esquecida. Imagine naquela época. Ninguém tinha olhos para o sertão. A vida do sertanejo não era fácil. A perspectiva era ter uma plantação, torcer para que chovesse. Uma vida condenada àquilo. Ou (a pessoa) se conformavamines f12betque aquela eramines f12betsina ou se rebelava contra isso. De alguma maneira, o cangaço tem namines f12betgênese certo componentemines f12betinsurreição.

Frederico Pernambucanomines f12betMello (pesquisador do cangaço) chamamines f12bet"irredentismo". A coisa do "vou ser meu próprio rei, farei meu próprio destino". Isso não torna as coisas muito claras. Não é fácil perceber onde começa a questão social e termina a necessidademines f12betficar rico ou o desejomines f12betser maioral do sertão.

Bandomines f12betLampião

Crédito, Benjamin Abrahão

Legenda da foto, "Apesarmines f12betLampião ser aliado dos latifundiários, é um movimentomines f12betinsurreição", diz a biógrafa

mines f12bet BBC News Brasil - No livro, você narra estupros, mulheres que eram marcadas como vacas só por usarem cabelos curtos, assassinatos por motivos fúteis, capação. O graumines f12betviolência que eles cometiam te surpreendeu?

mines f12bet Negreiros - Sim, surpreendeu. Era uma coisa patológica. A região é muito violenta e era uma coisa muito naturalizada. Em relação às mulheres, eram tratadas como propriedade, como se fossem vacas. Teve uma cangaceira que depoismines f12betmorta teve a vagina arrancada. O soldado ficou carregando aquilo na bolsa.

mines f12bet BBC News Brasil - Viu paralelos com o Brasilmines f12bethoje?

mines f12bet Negreiros - Me parece ter certa semelhança com tráficomines f12betdrogas no Rio. A política do terror inspira confiança por meio do medo. Ao mesmo tempo, espalha o terror. E na ostentação também. Não faziam questãomines f12betse esconder. Traficantes também estão sempre muito armados, com ouro. É um poder paralelo. E as pessoas recorriam aos cangaceiros para resolver conflitos, às vezes até antesmines f12betprocurar a polícia. A corrupção policial - os policiais vendiam armas para cangaceiros.