'O luto não acaba, não nos deixam esquecer', diz filharoleta estrelabetMarielle, quatro meses após assassinato da mãe:roleta estrelabet

Luyara Santos com a camiseta Lute Como Marielle Franco

Crédito, Julia Dias Carneiro/BBC News Brasil

Legenda da foto, Luyara Santos fez uma tatuagem com o rostoroleta estrelabetMarielle Franco; a adolescente conta que tem problemas para dormir e que toma antidepressivos para superar a morte da mãe

Quatro meses depois, é a primeira vez que Luyara concordaroleta estrelabetse abrir sobre os acontecimentos daquele dia, o impacto que tiveram emroleta estrelabetvida e a falta que sente da mãe, que chamavaroleta estrelabet"Mamis" e cujo rosto tatuou no antebraçoroleta estrelabetcores vibrantes. "Minha mãe era luz demais, viva demais para fazer uma tatuagem apagada", justifica.

Quinta vereadora mais votada no Rioroleta estrelabet2016, com 46.502 votos emroleta estrelabetprimeira candidatura, Marielle foi assassinada a tiros a caminhoroleta estrelabetcasa, dentro do carro conduzido pelo motorista Anderson Gomes, que também morreu. Até hoje a polícia não encontrou o responsável pelos assassinatos.

Ela era a única mulher negra a ocupar um dos 51 assentos da Câmara dos Vereadores, nascida e criado no Complexo da Maré, na zona norte do Rio.

Marielle teve Luyara quando ainda era uma jovem catequista na Maré. Quando morreu, vivia com a companheira, Monica Benicio, e a filha, e costumava postar fotos das três afirmando #nossasfamiliasexistem.

Nesta semana, o governador Luiz Fernando Pezão sancionou lei que lembra 14roleta estrelabetmarço como o "Dia Marielle Franco - Diaroleta estrelabetLuta contra o Genocídio da Mulher Negra".

Marielle completaria 39 anos no próximo dia 27. Luyara e Anielle Silva, irmãroleta estrelabetMarielle, planejam uma homenagemroleta estrelabetum evento no Centro do Teatro do Oprimido, na Lapa, com convidados ligados à história da ex-vereadora.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Luyara com a mãe, Marielle Franco,roleta estrelabetseu aniversárioroleta estrelabet5 anos

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Luyara com a mãe, Marielle Franco,roleta estrelabetseu aniversárioroleta estrelabet5 anos

roleta estrelabet BBC News Brasil - Como tem sido para seguir com a vida?

roleta estrelabet Luyara Santos - O impacto foi muito forte. Estou tomando remédio para dormir, antidepressivo. O vazio vai além da falta da presença física. É um vazio muito mais interno, emocional,roleta estrelabetperder totalmente o chão. Eu voltei a morar com meus avós, com quem eu tinha morado até os 10 anos. A minha avó é uma segunda mãe para mim. A gente tem sido a nossa própria fortaleza, eles a minha e eu a deles. Tem dias que eu não estou bem e corro para eles, e vice-versa. A família tem que ficar junto. Somos nós por nós. Mas é um lugar que ninguém consegue ocuparroleta estrelabetnovo. O cuidado, aroleta estrelabetpresença, ninguém consegue suprir. Ficou esse vazio por dentro.

roleta estrelabet BBC News Brasil - No debate que a Marielle mediou na Casa das Pretas, antesroleta estrelabetser morta, ela falou que tinha uma filha, falouroleta estrelabetvocê. Disse que você não pôde estar no evento porque estava com conjuntivite. Era para você ter estado com ela naquela noite?

roleta estrelabet Luyara Santos- Acho que as coisas acontecem com um propósito. Na verdade estou tentando acreditar que tudo que aconteceu trará algo importante mais à frente. Já estamos vendo a importância que o caso ganhou. Acredito que se eu tivesse ido aquilo talvez pudesse não ter acontecido. Ou poderia ter sido pior, ter ido eu e ela. Na segunda, quando a vi pela última vez (dois dias antesroleta estrelabetela morrer), eu fui dar um abraço nela e ela não deixou: "Não posso pegar conjuntivite!". Esses dias eu estava pensando. Por que ela não me deu um abraço? Era para ela pegar conjuntivite e passar a semana todaroleta estrelabetcasa.

roleta estrelabet BBC News Brasil - Como ficou sabendo do que tinha acontecido com aroleta estrelabetmãe?

roleta estrelabet Luyara Santos- Eu estava na casa dos meus avós vendo televisão e três amigas me ligaram, uma depois da outra, perguntando se estava tudo bem. Eu achei muito estranho, mas elas não falaram nada. Aí um ex-namorado ligou e falou que alguma coisa tinha acontecido com a minha mãe. Eu insisti para saber o quê. "Vimos uma notícia falando que mataram aroleta estrelabetmãe." Corri para a televisão e pedi para o meu avô colocar na GloboNews, enquanto buscava desesperada alguma informação na internet. Tocou o telefone e era um padre muito próximo da minha avó. E aí vimos a primeira manchete na TV. Pronto. É verdade. Fui para a área do lado da cozinha, deitei no chão, comecei a me debater e espernear. A minha avó ficou desesperada. Essa é a pior cena na minha cabeça. As quartas-feiras continuam sendo as piores noites para mim. Não consigo dormir. Meus padrinhos, nossos amigos, primos, as pessoas começaram a chegarroleta estrelabetcasa e passaram a noite aqui. Passamos a noite praticamenteroleta estrelabetclaro. No dia seguinte já teve o velório.

Luyara com os paisroleta estrelabetMarielle, Antonio Francisco e Marinete da Silva

Crédito, Julia Dias Carneiro/BBC News Brasil

Legenda da foto, Após a morte da mãe, Luyara voltou a morar com os avós maternos, Antonio Francisco e Marinete da Silva, na casa onde ela havia passado a infânciaroleta estrelabetBonsucesso, no Rio

roleta estrelabet BBC News Brasil - Como foi para você viver essa dor particular tão forte, mas por uma morte que se tornou tão pública, envolvendo tanto a cidade?

roleta estrelabet Luyara Santos - Eu não estava conseguindo entender o que tinha acontecido, muito menos a proporção que tomou. Aconteceu na quarta. No domingo eu estava conhecendo a Katy Perry, no dia seguinte o Lula ligou, na outra semana encontrei com a Dilma. E aí me perguntei, cara, o que está acontecendo? Foi caindo a ficha da força que ela tinha e que ela deixou como legado; mas tipo, o que virou a minha vida?

Estou fazendo fisioterapia porque quebrei um dedo da mão há dois meses. Nesta semana pela primeira vez a fisioterapeuta reparou na minha tatuagem (Luyara tatuou o desenho do rostoroleta estrelabetMarielle no antebraço). Falei que era o rosto da minha mãe, e ela, "ah, achei que parecia a Marielle". E eu, sim, é a minha mãe. Aí pronto. "Você é a filha da Marielle?" Outras fisioterapeutas vieram falar comigo também, me abraçar, uma delas chorou um pouco. Minha sorte foi que nem deu temporoleta estrelabetficar tão comovida porque estava acabando a sessão. O luto não acaba, porque não conseguimos esquecer. E as pessoas também não nos deixam esquecer.

roleta estrelabet BBC News Brasil - Como você escolheu o desenho da tatuagem?

roleta estrelabet Luyara Santos- Tínhamos combinadoroleta estrelabetfazer a primeira tatuagem juntas, e queríamos escolher um desenho que se completasse. Já que a ideia era para completar... O que me completa é ela, né? Muita gente pergunta por que eu fiz colorido. Imagina se eu ia fazer uma tatuagem apagada da minha mãe?! Minha mãe era luz demais, viva demais para fazer uma tatuagem apagada. Eu fiz uma semana depois (da morte), mas ainda quero terminar. Hoje vou fazer umas flores subindo pelo braço (Luyara tatuou as flores na tarde após a entrevista). E depois ainda quero acrescentar duas frases. Acho que vão ser: "Serei resistência porque você foi luta"; e "Eu vi Deus, e ele era uma mulher preta".

roleta estrelabet BBC News Brasil - Nos últimos meses você participouroleta estrelabetalguns eventos, subiuroleta estrelabetpalcos, carrosroleta estrelabetsom. Qual é o papel que você tem assumido?

roleta estrelabet Luyara Santos - Eu sempre fui do backstage, nunca do holofote. Isso era com ela. A minha luta continua sendo o que eu fazia antes, uma coisaroleta estrelabetbase. De ver o amiguinho fazendo uma coisa machista e falar que não pode, que está errado. Eu não fiquei nem quero ficar muito na mídia. Acredito que a minha luta é não deixar apagar o que aconteceu. Até a gente ter uma resposta. E continuar com esse trabalhoroleta estrelabetbase, que ela passou para mim, e ir passando para os outros. Antes eu ia a eventos e debates por causa dela. Hoje, ir sem ela não é a melhor das sensações. Ver uma mesaroleta estrelabetque ela poderia estar e imaginar o que ela acrescentaria àquela fala. Eu tenho ido a alguns eventos e lançamentosroleta estrelabetpré-candidaturas do PSOL, deixando a minha presença, o meu apoio, me colocando à disposição se precisar. Desce na garganta, mas ainda fica entalado. Quando eu chegoroleta estrelabetcasa, eu desabo.

Marielle Franco comroleta estrelabetirmã, Anielle Silva,roleta estrelabetsobrinha e afilhada, Mariah,roleta estrelabetfilha, Luyara, eroleta estrelabetmãe, Marinete da Silva

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Marielle, na ponta direita, comemorando o Dia das Mães do ano passado com as mulheres da família - da esquerda para a direita,roleta estrelabetirmã, Anielle Silva,roleta estrelabetsobrinha e afilhada, Mariah,roleta estrelabetfilha, Luyara, eroleta estrelabetmãe, Marinete da Silva

roleta estrelabet BBC News Brasil - Como você descreveroleta estrelabetmãe? Como era a Marielle mãeroleta estrelabetLuyara?

roleta estrelabet Luyara Santos - Ela era o nosso pilar. A fortalezaroleta estrelabettodo mundo aqui. A filha mais velha. Era muito cuidadosa, muito preocupada com as coisas. Nos últimos tempos, estava sempre com a agenda cheia e nos falávamos direto pelo WhatsApp.

As mensagens dela eram assim: "Luyara, já comeu? Já tomou café? Você está onde? Está com quem? Volta que horas? Está com dinheiro? Quer que chame um Uber? " E eu: "Mãe, relaxa, tôroleta estrelabetboa, tô no ônibus, indo para casa..." (risos) Mas ela era muito carinhosa. O tempo que tínhamos juntas ela tentava fazer ser o melhor momento do dia.

roleta estrelabet BBC News Brasil - Como foi quando ela foi eleita?

roleta estrelabet Luyara Santos - 2016 foi um ano conturbado. Eu estava acabando a escola, prestes a prestar vestibular, com todas as crisesroleta estrelabetuma adolescente tomando decisões para a fase adulta. Aí aroleta estrelabetmãe se candidata a vereadora. Eu pensava: "Caraca! O que vai acontecer, Senhor?" Eu achei que ela ia entrar, mas não com o númeroroleta estrelabetvotos que ela teve (46.502). Nossas melhores hipóteses eram 10 mil, 15 mil estourando. Foi uma épocaroleta estrelabeteu entender a importânciaroleta estrelabetela tomar aquele lugar. Que aquele era o lugar dela, o lugarroleta estrelabetfala, ali na frente. Minha mãe vai ser uma inspiração para mim sempre. Foram altas emoções quando ela se candidatou.

roleta estrelabet BBC News Brasil - E o relacionamento da Marielle com a Monica Benício? A família custou a aceitar a relação. Como foi para você quando elas voltaram e resolveram morar juntas, e assumir o casamento?

roleta estrelabet Luyara Santos - Eu demorei um pouco para entender. Mais por preocupação. A gente sabe a ondaroleta estrelabetconservadorismo que ronda o nosso país. Tinha medoroleta estrelabetsairmos na rua e acontecer alguma coisa com nós três. Então quando a minha mãe assumiu mesmo e falou que ia morar com a Monica, minha primeira reação foi pensar: "Deu ruim." Eu tinha muito medoroleta estrelabetpreconceito,roleta estrelabetsair na rua e as pessoas ficarem olhando torto,roleta estrelabetalguém fazer algo com a gente. Mas assumir esse lugar acrescentou muito para ela. Ela evoluiu. Ficou muito mais leve. Sabe quando a pessoa tira um peso nas costas? Por mais que tivesse que enfrentar problemas grandes, parecia que já não se deixava afetar tanto. Levava com mais leveza por ter a Monica perto. Estava mais tranquila.

Marielle Franco ao ladoroleta estrelabetLuyara eroleta estrelabetMonica Benício

Crédito, Arquivo pessoal;

Legenda da foto, Marielle Franco ao ladoroleta estrelabetLuyara, ainda menina, e da parceira Monica Benício, pouco depoisroleta estrelabetse conhecerem, no início da vida adulta

roleta estrelabet BBC News Brasil - Você sentiu medoroleta estrelabetrepresálias pela escolha sexual dela, mas não pela atuação como vereadora?

roleta estrelabet Luyara Santos - Não, porque eu não lembravaroleta estrelabetcasos assim acontecerem. E por mais que ela tivesse pautas duras e chutasse o pau da barraca, ela não estava recebendo nenhuma ameaça. Eu tinha mais medo na época que ela estava com o Marcelo (Freixo), que andava sempre com três seguranças e era super visado. A minha mãe era o braço esquerdo e direito dele. Eu tinha muito mais medo naquela época.

roleta estrelabet BBC News Brasil - O que você espera que possa se manter vivo, ou que a memória dela gereroleta estrelabetefeito positivo?

roleta estrelabet Luyara Santos - O exemplo que a história dela estabeleceu. Hoje tem mais gente querendo se engajar na política, mais gente não aceitando baixar a cabeça. Nesse sentido acho que vamos conseguir transformar a vidaroleta estrelabetmuita gente.

roleta estrelabet BBC News Brasil - roleta estrelabet Estamos entrandoroleta estrelabetum novo ciclo campanha eleitoral. Você acha que a morte daroleta estrelabetmãe possa ter algum tiporoleta estrelabetinfluência nas eleições?

roleta estrelabet Luyara Santos - Acho que já está tendo, pela quantidaderoleta estrelabetmulheres pretas e guerreiras que estamos vendo nas pré-candidaturas. Só espero que possamos eleger ao menos uma. Antes da minha mãe (ser eleita vereadora no Rio) tinha sido a Jurema Batista, 10 anos antes. Antes dela, a Benedita da Silva, mais dez anos antes. Tivemos sempre que esperar períodos longos para ter uma mulher preta, favelada, dentro daquele lugar que é heteronormativo, patriarcal, com aqueles carasroleta estrelabetterno parados no tempo. Acredito que um dos legados deve ser esse - que a gente não tenha que esperar tanto tempo para ter mais mulheres como ela na política.