Unidas pela dor: mães que perderam filhos para a violência encontram amparobetapostasgrupo no RJ:betapostas

Legenda da foto, Mães do grupobetapostasapoio dizem que encontros as transformarambetapostasuma família

Quando os encontros entre o grupobetapostasmães começaram, há nove meses, no CentrobetapostasReferênciabetapostasAssistência Social (Cras) Rubens Correa,betapostasIrajá, zona norte do Rio, ela mal conseguia falar - só chorava. Com o atendimento psicossocial do serviço público, a proposta era que ela e outros parentesbetapostasvítimasbetapostasviolência pudessem deixarbetapostasviver suas históriasbetapostassilêncio e na solidão.

Criado por quatro servidoras municipais da assistência social, o grupo foi frutobetapostasum curso para capacitar agentes da rede pública para atender vítimasbetapostasviolência do Estado, promovido pela ONG InstitutobetapostasEstudos da Religião (Iser)betapostasparceria com a Equipe Clínico-Política.

O objetivo era oferecer um serviço públicobetapostas saúde e assistência social, incentivando políticasbetapostasprol da reparação psíquicabetapostasfamílias que tiveram pessoas mortas por policiais, agentes estatais ou para-estatais.

Elisângela conta que Iago começou a se envolver com o tráfico pouco depois que a família se mudoubetapostasBangu para um morro da zona norte. Ele tinha só 11 anos quando começou a entregar "quentinhas" para bandidos. "Aí começou a se viciarbetapostasmaconha. E nisso fugiabetapostascasa, sumia, e eu ficavabetapostascasa desesperada. Quando ele chegava, respondia que estava com amigos. Que amigos são esses?", questionava Elisângela.

Ela teve cinco filhos, e diz ter dado a mesma educação para todos. "Só um foi para a banda podre. Aí as pessoas me questionam, dizem que eu não soube educar, que eu trouxe ele para o morro para morrer. Eu só trouxe ele para onde eu tinha condiçãobetapostascomprar uma casinha", lamenta. "É uma dor que vai ficar para o resto da vida."

'Alguma culpa ele devia ter'

Histórias como abetapostasElisângela fazem parte do dia a dia do grupo que se reúne quinzenalmente no Cras.

De início, o foco da capacitação oferecida pelo Iser seria no atendimento a vítimasbetapostasviolência estatal. Mas as Mães Unidas pela Dor, como elas se autodenominaram, perderam seus filhos para os confrontos urbanos generalizados na cidade - nas mãos da polícia, sim, mas tambémbetapostastraficantes,betapostasmilícias ou por balas perdidas.

Elas concordarambetapostasreceber a BBC Brasil no espaço onde os encontros são realizados, escolhido por ser central para famílias atendidas e também por ser um território neutro - já que comunidades diferentes da área são dominadas por facções rivais.

A sala simples, com carteirasbetapostassalabetapostasaula, fica mais acolhedora com as contribuições que elas trazem para um café da manhã coletivo. Há bolo, croissant, cream-cracker e requeijão sobre a toalhabetapostasplástico imitando renda.

Mas é na parede que está o centro das atenções: o quadrobetapostasavisos que é sempre viradobetapostastrás para frente quando elas entram na sala.

Legenda da foto, Quadro traz fotos dos filhos que as pacientes perderam, com palavrasbetapostasconforto

No verso do quadro, as mães elaboraram uma espéciebetapostasrelicário para seus filhos. Cada uma decorou uma folhabetapostaspapel com uma fotobetapostasseu filho oubetapostasfilha, emoldurando o retrato com brilhos, flores, corações, e palavras como "amor", "paz", e "eterno".

"Aqui é um espaçobetapostasque podemos falar sobre o que aconteceu com os nossos filhos sem julgamento", diz Ana Paula, mãebetapostasJuan, que foi assassinado há quatro anos por traficantes, aos 16 anos, e teve o corpo largado na Avenida Brasil.

No mundo "lá fora", as circunstânciasbetapostasmorte dos seus filhos, todos jovens, despertam olhares desconfiados.

Ana Paula elenca frases que todas já ouviram. "Alguma coisa fezbetapostaserrado." "Estava envolvido." "Alguma coisa estava devendo." "A mãe não educou direito." De vítimas da violência, elas se veem na mirabetapostasolhares acusadores, responsabilizadasbetapostasalguma forma pelo que aconteceu.

"Antes não tinha com quem desabafar", resume Ana Paula. "Falam que não ensinamos o caminho certo para nossos filhos. Como se fosse por faltabetapostasfalar", diz Ana Paula. "O jovem não ouve" é uma frase recorrente entre as mães.

"As pessoas não entendem o seu lado, não respeitam abetapostasdor", diz Ana Kelly. "Para prejulgar é um montão. Para te abraçar são poucos."

'Estoubetapostaspé por causa desse grupo'

Ana Kelly,betapostas30 anos, perdeu a mais velhabetapostasseus cinco filhos há 10 meses. Ana Késsia tinha 14 anos e saiubetapostascasa escondida para ir a uma comunidade dominada pelo tráfico na zona norte. Foi morta por um disparo aparentemente acidental após tirar fotos com a armabetapostasum traficante. Ficou agonizando no chão até que um morador tomou coragembetapostaslevá-la para o hospital, mas ela não resistiu à cirurgia.

"Na primeira reunião, a gente não tinha nem palavra. Derramava as nossas palavrasbetapostaslágrimas", diz Ana Kelly. "Hoje, eu estoubetapostaspé por causa desse grupo e da força que criamos juntas", afirma. Ela é mãe solteira e cuida dos filhos sozinha, e nesta manhã no Cras está com a filha Esther,betapostas3 anos, no colo, e Samuel,betapostas6, sentado ao seu lado. O menino estica a mão para secar a lágrima que escorre pelo rosto da mãe.

O objetivo inicial não era formar um grupo exclusivamentebetapostasmulheres ou mães. Mas o mapeamento das famílias foi feito a partir dos cadastros para receber o Bolsa Família, que, segundo a assistente social Maria da Glória Alves, costuma ser atualizado no Cras pelas mães - não raro pela ausência da figura paternabetapostascasa. A equipe soube da morte dos filhosbetapostasAna Kelly ebetapostasIvonete, por exemplo, quando elas foram retirar o nome deles do Cadastro Único para receber o benefício. Ivonete teve o filhobetapostas13 anos morto por um policial miliciano.

"A gente não buscou fazer um grupo sóbetapostasmulheres. A ideia era fazer um grupobetapostasfamílias. Mas acabou se criando esse foco", conta Alves.

"Para nós mulheres, acho que é mais fácil a gente vir chorar uma do lado da outra", diz Ana Paula. "Já chamei o meu esposo, e ele falou: 'E vou para ficar lá chorando no meiobetapostasum montebetapostasmulher?'", conta.

Na primeira reunião, a educadora social Ana Lúcia Ribeiro conta que as mães só choravam, deixando a equipe insegura sobre a ideia. "Ficamos arrasadas. Mas uma foi fortalecendo a outra, e isso vale tanto para as mães quanto para a equipe."

Legenda da foto, 'Aqui podemos falar sobre o que aconteceu com os nossos filhos sem julgamento', diz uma das mães

No encontro seguinte, só uma das mães voltou. Mas, aos poucos, o grupo foi se consolidando.

"Essas mães não tinham com quem falar sobre suas trajetórias, seu sofrimento, suas agruras", diz Alves.

"O grupo se tornou um espaço coletivo para trocas, um lugarbetapostasescuta,betapostasreconhecimento das potencialidadesbetapostascada uma. Elas se identificaram e desenvolveram uma sensaçãobetapostaspertencimento,betapostasserem donas do grupo."

A psicóloga Giovana Albuquerque e a assistente social Simone do Nascimento completam o quarteto que atende o grupobetapostasmães. A equipe reúne funcionárias do Cras Rubens Correa e do CentrobetapostasReferência EspecializadobetapostasAssistência Social (Creas) Wanda Engel Aduan.

FocobetapostasAcari e arredores

Ana Lúcia, Maria da Glória, Giovana e Simone estão entre os maisbetapostas30 agentes municipais que participaram da capacitação oferecida pelo Iser e pela Equipe Clínico-Política. O treinamento integra um projeto batizadobetapostasCentrobetapostasEstudosbetapostasReparação Psíquica (Cerp), e teve financiamento do Fundo Newton, do British Council. A iniciativa é um desdobramentobetapostasprojetos voltados para a reparação psíquicabetapostasvítimasbetapostastortura durante a ditadura militar - agora buscando a reparação para casosbetapostasviolência cometidos pelo Estado nos diasbetapostashoje.

O foco foi no treinamentobetapostasagentesbetapostassaúde e assistência socialbetapostasatenção básica, e que atuassem na regiãobetapostasAcari e arredores,betapostasIrajá até a Pavuna.

De acordo com a psicóloga Olívia Françozo, coordenadora do Cerp-RJ, essa região da zona norte carioca foi escolhida por ter altos índicesbetapostasviolência policial, mas ser menos assistida que outras regiões igualmente violentas, como os complexos do Alemão e da Maré.

"Essa região não é tão acessada por serviços públicos nem por ONGs e projetos sociais. Então, é muito carentebetapostasserviços", explica a psicóloga.

A maior parte da área é coberta pelo 41º Batalhão da Polícia Militar, que foi denunciado pela vereadora Marielle Franco nas redes sociais como o "batalhão da morte" poucos dias antesbetapostasseu assassinato,betapostasmarço, no crime que também custou a vidabetapostasseu motorista, Anderson Gomes.

A área é recordista dos chamados "homicídios decorrentesbetapostasoposição à intervenção policial", antes conhecidos como autosbetapostasresistência. Segundo dados do InstitutobetapostasSegurança Pública (ISP), autarquia ligada à SecretariabetapostasSegurança do Rio, 112 pessoas foram mortas na área do batalhãobetapostas2017 - o equivalente a 10% dos 1.127 autosbetapostasresistência ocorridos no Rio ano passado.

"Nossa equipe vem trabalhando há muito tempo para que o governo se responsabilize pela reparação dos afetados por violência do Estado", explica Françozo. "A reparação integral passa pela reparação psíquica. E o fatobetapostaso atendimento ser oferecido pelo próprio Estado perpetrador da violência é muito significativo. Por isso é tão importante capacitar os agentes públicos."

A capacitação não prescreveu um modelobetapostasatendimento aos agentes públicos, e o grupo formado no Cras Rubens Correa optou por não focar apenasbetapostasvítimasbetapostasviolência do Estado. Segundo a assistente social Maria da Glória Alves, no panoramabetapostasviolência do Rio, é difícil delimitar onde começa e termina a responsabilidade do Estado.

"Temos mortes por açãobetapostasuma polícia truculenta, mas também temos assassinatos cometidos por traficantesbetapostasuma situaçãobetapostasviolência urbana que reflete a ausência do Estado", pondera Alves.

Em nota, a SecretariabetapostasSegurança do RJ afirma que os homicídios decorrentesbetapostasoposição à intervenção policial apresentaram quedabetapostas11,4%betapostasmarçobetapostascomparação ao mesmo período do ano anterior, e que a DivisãobetapostasHomicídios da Polícia Civil investiga as mortes nestas condições "em buscabetapostaselucidação e transparência". O governo estadual do Rio está sob intervenção federal desde fevereiro na áreabetapostassegurança pública.

A secretaria não comentou se teria responsabilidade sobre casosbetapostasassassinatos associados a uma ausência do Estado, mas destaca a determinação do secretário Richard Nunes, que assumiu a pasta após a intervenção federal,betapostasque as polícias atuem "para combater os delitos com o objetivobetapostasum atuação mais preventiva e qualificada das forçasbetapostassegurança".

A pasta frisa ainda que publicou, no ano passado, resolução normativa para "preservar a vida dos moradores das comunidade e das forças policiais", estabelecendo protocolos para operações policiais "em áreas sensíveis onde há elevado riscobetapostasconfronto com infratores da lei".

Legenda da foto, Além dos encontros quinzenais, mães mantêm contato por meiobetapostasgrupo no WhatsApp

Dia da maquiagem, dia da fotografia

Além dos encontros quinzenais, as mães mantêm contato regular por meiobetapostasum grupobetapostasWhatsApp. Foi aí que surgiu o nome Mães Unidas Pela Dor.

A amizade e o entrosamento que demonstram hoje dá gosto à equipebetapostasassistência. O início foi difícil. Nem todas as famílias procuradas atenderam ao chamado, e nem todas as mães que apareceram nas reuniões retornaram.

A metodologia e as dinâmicas dos encontros foram sendo desenvolvidas ao longo do percurso, fortalecendo as mães a partir dos temas trazidos por elas.

Uma relatava dificuldadesbetapostasver fotos do filho. O debate iniciado a partir daí levou à ideiabetapostaspromover um "dia da fotografia", onde cada uma traria retratos dos filhos para mostrar às outras. Outra falou que não se sentia feminina porque não se maquiava. A conversa foi a deixa para um "dia da beleza", com sessãobetapostasmanicure, pedicure e maquiagem.

No fim do ano, a equipe levou as mães para um passeiobetapostasvan pela Lapa, no Centro, e pela Urca, com vista para o PãobetapostasAçúcar. "Foi maravilhoso. Elas viraram criançasbetapostasnovo", conta Alves. "A mobilidade é uma grande questão para moradores dessa região. Uma das mulheres do grupo nunca tinha saído dos arredoresbetapostasIrajá."

Hoje, as mães reclamam quando não há encontros, e se queixaram que o recessobetapostasfimbetapostasano foi longo demais. Para a equipe, não há queixa melhor a se receber.

"Que cobrança deliciosa", brinca a assistente social. "É sinalbetapostasque os encontros são realmente importantes. Dá sentido ao nosso trabalho."