Boulos diz que 'não é possível governar para todos': 'O mercado que tome Rivotril':
Com origemclasse média alta e filhoum dos principais infectologistas do país - o médico Marcos Boulos, coordenadorControleDoenças da SecretariaSaúde do governoSão Paulo -, Boulos disse que não teme que seus inimigos políticos o acusemoportunismo por liderar um movimento sem-teto.
"Eu seria oportunista se eu tivesse enriquecido no movimento. É exatamente o contrário", afirmou o pré-candidato.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - O senhor estava no Sindicato dos MetalúrgicosSão Bernardo nos dias que antecederam a prisãoLula. O sr. defendeu até o fim uma resistência. Por que fez esse tipoação?
Guilherme Boulos - Quando uma ordem é injusta, a resistência é legítima. O processo que condenou Lula éuma ilegalidade do começo ao fim. Não há uma prova concreta. O caso do tríplex é extremamente frágil e não sou eu quem digo. Você pega os principais juristas do Brasil como se posicionamrelação a isso.
Foi importante o Lula ir para lá. Foi importante ele não ter se entregado no prazo estabelecido pelo juiz Sergio Moro e a comoção e a solidariedade que se criougente que veiovários cantos do país para se formar aquele abraço ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que é um lugar muito simbólico. A foto que o Sergio Moro queria era a foto do Lula cabisbaixo, cercadopoliciais entrando numa viatura. Não foi exatamente essa foto que rodou o mundo. A resistência ali foi importante. Nós achamos que ela poderia ter prosseguido, ter ido mais adiante. Mas nós respeitamos a decisão tomada pelo Lula.
BBC Brasil - Emopinião, Lula errou ao não resistir mais?
Boulos - É difícil dizer erro. Essa era uma decisão muito pessoal dele. É muito fácil defender martírio no corpo alheio. Eu não faço esse tipocoisa. Em relação à questão política, nós achamos que o gestoresistência como aconteceu poderia ter ocorrido mais prolongadamente, um gesto que também serviriaexemplo para que pudesse animar mais pessoas a se dispor a ir para as ruas contra o abuso que foi a prisão do Lula.
BBC Brasil - Lula elogiou o sr. no último discurso e comparou ahistória à dele. O sr. se vê como plano BLula?
Boulos - Seria um desrespeito da minha parte num momento como esse querer me colocar como alternativa eleitoral ao Lula, que é candidato. O PT manteve a candidaturaLula, que está sofrendo uma injustiça brutal,relação à qual eu sou solidário. Eu não vou cometer esse equívoco porque eu acho que, mais que um erro político, seria um desrespeitorelação a todo sofrimento e injustiça que ele está recebendo neste momento.
BBC Brasil - O sr. tem 1% das intençõesvoto, segundo a última pesquisa Datafolha. Sua candidatura é para marcar posição, como um treineiro, ou o sr. acha que vai ganhar as eleições esse ano?
Boulos - Eu sou o candidato mais jovem da história do país a disputar a Presidência da República. Alguns perguntam: "Tão jovem, nunca teve experiência parlamentar". Se experiência político-parlamentar fosse credencial para governar o Brasil, o Temer seria o melhor presidente da nossa história, porque está fazendo isso há 50 anos, e é um desastre.
Experiência não é só estar no Parlamento. Obviamente, eu não desvalorizo aqueles que têm experiência parlamentar. Mas política não se faz só lá dentro,tribuna,instituição. Política se faz nas ruas e junto com o povo. É o que eu tenho feito nos últimos 16 anos da minha vida.
A nossa candidatura é para disputar projetopaís, para disputarverdade, uma candidatura para valer. Não é candidatura para marcar posição. Eu lancei minha candidatura há um mês. O Bolsonaro está fazendo campanha há dois, três anos pelas redes sociais. A campanha está absolutamente aberta. O Datafolha não expressa o que nós vamos vivenciar daqui a quatro meses, cinco meses.
Nós não achamos que o mundo acaba2018. Independentementequem ganhar as eleições, precisamos construir um projetofuturo que seja capazresgatar a esperança. Um dos erros que a esquerda cometeu foi pensar numa estratégiaacordo apenas com a próxima eleição. Estratégia com prazovalidade no calendário eleitoral. Nós não vamos fazer isso. Nós queremos pensar um projeto para os próximos 10, 15 anos. Para a próxima geração, não pela próxima eleição.
BBC Brasil - Caso seja eleito, como enfrentaria um Congresso provavelmente hostil ao seu governo? O sr. não tem medoum eventual governo PSOL ser inviabilizado?
Boulos - Nós queremos apresentar um projeto que, pela primeira vez, vai botar o PMDB na oposição. Não queremos o PMDB na nossa base parlamentar, não queremos aliança fisiológica. Isso significa apresentar um projeto político, que a participação popular não se reduza a votar e acabou. Isso não é democracia. Isso é um conceito tacanho e limitadodemocracia.
Queremos uma participação popular permanente. Nós queremos plebiscitos e referendos para temas fundamentais, a começar para no dia 1ºjaneiro2019 um plebiscito para que o povo decida se quer revogar as medidas tomadas pelo governo ilegítimoMichel Temer. Sem isso não se governa o Brasil.
BBC Brasil - Parece que o sr. está propondo tirar poderes do Parlamento com essa política plebiscitária.
Boulos - Isso não é desvalorizar as instituições. Ao contrário, é valorizar as instituições, porque é isso que vai fazer com que as instituições estejamsintonia com a sociedade, aproximando o poder das pessoas.
Mas para representar o sentimento da sociedade tem que estar ouvindo o sentimento da sociedade. Nós precisamos criar esses canaisescuta edefinição que não existem hoje no Brasil. E reitero que eu não estou propondo nenhuma invenção da roda. Isso existevárias partes do mundo. A Suíça faz maisdez plebiscitos por ano. O Uruguai faz plebiscitos. Os Estados Unidos, que não podem ser exatamente acusadoscomunistas, fizeram plebiscito agora na Califórnia, fazem plebiscitos.
Vários países latino-americanos fazem plebiscitos, escutam as pessoas. O nome disso não é autoritarismo para fechar o Congresso. O nome disso é simplesmente democracia.
BBC Brasil - Se eleito presidente, como o sr. lidaria com a Lava Jato, com a Polícia Federal e com o Judiciário?
Boulos - Corrupção não pode ser tolerada. Toda investigaçãorelação à corrupção deve ser valorizada. Agora, isso precisa ser feito com respeito às garantias constitucionais, à presunçãoinocência e ao amplo direitodefesa. Isso porque, para combater corrupção, não pode passar por cima da lei e dos direitos individuais. Se não, nós não estamos mais falando estadoDireito. Operaçõescombate à corrupção, se comprovarem provas contra as pessoas, deve haver punição. Isso independente da coloração partidária. Esse é o papel do Judiciário. É pensar e atuarmaneira isenta, independente da coloração partidária.
Lamentavelmente, o que tem ocorrido hoje não é exatamente isso. A Operação Lava Jato foi por caminhos muito preocupantes. Eu não estou vendo algum grande tucano preso pela Lava Jato. É verdade que prendeu figuras do PMDB só depoiscumprirem um determinado papel. O pedidoprisãoEduardo Cunha foi feitodezembro2015. O Eduardo Cunha só foi presoverdade após ter coordenado o processoretirada da Dilma.
Eu acredito que o combate à corrupção não se dá principalmente com operações policiais. Elas são necessárias e devem continuar. No nosso governo tem o apoio, evidentemente, operaçõescombate à corrupção. O combate efetivo à corrupção para além das operações se dá com a mudança do sistema político. Como funciona o sistema político atual? Financiamentocampanha eleitoral vai lá e financia. Ganha, está comprometido com quem financiou. Vai favorecer os interessesaprovaçãoleis,negociaçãocontratos para empresas e empresários que financiaram.
Se a gente quer combater corrupçãoverdade, vamos pararudenismo efalso moralismo e vamos enfrentar a raiz do problema, que é transformar profundamente o sistema político brasileiro.
BBC Brasil - Recentemente, o sr. criticou um economista liberal que propôs privatizaçõeslarga escala. Qual seu plano para economia?
Boulos - Estou para encontrar algum economista neoliberal que se preze mundo afora que defenda isso (privatizações). O próprio FMI nos relatórios mais recentes fez uma sérieautocríticasrelação à política que pregaram mundo afora. A política que pregaramrelação à crise2008, que não funcionou. Fracassoutodos os lugares do mundo. A políticaausteridade,reduçãoinvestimentos públicos durante a crise, só gera novos desajustes fiscais.
Olha, estamoscrise, o Estado segura o investimento. Qual o resultado disso? O resultado é que a economia cai ainda mais com a ausência do investimento público. Gera mais desemprego, desaquece ainda mais a economia e, portanto, arrecada ainda menos. Portanto, a políticaajuste fiscal gera um desajuste.
Em todos os países do mundo, o papel do Estado na indução do crescimento econômico e do desenvolvimento do país foi chave. Pega os Estados Unidos, modelo do liberalismo. Quem é que financiou as pesquisas do iPhone no Vale do Silício? Vocês acham que foi a Apple? Quem financiou foi o DepartamentoEstado, o DepartamentoDefesa. O Estado tem um papel-chave para qualquer país, inclusive para os grandes países capitalistas, no crescimento e na indução econômica.
Mas o investimento público é chave. Investimentotecnologia, ensino, moradia popular e saneamento básico, infraestrutura urbana. Isso gera emprego, serviços públicos essenciais para a população e, ao mesmo tempo que recupera a economia brasileira, nos permite reduzir o abismo social e fazer com que o Estado cumpra mais com aresponsabilidade. Essa é uma primeira linha que nós defendemos.
Agora como se sustenta isso? Enfrentando a desigualdade no nosso país. No Brasil, não falta dinheiro. O Brasil é uma sétima economia do mundo. O dinheiro está mal distribuído. Nós temos que mexer numa reforma tributária profunda e progressiva. O sistema tributário brasileiro está baseadoarrecadação sobre consumo, que é profundamente regressiva, que não tem justiça tributária. O que seria num Estado que opere para a justiça social? Quem tem mais paga mais, quem tem menos paga menos. É assimboa parte do mundo.
BBC Brasil - Temos 12 milhõespessoas desempregadas. Eu não entendi como o sr. pretende estimular esse emprego. É o Estado financiando empresas, como no governo Dilma? Por trás do refinanciamento o sr. tem a ideiaque elas geram emprego, e que talvez facilitando a vida delas eu consiga fazer com que elas empreguem?
Boulos - Eu não acho que esse é o caminho. Eu acho que um dos erros cometidos pelo governo Dilma foi fazer as desoneraçõesgrandes setores econômicos. E isso não se reverteumelhorias para a sociedade. O que eles deixarampagarimpostos não deu arrecadação e não se reverteunovos empregos. Ao contrário, fecharam postostrabalho. Não teve contrapartida social.
O caminho para estimular economia não é desonerar o setor privado. No meu entendimento, o caminho para estimular a economia é investimento público diretoáreas fundamentais, dei exemplos,infraestrutura social, que trazem uma sériebenefícios para o conjunto da sociedade, ao mesmo tempo que geram emprego. Você pega a construçãomoradias populares. O setor da construção civil é um dos mais intensivosmãoobra, gera bastante emprego. Se você fortalece o Minha Casa, Minha Vida,algum modo fez isso.
Você tem toda uma linhainvestimento, saneamento básico. Isso gera bastante emprego. Isso é investimento público direto.
BBC Brasil - Então seria o Estado empregando? Seria a empresa brasileiraconstrução do Minha Casa, Minha Vida...
Boulos - Você tem vários modelos. Tem empresas públicas que empregam. A Petrobras agora está demitindo loucamente. Lá no Comperj, no RioJaneiro, foi contratada uma construtora chinesa para fazer. Está tendo um desmonte das empresas públicas. O Estado não controla todos os setores da economia, mas nos setores onde há presença estatal isso é contratação direta pelas empresas públicas. Nos setoresinvestimento público onde não há empresa estatal, você pode discutir a construçãoempresas públicas, mas num primeiro momento é evidentemente viabilizaçãoinvestimentosobras também por meiolicitações no que a lei determina.
BBC Brasil - A gente viu ascensão das classes C e D formando uma nova classe média. Como convencer essas pessoas, a classe média tradicional e a elite econômicaque um governo Boulos poderia ser bom para eles?
Boulos - Não dá para convencer a todos. Tem alguns, inclusive, que eu até abro mãoconvencer. O 1% dessa elite econômica, eu não acredito exatamente que eles considerem as políticas que nós defendemos boas para eles. No momento que nós estamos e, numa sociedade dividida e polarizada, não é possível governar para todos.
Nós queremos enfrentar interesses. Interesses poderosos. Nós queremos governar pelos 99%. Essa é a nossa decisão. Governar para os 99% significa enfrentar os privilégios do 1%, uma elite financeira que só espolia o país, que leva nossas riquezas lá para fora. O Brasil para eles é uma plataformaacumulação, e não deixam nada aqui.
Nós queremos enfrentar a lógicauma economia que exclui eum Estado que não representa as maiorias. É enfrentar as oligarquias políticas que mandam no Brasil, o grande setor econômico que dá as cartas por aqui. O debate que nós temos que fazer com a sociedade é que hoje esse é o único caminho possível para que os 99% possam ter futuro.
Do jeito que a coisa vai, se não houver uma reversão, perspectivafuturo não vai existir para a maioria do povo brasileiro. Nós temos 30%desemprego entre jovens. O cenário é muito grave. Nós precisamos ter propostas contundentesenfrentamentorupturas nesse sentido. O papel da minha campanha não é acalmar o mercado. O mercado que busque tomar Rivotril. O papel da nossa campanha é defender o que a gente acha que tem que se defender para a maioria do povo brasileiro. É transformar maiorias sociaismaiorias políticas. Isso significa confrontar interesses e significa enfrentar privilégios porque não tem outro caminho.
BBC Brasil - Como atrair um jovem usando discursosdistribuiçãorenda, ocupação, direito ao aborto, lutas indígenas quando, do outro lado, a direita parece estar mais popular, usando memes, falandoliberação do usoarmas e liberalismo econômico?
Boulos - Eu acho que não dá para generalizar isso. Efetivamente, você teve um crescimentoideiasdireita na sociedade, mas não podemos maximizar e temos que buscar compreender o contextoque isso acontece. Na medidaque há uma falência do sistema político, que se expressa também numa criserepresentação, as ideias se polarizam. As alternativascentro, as alternativas do establishment, são cada vez mais menos críveis para as pessoas. As pessoas não querem isso. Isso abre demanda pelo novo.
Isso não está acontecendo só no Brasil. Isso tem criado mundo afora novas experiênciasdireita e novas experiênciasesquerda. No Brasil, o problema é que o sentimentoantipolítica foi canalizado principalmente pela direita até aqui. A esquerda não conseguiu ainda construir uma alternativa ousada que se apresente também como antiestablishment, como antissistema - por ter tido 13 anos do PT, e as pessoas associam o PT à esquerda. Na cabeçaboa parte da população é assim, embora isso não seja exato, preciso. O fato é que na cabeça das pessoas isso acaba sendo parte da criserepresentação e não uma alternativa a ela.
Nosso desafio estáapontar e construir um trajeto da esquerda no próximo período que não tenha medo exatamentelevantar essas bandeiras. Onde a esquerda manteve firme suas bandeiras e ousou, ela cresceu mundo afora. Nós temos que ir consolidando também a construçãouma alternativa à esquerda, que dispute esse sentimentoantipolítica. Boa parte do eleitorado que diz que vai votar no Bolsonaro não diz isso porque éextrema direita, porque é homofóbico, machista. Nós não temos 20%extrema direita no Brasil, mas sim (gente que) vê no Bolsonaro exatamente alguém que possa acabar com essa bandalheira toda que está aí, uma coisa difusacrise da política.
Este espaço nós temos que disputar com ideias firmes, arejadas, conectadas com a dinâmica dos movimentos sociais mais novos, mais importantes, mais expressivos e, ao mesmo tempo, dialogando muito com a juventude. Ter a Mídia Ninja junto com a gente na campanha é uma expressão muito importante. Dialogar com novas linguagens, com novas gramáticas, sem abrir mão das bandeiras fundamentais.
BBC Brasil - O sr. se considera um radical?
Boulos - No Brasil, é muito fácil ser radical. Defender a igualdade racial é coisaradical. Qualquer um é taxadoradical. O debate político foi levadouma maneira que tão irresponsável à direita que basta você ficar parado que você virou extrema esquerda no dia seguinte. Se defender a igualdade social, eu sou. Se defender a democratização do Estado é ser radical, eu sou. Se defender liberdades individuais sem concessões, direitos civis e democráticos é ser radical, eu sou. Há 50 anos, o nome disso não era ser radical, mas chamem como quiser. O que estájogo, para a candidatura que estamos construindo, é apresentar um projeto ousadomudanças. É tocarferidas fundamentais. Eu não acredito que isso seja extremismo. Extrema é a realidade brasileira hoje.
BBC Brasil - E o papel do Brasil no mundo. Como negociar com o governo Trump e como o sr. ver a questão da Venezuela?
Boulos - Política externa para nós tem que estar baseada na Aliança Sul-Sul. Esse é o nosso foco. Precisamos ter uma integração com países latino-americanos, com a África. Isso é um conceitogeopolítica que nos aproximapaíses que construíram atrajetória tal como a nossa. Isso não quer dizer não ter relações com o Norte. Essas relações precisam existir tanto do pontovista comercial, como diplomático e político.
Países como o nosso, com a dimensão do Brasil, a sétima maior economia do mundo, mais200 milhõeshabitantes, precisam dialogar com o mundo todo. Mas também precisam saber aonde querem chegar e não podem tolerar ser humilhados no cenário internacional, ser subordinados no cenário internacional.
Não podem tolerar nívelintervenção estrangeira que nós temos hoje. Voltamos a ser aquele país que fala fino com os Estados Unidos e grosso com a Bolívia, isso precisa ser enfrentado. Isso significa fortalecer mais o Mercosul,termos concretos, a Unasul, fortalecer as alianças latino-americanas. Isso tem o significadofazer parcerias com os nossos e não subordinar apenas as relações internacionais a relações econômicas. Nós não podemos fazer com os nossos vizinhos a mesma política neocolonial que nós reclamamos que os Estados Unidos faz conosco. O Brasil precisa se reinserir também no cenário internacional e não apenas como produtorcommodities.
BBC Brasil - Como o sr. vê a situação na Venezuela hoje e como agiria caso fosse eleito?
Boulos - Antesqualquer coisa, é preciso respeitar a soberania dos países e autodeterminação dos povos. É inadmissível uma declaração como a do secretárioEstado dos Estados Unidos estimulando o golpe militar na Venezuela e sugerindo a intervenção estrangeira na Venezuela. O problema na Venezuela parteuma crise econômica profunda, que também foi resultadoerros cometidos pelo governo. De não ter diversificado a matriz produtiva. A Venezuela permaneceu absolutamente refém do petróleo e no momento que teve renda petrolífera altíssima, quando o petróleo estava US$ 110 o barril, tinha a oportunidadeter investidodiversificação produtiva para se tornar autossustentável, inclusivealimentos.
Mas atuou como se a alta dos preços do petróleo fosse durar para sempre. Quando o petróleo caiu para US$ 30, 40 o barril, o país quebrou economicamente. Um país que depende absolutamente do petróleo, quando estava 110, tinha condições fazer políticas sociais, e foram feitas. A desigualdade foi combatida brutalmente na Venezuela, o que não se mostra. Teve políticas sociais, as Missiones, praticamente se erradicou o analfabetismo na Venezuelapoucos anos. Teve políticasinvestimento público fortíssimomoradias, o Grand Mission Vivenda. Fez essas políticas, mas não se preocupou com o futuro mais no médio e longo prazo, que seria a diversificação produtiva. Quando o petróleo cai e não permite mais isso, entra numa crise econômica profunda. Agora, eu sou candidato a presidente do Brasil, não da Venezuela. Não me cabe me imiscuirassuntos da Venezuela.
Oposição perseguida? Não é meu papel chancelar o governo Maduro. Se erros foram cometidos, precisa responder por esses erros. Agora, o mesmo vale para a oposição venezuelana. Tratar a oposição venezuelana como coitadinha é não conhecer o que se passa na Venezuela. A oposição venezuelana apostou na violência política, existem provas, imagens. A oposição venezuelana guardando e armazenando alimentos para aprofundaram a crise social com desabastecimento. A oposição venezuelana formou milícias.
BBC Brasil - O governo também...
Boulos - Houve enfrentamento ali, é evidente que as mortes pelas quais gente do governo foi responsável tem que responder por elas. Nós não vamos passar a mão na cabeçaninguém, mas nós também temos que falar das mortes causadas pela oposição. O cenário é complexo. É muito fácil apresentar o Maduro como o vilão e oposição como mocinha. A vida não é desse jeito. É muito mais complexo na Venezuela.
Quando vem a imprensa brasileira chamando a Venezueladitadura: o Maduro foi eleito. Eleições com observadores internacionais, legitimadas. Foi eleito pela maioria do povo venezuelano. O mesmo não acontece com Temer, aliás. Não vi ninguém chamá-loditador. (Sobre) as eleições do Trump nos Estados Unidos pairam talvez mais suspeitasrelação àmanipulaçãoredes, à Cambridge Analytica, do que a todo o processo que foi feito às eleições do Maduro na Venezuela. O cenárioluta na Venezuela é muito mais complexo.
Nós temos uma oposição extremamente violenta e nós temos uma tentativa dos Estados Unidostentar desestabilizar a Venezuela. Os Estados Unidos têm um péssimo costumetratar qualquer governo com que ele não concorda como ditadura. Ameaçar intervenção, ameaçar invasão, e isso nós não podemos permitir.
BBC Brasil - O sr. nasceuum contextoclasse média, classe média alta. O sr. não tem medoser classificado como oportunista,ter usado um movimento social para entrar na política e fazer campanha?
Boulos - Eu seria oportunista se eu tivesse enriquecido no movimento. É exatamente o contrário. Eu comecei minha militância com 15 anosidade num movimento estudantil secundarista. Militei num movimentojuventude e fui percebendo que não era ali que eu queria estar porque me incomodava muitover muita gente apresentando soluções para o povo, falandonome do povo, mas com muito pouca disposiçãoouvir o povo,estar junto com as pessoas.
Em 2001, o MTST entra na região metropolitanaSão Paulo, período que eu também estava iniciando minha formaçãoFilosofia. Depois, completei ela, me formei, dei aula por alguns anosescolas públicas nas periferias. Depois, me formeiPsicanálise, fiz mestradoPsiquiatria, dou aula hoje também na EscolaEducação Permanente (ligada ao Hospital das Clínicas), alémescrever artigos. Escrevo hoje para a revista Carta Capital, escrevo para sites.
Solidariedade é um princípio fundamental. Solidariedade é ter a capacidadese colocar no lugar do outro,sentir uma dor que não é sua. Sentir ador todo mundo sente. Solidariedade é algo essencialmente humano, que é a capacidadesentir e se sensibilizar com a dor dos outros. Solidariedade não deveria ser vista como um problema, ainda mais no mundo que a gente vive. Deveria ser vista como algo a se propagar. O que me levou ao MTST é lutar para que todos possam ter as oportunidades que eu tive.
BBC Brasil - Recebeu críticas por isso?
Boulos - A pergunta tem que ser invertida. A pergunta não é por que alguém se juntou à luta por moradia num país que tem mais6 milhõespessoas sem casapleno século 21. A pergunta deveria ser por que mais gente não se junta, por que mais gente não se sensibiliza.
Essa é a pergunta que nós temos que fazer e que diz muito sobre o que é a sociedade brasileira. É estranho que a gente tenha que se explicar, se justificar por que se juntou a uma causa e foi solidário com as pessoas. A explicação deveria mudar o lado do balcão.