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Do acarajé à cajuína: os sabores que preservam a história do Brasil:c darwin2 poker
Ao lado da produção tradicional da cajuína no Piauí, o ofício das baianas do acarajé é, assim como a produção artesanal do queijoc darwin2 pokerMinas, considerado patrimônio imaterial da cultura brasileira, com registro no Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Até o momento, esses são os únicos elementosc darwin2 pokernossa culinária registrados pelo órgão. Há outros preparosc darwin2 pokerfasec darwin2 pokeravaliação, como a confecçãoc darwin2 pokerdoces típicosc darwin2 pokerPelotas (RS).
Diferentementec darwin2 pokerobjetos históricos expostos nos museus, os bens imateriaisc darwin2 pokeruma cultura não precisam ser conservadosc darwin2 pokerum lugar para contarc darwin2 pokerhistória - na verdade, eles estão vivos e dinâmicos na sociedade.
"O que define o bem imaterial é justamentec darwin2 pokernaturezac darwin2 pokerse manter autopreservado pelas ações da coletividade e da sociedade", explica a antropóloga Mariana Cunha Pereira, professora da Universidade Federalc darwin2 pokerGoiás.
Por isso,c darwin2 pokeracordo com pesquisadores, reconhecer manifestações regionais é valorizar a identidade dos diversificados grupos que compõem a cultura nacional.
"Vale dizer que o paladar é extremamente resistente a mudanças e, por isso, é também um componente fundamental na definiçãoc darwin2 pokeridentidades e pertencimentos sociais e culturais", afirma o professor da Universidade Federal Fluminense Daniel Bitter.
De acordo com o professor, o conhecimento associado às comidasc darwin2 pokeruma região transforma o atoc darwin2 pokercomer. Alimentar-se daquele prato passa a ser reconhecido pelo grupo como uma referência cultural. "A alimentação, nesse caso, passa a organizar os modosc darwin2 pokervida e a visãoc darwin2 pokermundo desses grupos", completa Bitter.
A cajuína e o Piauí
Em fevereiro deste ano, o Virado a Paulista - prato à basec darwin2 pokerarroz, feijão, farinhac darwin2 pokermilho e carne vermelha e consumidoc darwin2 pokerSão Paulo desde a época dos tropeiros - foi declarado patrimônio imaterial do Estadoc darwin2 pokerSão Paulo. A receita foi tombada pelo Conselhoc darwin2 pokerDefesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico estadual (Condephaat), mas o pratoc darwin2 pokersi não é um patrimônio nacional e nem pode ser registrado pelo Iphan.
O órgão reconhece os modosc darwin2 pokerpreparo, e não as comidas isoladamente, explica o diretor do Departamentoc darwin2 pokerPatrimônio Imaterial do Iphan, Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz.
"Endentemos que a cultura imaterial é dinâmica e estác darwin2 pokerconstante mudança, assim como a sociedade. Por isso, não queremos cristalizar uma receita", diz.
O processoc darwin2 pokertransformação do cajuc darwin2 pokercajuína no Piauí também ajuda a entender como funciona a políticac darwin2 pokerpatrimônio imaterial do Iphan.
Por ser sazonal, artesanal e rústico - a cajuína não leva nenhum aditivo químico, nem mesmo açúcar - e geralmente feitoc darwin2 pokercomunidades rurais ouc darwin2 pokerfamílias que tenham o cajuc darwin2 pokerabundância, o preparo tradicional da bebida foi reconhecido pelo Instituto como patrimônio imaterial.
"O bem cultural não é o caju nem a cajuína, mas o trabalho das famílias do Piauí empregado na produção da bebida. Ou seja, o que é patrimônio são os saberes seculares, passadosc darwin2 pokergeração a geraçãoc darwin2 pokercomo se apropriar do cajuc darwin2 pokeruma maneira geralmente vista somente no Nordeste", explica a pesquisadora Pereira.
Mesmo que o caju não seja o elemento tombado pelo Iphan, o reconhecimento dos saberes nordestinosc darwin2 pokerrelação ao manuseio do fruto para a produção da cajuína destaca a importância cultural do caju para o Brasil. Genuinamente brasileiro, o fruto é consumido na região há séculos, desde os povos antigos que habitaram a Terra.
"No primeiro inventário sobre o patrimônio material brasileiro, realizado por Marioc darwin2 pokerAndrade, há o registroc darwin2 pokerque o povo Tupinambá, no século 16, já consumia o caju e não só como fruto, mas também na produçãoc darwin2 pokerremédios", aponta a antropóloga.
Alémc darwin2 pokercontinuar fazendo parte da culinária das comunidades piauienses, o caju hojec darwin2 pokerdia também movimenta a economia da região e organiza o modoc darwin2 pokervida da população local, sejac darwin2 pokermercados e feiras ou até no quintalc darwin2 pokercasa.
Um cajueiro,c darwin2 pokeracordo com Pereira, geralmente é plantadoc darwin2 pokerum local estratégico para oferecer sombra às pessoas. Quando plantado nos quintais das casas, também serve como lugar para as crianças brincarem.
"Além disso, do fruto, extrai-se a castanha, e dela retira-se o óleo. Da fruta carnuda se produz o suco, o doce e a cajuína. E ainda se come in natura, direto do pé ou comprado nas feiras e mercados", descreve a pesquisadora.
Papel central das mulheres
Igual ao caju e a cajuína, o acarajé não é o patrimônio imaterial registrado no Iphan, e sim o ofício das baianas que o vendem.
Rita Ventura, a coordenadora da Associação Nacional das Baianasc darwin2 pokerAcarajé, Mingau, Receptivo e Similares, explica que o acarajé, para as baianas, tem significado religioso ec darwin2 pokerresistência.
O bolinho feitoc darwin2 pokerfeijão nasceu na África e veio para o Brasil por meio dos escravos traficados da Nigéria. "O nome original africano do acarajé é 'akara'. Como as vendedoras negras gritavam nas ruas 'olha oakarae', houve a junção dos sons", explica Ventura.
O "akara", que significa "bolac darwin2 pokerfogo", passou a ser vendido nas ruas da Bahia durante a escravidão por escravasc darwin2 pokerganho, um tipoc darwin2 pokerrelaçãoc darwin2 pokerque a mulher trabalhavac darwin2 pokerambulante para trazer dinheiro aos senhores empobrecidos.
Com a abolição, as negras continuaram vendendo o bolinho nas ruas para comprar cartasc darwin2 pokeralforria e para sustentar a família. Muitas se tornaram chefesc darwin2 pokerfamília com a venda do acarajé. Segundo Ventura, até hoje o acarajé está associado a mulheres nessa posição: 70% das atuais baianas da Associação Nacional do ofício são as principais provedoras da família.
"Existe uma relação especial entre alguns gruposc darwin2 pokermulheres e profissões ou ofícios relacionados ao cozinhar. Historicamente, no Brasil, ainda que pese nessa situação a desigualdadec darwin2 pokergênero, verificamos que o papel das mulheres nos ofícios tradicionais ligados à culinária - que hoje estão principalmente relacionados às comidasc darwin2 pokerrua - ajudou a formar a culturac darwin2 pokerseu povo", explica Bitter.
"O acarajé está associado predominante às mulheres por ser um ofício passadoc darwin2 pokermãe para filha por séculos na Bahia. Porém, com o passar dos tempos, muitas baianas não tiveram filhas, somente filhos. Para garantir o sustento da família, principalmente nos últimos anos, foram eles que herdaram o ofício e deram continuidade à atividade", agrega Ventura.
De acordo com ela, dos 80 mil vendedoresc darwin2 pokeracarajé registrados pela Associação Nacional das Baianas, 10% são homens.
Outra característica social do acarajé é o seu fator religioso: até hoje a iguaria tem posição central no Candomblé,c darwin2 pokerque é servida como uma oferenda aos orixás.
Tacacá e jambu
Entre os saberes que estão sendo avaliados pelo Iphan está o tacacá, prato típico da região amazônica feito a partir dos subprodutos da mandioca brava, como o tucupi, ec darwin2 pokertemperos do Norte, como o jambu.
"O preparo do tacacá envolve etapas complexas e demoradas, começando pelo seu principal ingrediente, o tucupi, extraído da mandioca brava, que não pode ser consumida diretamente da natureza", conta Bitter, explicando que a mandioca brava contém substâncias perigosas para a alimentação humana.
"Aprendemos a tornar a mandioca brava comestível graças a uma técnica secular herdada dos povos indígenas que habitaram a Amazônia e que faz parte da cultura do povo local até hoje", explica o professor.
A produção do tacacá envolve uma comunidade local grande, que vai desde os produtores da mandioca brava, passando pelos produtoresc darwin2 pokertucupi e pelas feiras e mercados locais, onde os temperos e demais ingredientes são vendidos. É nessa etapa do processo que entra a figura da mulher amazônica: as tacacazeiras são as mulheres que preparam e vendem o tacacá.
"Reconhecer como patrimônio a relação das mulheres com saberes da culinária tradicional é transformar um índicec darwin2 pokersubmissãoc darwin2 pokerum instrumentoc darwin2 pokerempoderamento: ser baianac darwin2 pokeracarajé ou tacacazeira é muito mais do que cozinhar esses alimentos, é herdar um ofício histórico capazc darwin2 pokerorganizar a vidac darwin2 pokertoda uma comunidade", defende Bitter.
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