Por que a recuperação da economia não atenua a rejeição recorde a Temer?:
A economia está melhor - mas para quem?
Grosso modo, metade do crescimento da economia do ano passado veio da agropecuária, pontua Fernando Sampaio, sócio-diretor da LCA Consultores - ou seja, praticamente 0,5 ponto percentual do crescimento1% veio do setor.
O agro responde por apenas 5% do PIB, diz Sampaio. Se contabilizada toda a cadeia - desde a logísticaescoamento da produção até seu beneficiamento pela indústria alimentícia -, o peso sobe para 15%.
Conforme os dados do IBGE, esse componente do PIB cresceu 13% no ano passado, o maior percentual desde o início da série histórica, que começa1998.
Isso significa que parte importante do impacto positivo da "riqueza" gerada pela economia no período - criaçãoemprego, aumentoconsumo - ficou mais concentrado no interior do que nas grandes capitais, por exemplo, onde a maioria da população vive.
"Foi um anorecuperação bastante assimétrica", ele pondera.
O fator-chave para explicar a "sensaçãocrise" que ainda predomina para milhõesbrasileiros, contudo, é o mercadotrabalho, acrescenta Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto BrasileiroEconomia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Apesara taxadesemprego ter recuado gradativamente entre março, quando atingiu 13,7%, e dezembro, quando chegou a 11,8%, seu nível continua elevado.
Foram,média, 12,3 milhõesdesempregados, 12,7% da forçatrabalho, conforme a Pesquisa Nacional por AmostraDomicílios (Pnad) Contínua referente a 2017. Em janeiro, conforme divulgado ontem pelo IBGE, a taxa cresceu para 12,2% - segundo economistas, o início do ano é um períodoque tradicionalmente há uma procura maior por trabalho e, por isso, o desemprego geralmente aumenta.
"A taxadesemprego é a variável econômica que mais impacta na vida da população, mais até que a inflação", ressalta Balassiano.
A economia chegou a gerar emprego no ano passado - vagas precárias, entretanto. Foram 263 mil novos postos, aindaacordo com a Pnad Contínua,meio a uma média90,6 milhõesbrasileiros empregados. Desse total, apenas 34,2 milhões tinham carteira assinada, 950 mil menos do que2016.
De acordo com o Cadastro GeralEmpregados e Desempregados (Caged), uma outra pesquisa que acompanha o mercadotrabalho (e contabiliza apenas as contratações e demissões com carteira assinada), mostra quadro semelhante. Em 2017, foram fechados 20,3 mil postos, o terceiro ano consecutivosaldo negativo. No biênio 2015-2016, o país cortou 3 milhõesempregos formais.
"As pessoas se esquecem do tamanho do tombo", pontua Christopher Garman, diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group.
Quem está empregado, porvez, tem visto a renda aumentar, mas essa alta se deve muito mais à queda da inflação, que eleva o podercompra, do quefato a reajustes maiores nos salários - mais um fator que tem impacto sobre a "sensação térmica" do brasileirorelação à economia.
Em 2017, a inflação acumulada12 meses recuou5,35% para 2,95% entre janeiro e dezembro. Quem teve correção do salário pelo IPCA no início do ano, por exemplo, viu os rendimentos crescerem cerca5%, enquanto, no decorrer do ano, o aumento dos preços foi perdendo ritmo, aumentandomenor velocidade.
Voto econômico x voto ideológico
"Quão boa tem que estar a situação para as pessoas reconhecerem que ela está boafato?", pondera o cientista político Adriano Codato, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
No ano passado, ele lembra, o salário mínimo - com "valor simbólico importante" - teve a menor correção24 anos, passandoR$ 937 para R$ 954, a contaluz aumentou, com reajuste no valor das bandeiras tarifárias, e a gasolina ficou mais cara.
"A melhora da economia ainda não aparece na ponta. Os indicadores macroeconômicos não necessariamente se refletem na vida das pessoas."
A correlação entre economia e preferências eleitorais é observada na grande maioria dos países, diz Codato,maior ou menor grau.
No Brasil, um paísrenda média, muito desigual e com parcela significativa da população vulnerável, a maioria escolhe seus candidatosfunção do momentoque vive, da percepção que tem do governo, ele afirma, referindo-se ao que a ciência política batizouteoria do voto econômico.
O chamado voto ideológico, acrescenta ele, que é coordenador do ObservatórioElites Políticas e Sociais do Brasil, fica restrito ao topo da pirâmide - funcionários públicos e classes mais altas - e aos jovens. "São votosextremosvários graus."
Nas eleições presidenciais1998, exemplifica Codato, o PSDB venceu com folga no Nordeste e reelegeu Fernando Henrique Cardoso, que ainda colhia os frutos da implementação do Plano Real eprogramas assistenciais. Quatro anos depois, contudo, após uma crise forte2002, o Nordeste votou no PT e elegeu Lula pela primeira vez.
Eleitores irritados
Além da recuperação lenta, o país atravessa2018 um momento histórico particular, diz Fiona Mackie, diretora regional para a América Latina da consultoria Economist Intelligence Unit (EIU).
"O Brasil vive um verdadeiro terremoto político", ilustra a cientista política, para justificar por que a "regra"que o pragmatismo costuma prevalecer entre os eleitores quando a economia vai bem - levando-os a optar por candidatos governistas oucentro - pode não funcionar neste ano.
A misturarecessão com a multiplicação dos casoscorrupção que se tornaram públicos nos últimos anos despertaram nos brasileiros revolta contra a classe política. "Existe um graudesencanto profundo com o establishment político", ressalta Garman, da Eurasia.
Para ele, a situação é exacerbada por um outro fator: a frustraçãouma nova classe média - forjada na primeira década dos anos 2000 - que não viu suas demandas por serviços públicosmelhor qualidade serem atendidas e que assistiu à recessão diminuir seu padrãovida.
"O que o eleitor quer não é a manutenção do status quo e nem a agenda econômica desse governo", diz o cientista político. "Temer é mal vistoforma geral, não é carismático, não foi eleito diretamente, assumiu com índiceaprovação já muito baixo. Há uma relação bem fundamentada (entre economia e eleições), mas essa recuperação não deve favorecer um candidato governista", reforça.
Sinais melhores
Ainda assim, os números do PIB referentes ao último trimestre do ano passado trazem sinais melhores.
Ajudado pela queda da inflação e dos juros, o consumo das famílias ganhou fôlego e avançou 2,6% sobre o quatro trimestre2017 e 0,1%relação ao trimestre imediatamente anterior - se firmando como potencial indutor do crescimento2018.
A indústria teve seu melhor desempenho no ano, com alta0,5%relação aos três meses imediatamente anteriores e2,7% sobre o mesmo período do ano passado, e os investimentos esboçaram reação - cresceram 2% na comparação com o terceiro trimestre e 3,8% sobre outubro-dezembro2016.
O retrato da economia no fim do ano passado, diz Balassiano, do Ibre-FGV, reflete a composição da reação que se espera para este ano. Com um crescimento mais disseminado, a estimativa da instituição aponta crescimento2,9% para o PIB2018.
"A perspectiva para este ano édesafogo", diz Sampaio, da LCA, que projeta alta2,8% para o produto. Entre os fatores que favorecerão a economia nos próximos meses estão a inflação ainda comportada, os juros baixos - que devem cada vez mais aparecer nas taxas cobradas à pessoa física e estimular o consumo - e a perspectivaque o governo possa investir um pouco mais, ajudado pelas surpresas positivas com a arrecadação.
O desemprego, entretanto, quegeral reageforma defasada ao crescimento, deve se manter alto. Depoisatingir 12,2%janeiro, a taxa recuaria apenas para 10,9% no fim2018 e para 10,1% no fim2019, conforme as estimativas do Ibre-FGV.