A história do caminhoneiro que se assumiu crossdresser e roda o Brasilsigma slotssalto alto:sigma slots

Afrodite
Legenda da foto, Há seis meses, ela pede para ser chamada pelo nome feminino, escolhidosigma slotshomenagem à deusa grega Afrodite | Foto: Alair Ribeiro/BBC Brasil

Afrodite se considera heterossexual e parousigma slotsse envolver com mulheres há alguns anos. Em meio às mudanças dos últimos meses, espera virar transexual e passar a se interessar por homens, deixando para trás uma vida que avalia como triste, por não ter conseguido ser quem realmente é.

Já foi cabo do Exército, caminhoneiro, eletricista, empresário e pastor. Casou-se duas vezes e teve uma filha. E arrumava formas para suprir os desejos escondidos.

"Na infância, eu pegava roupassigma slotsalgumas primas e usava. Depois, quando adulta, eu mesma costurava minhas roupas, escondida, ou comprava algumas peças. E usava roupas íntimas femininas, como calcinha ou sutiã, por baixo das roupas masculinas."

Usou roupassigma slotsmulher pela primeira vez aos 13 anos, quando pediu às primas que a vestissem e maquiassem. Agora, maissigma slotscinco décadas depois, decidiu que irá fazer a cirurgiasigma slotsredesignação sexual. "O procedimento, junto com o silicone que pretendo colocar, vão fazer com que eu complete esse ciclo", diz.

A vidasigma slotsAfrodite assemelha-se àsigma slotsdiversas crossdressers brasileiras. Conforme Cristina Camps, uma das diretoras do Brazilian Crossdresser Club - dedicado a praticantes do crossdressing e transgêneros -, muitas demoram décadas para se assumir.

Afrodite se maqueia
Legenda da foto, Assim como Afrodite, muitas crossdressers demoram décadas para se assumir | Foto: Alair Ribeiro/BBC Brasil

"Normalmente, essa vontade surge na infância, massigma slotsfunção dos padrões da sociedade, somente na faixa adulta irão compreendê-lo. Geralmente, os homens se assumem entre quatro paredes, pelo receiosigma slotsserem descobertos e perderem as conquistas profissionais e sociais."

Não há levantamentos sobre o númerosigma slotscrossdressers no Brasil. Entretanto, Cristina explica que maissigma slots3 mil homens já passaram pelo Brazilian Club. "O crossdressing, no Brasil, ainda é embrionário. Nós somos o primeiro clube voltado a esse fetiche no país. Surgimossigma slots1997, mas, antes disso, certamente centenassigma slotspessoas já eram adeptas da prática. É difícil mensurar", comenta.

Casamentos

Nascidasigma slotsJacarezinho (PR), Afrodite hoje vivesigma slotsCuiabá (MT). Durante a infância no Paraná, ela se recorda que sempre teve tendência a escolher atividades relacionadas às meninas, o que a tornava alvosigma slotscomentários dos colegassigma slotsclasse. "Ele riamsigma slotsmim, por causa do meu jeito mais delicado."

Na puberdade, teve uma crisesigma slotsidentidade. "Fiquei revoltada quando nasceram os primeiros pelossigma slotsmim e minha voz engrossou. Foi estudando anatomia que passei a entender que não poderia ter seios. Mas ainda assim, mantive meu sonhosigma slotsum dia me tornar mulher", declara.

Afrodite com uma foto do período anteiror ao se assumir como crossdresser
Legenda da foto, Afrodite com uma foto do período anterior ao se assumir como crossdresser: Heraldo, para ela, 'morreu' | Foto: Alair Ribeiro/BBC Brasil

Quando se mudou para São Paulo, ainda na adolescência, começou a trabalharsigma slotsuma tecelagem e passou a costurar roupas femininas para si, quando ficava sozinha. E usava-as apenas dentro da fábrica, porque não tinha coragemsigma slotssair à rua.

Manteve o costumesigma slotsusar, secretamente, roupas íntimas femininas nos períodossigma slotsque serviu o Exército,sigma slotsque foi funcionária pública sigma slotsCorumbá (MS) e, posteriormente, caminhoneira. Na cidade sul-mato-grossense, conheceusigma slotsprimeira mulher,sigma slotsquem escondeu o fetiche. Eles se casaramsigma slots1974.

"Muitas vezes, eu tinha que viajarsigma slotscaminhão, a trabalho, e usava lingeries. Mas nunca usei nada na frente dela", relata. Certa vez, a mulher encontrou, no bolsosigma slotsuma calçasigma slotsHeraldo, calcinhas que haviam sido utilizadas pelo próprio marido. "Talvez ela desconfiasse, mas não falou nada."

Foi também nesse período que Afrodite teve a única filha, Tatiana, um ano após o casamento. Foi um dos momentos mais importantessigma slotssua vida.

"Eu sempre quis ter uma filha, porque acreditava que me identificaria mais", comenta.

O casamento durou 16 anos e terminou após Afrodite engatar um romance com outra mulher. Depois desse relacionamento, pela primeira vez, ela arriscou sair na rua com roupas femininas.

"Eram coisas discretas. Comecei no fimsigma slots1995. Eu não conhecia sobre crossdresser nem transgênero, só tinha muita vontadesigma slotsandar vestidasigma slotsmulher esigma slotsser uma", relata.

Ela deixousigma slotsesconder os desejos aos amigos mais próximos, mas logo desistiusigma slotsusar roupas femininassigma slotspúblico. "O preconceito era muito grande nas ruas. Não cheguei a ser alvosigma slotsnenhuma agressão, mas ouvia comentários como 'bicha' ou 'viado'. Então, decidi me preservar e também desisti, temporariamente, dos meus planossigma slotsmudarsigma slotssexo."

O segundo casamento durou 14 anos e terminousigma slots2013. Um dos motivos do rompimento, diz a crossdresser, era a vida sexual do casal - Afrodite diz que sempre teve dificuldadesigma slotsse relacionar com mulheres, mas tampouco se interessa por homens. "Eu me considero heterossexual, porque pessoas do mesmo sexo nunca me atraíram. Às vezes penso que posso ser assexual."

Afrodite no caminhão
Legenda da foto, Afrodite se considera heterossexual e quer fazer cirurgiasigma slotsmudançasigma slotssexo | Foto: Alair Ribeiro/BBC Brasil

A carreirasigma slotspastor

Durante o segundo casamento, Heraldo, espírita kardecista desde a infância, decidiu conhecer mais sobre a religião da companheira, que era evangélica. Acabou se tornando pastor, função que exerceu por maissigma slots10 anos na Assembleiasigma slotsDeussigma slotsCuiabá.

"Eu pregava, dava testemunhos e falava sobre a palavrasigma slotsDeus. Eu fazia até cultosigma slotsminha residência, para 150 pessoas. Gostava muito". E costumava liderar cerimônias religiosas com roupas íntimas femininas. "Ninguém percebia, mas eu usava, porque me sentia bem."

Com o passar dos anos, passou a se questionar sobre como a religião enxergaria o fatosigma slotsse sentir como uma mulher. "As minhas fantasias continuavam e, muitas vezes, perguntei a Deus se eu estava errada. Mas me sentiasigma slotspaz com minha consciência e isso me tranquilizava."

Em 2013, após decidir que iria se tornar crossdresser, deixou a Assembleiasigma slotsDeus. "Muitas coisas iam contra os meus princípios e me sentia muito reprimida. Eu acho que não deveria ter ficado tanto tempo (na igreja). Hoje penso que não deveria ter retardado tanto a minha felicidade."

Relação com a família

Afrodite conta que tinha uma boa relação com seus irmãos - com quem chegou a formar uma sociedadesigma slotsuma empresa eletrotécnica - até ela passar a usar roupas femininas abertamente.

"Falaram que eu estava ficando maluca. Foram me isolando e até me proibiramsigma slotsatender clientes", afirma.

Afrodite chegou a registrar boletimsigma slotsocorrência contra parentes, alegando sofrer ameaçassigma slotsagressão. E abriu um processo contra os dois irmãos por injúria e difamação. "Já tivemos algumas audiências e a juíza orientou que a gente faça acompanhamento psicológico", diz.

Afrodite
Legenda da foto, Preconceito dentro da própria família é umasigma slotssuas maiores lamentações | Foto: Alair Ribeiro/BBC Brasil

A doutorasigma slotspsicologia social Sandra Elena Sposito afirma que o acompanhamento psicológico pode auxiliar uma crossdresser a se entender melhor. "Essas pessoas podem precisar, talvez,sigma slotsalgum amparo para enfrentar situaçõessigma slotsestigma e preconceito. Não pelo crossdressingsigma slotssi, mas para que compreendam que essa situação não precisa gerar sofrimento. A dificuldade vem da formasigma slotsestar no mundo e não ser reconhecida, não poder transitar na sociedade nem se expressar socialmente."

O preconceito dentro da própria família foi justamente a parte mais difícil para Afrodite. "Eram pessoas que eu esperava que, ao menos, me respeitassem. Não imaginava que fossem me atacar dessa forma", lamenta. No entanto, ela afirma ter recebido apoio dos sobrinhos e do pai. "Ele agiu normalmente comigo. Não fez nenhum comentário quando me viusigma slotsmulher pela primeira vez."

Ao recordar-se da mãe, já falecida, ela se emociona. "Ela me amaria ainda mais. Sei que ela me assiste, porque nada dá errado para mim. Sei que estou conseguindo vencer. Hoje, sinto a presença dela me encorajando", diz, entre lágrimas.

Outro apoio importante veio da filha, a donasigma slotscasa Tatiana Rodrigues,sigma slots42 anos. "Ela lidou tranquilamente com isso. Na primeira vezsigma slotsque ela me viu, só me deu um conselho: 'não pinta a unhasigma slotscor muito forte quando estiver trabalhando'. Mas eu disse que gostosigma slotscores assim, pois escondem a sujeira da unha, por conta do meu trabalho como caminhoneira."

Rodrigues conta que, até 2017, nunca havia identificado no pai um interessesigma slotsse transformarsigma slotsmulher. "Nunca pensei nisso. Meu pai não era aquela figura extremamente machista, mas nunca demonstrou tendência afeminada. Era um senhor comum", explica.

"Não posso dizer que (vê-lo vestidosigma slotsmulher) foi algo que você olha e pensa: 'tudo bem'. A primeira coisa que pensei foi: 'nossa, é o meu pai. Aquela imagem que eu tinha antes não existe mais'. Mas a essência dele é a mesma e é isso que importa. Depois do primeiro impacto, passei a encarar normalmente, porque meu pai para mim é um tesouro, junto com a minha mãe", conta.

Afrodite experimenta salto alto
Legenda da foto, Por anos, ela usou roupas femininas secretamente ou sob roupas masculinas | Foto: Alair Ribeiro/BBC Brasil

Preconceito e mudançasigma slotsgênero

Mas a filha teme pela integridade física do pai. "O meu medo é que ele sofra algum tiposigma slotsviolência, porque o mundo está cada vez mais perigoso e existem muitas pessoas intolerantes", diz.

É o mesmo temor do pai. "Nunca fui agredida fisicamente, mas esse é o meu maior medo", conta Afrodite.

Desde que se assumiu como crossdresser, ela passou a enfrentar comentários maldosos e situações constrangedoras. "Já levei empurrõessigma slotsbares, mas outras pessoas entraram para me defender. Eu também já fui impedidasigma slotsentrarsigma slotsalguns estabelecimentos. O preconceito agora faz parte da minha rotina. As pessoas torcem o nariz, às vezes levantam e vão sentarsigma slotsoutro lugar. Eu ignoro, mas isso tudo machuca."

Um dos momentos mais difíceis é quando precisa utilizar banheirosigma slotsalgum estabelecimento público. "Muitos não me deixam entrar no feminino e eu tenho que ir ao masculino. É ruim, porque eu uso meia-calça, tenho que usar o mictório e acabo tendo que levantar o vestido. Me sinto exposta, porque sempre tem alguém que me constrange ou me xinga dentro do sanitário", lamenta.

Afrodite gostariasigma slotsrealizar a cirurgiasigma slotsmudançasigma slotssexo ainda neste ano. Antes, porém, deverá fazer acompanhamento terapêutico, para que possa receber laudo psicológico/psiquiátrico favorável e o diagnósticosigma slotstransexualidade.

Enquanto isso, ela entrou com uma ação na Justiça para que o nome Afrodite passe a constarsigma slotsseus documentos. "Expliquei para a juíza que eu não sou homossexual, sou transexual. No Fórum, todos me chamavamsigma slotsAfrodite", relata. O processo ainda estásigma slotstramitação.

Atualmente, Afrodite se classifica como crossdresser, por não ter feito nenhuma modificaçãosigma slotsseu corpo. Quando fizer a cirurgiasigma slotsmudançasigma slotssexo, passará a se considerar transexual. "Eu quero chegar o mais próximo possívelsigma slotsuma mulher, que é como eu realmente me sinto", conta.

Crossdresser há cercasigma slotsdez anos, a psicóloga e artista plástica Fe Maidel argumenta que o crossdressing não necessariamente precede uma mudançasigma slotsgênero: "Cada pessoa tem uma maneira únicasigma slotsse expressar no mundo. Ser crossdresser pode ser o começosigma slotsum processosigma slotsconhecimento, que pode culminar na transiçãosigma slotsgênero, ou não".

A vontadesigma slotsconcluir a fasesigma slotstransição é tamanha que Afrodite tem tomado hormônios por conta própria, sem consultar um médico, há cinco meses. "A minha filha já me deu bronca. Ela falou: 'papai, eu convivi com o Heraldo por 42 anos e quero viver o mesmo período com a Afrodite'", comenta. A crossdresser prometeu suspender o medicamento até a devida indicação médica.

A redesignação sexual será, segundo ela, o começosigma slotsuma nova vida. "É um sonho que tenho desde criança. Eu preciso muito dessa cirurgia", diz. E, mesmo antes disso, Afrodite já decretou a morte do homem que era desde a infância. "As pessoas me perguntam o porquêsigma slotseu gostar tantosigma slotspreto. É porque estousigma slotsluto,sigma slotsrespeito ao Heraldo, que morreu."

A crossdresser leva uma vida solitária. Sua rotina se resume a alguns fretes no caminhão, ir a lojas comprar roupas e frequentar bares, nas noitessigma slotsque está feliz. A maior partesigma slotsseus dias ela tem passadosigma slotscasa, onde mora sozinha, junto com 16 gatos. Diz que há poucas pessoas com as quais pode contar. "É triste, mas eu sei que acabam se afastandosigma slotsmim. Só tenho a minha filha, minha neta, meu genro e minha primeira esposa."

Mesmo assim, Afrodite não se arrependesigma slotster se assumido crossdresser. "Eu só me culpo por não ter feito isso antes. O que me deixa triste é que sei que já estou velha e não vou ter tanto tempo para desfrutar desse meu sonho."