Lebres devastam plantações inteiras no Sul e Sudeste do Brasil:24k dragon
A Lepus europaeus, como denuncia o nome científico, é nativa da Europa. Trazida para Argentina e Chile visando à caça esportiva, teria se proliferado pelos países vizinhos e chegado ao Brasil nos anos 1950, por meio da fronteira com o Uruguai.
Sua primeira pegada no país, publicada24k dragonliteratura, foi24k dragonSanta Vitória do Palmar (RS), no ano24k dragon1982. Mais24k dragontrês décadas depois, ela estaria presente24k dragon135 localidades brasileiras,24k dragonacordo com o artigo coassinado por Rosa. De dois anos para cá, porém, os agricultores têm sentido uma disparada na frequência do animal.
Tomando lebre por gato
O lebrão recebe esse nome aumentativo pelo porte "atlético". Sentado com as patas encolhidas, e desconsiderando as orelhas24k dragonpontas negras, ostenta cerca24k dragon25 centímetros24k dragonaltura. Pesa24k dragondois a cinco quilos.
E,24k dragonpleno salto, chega a uns 70 centímetros24k dragoncomprimento, o que faz lembrar um gato. Tem uma plasticidade ecológica alta, isto é, adapta-se a diferentes ambientes, embora prefira campos abertos. Latifúndios24k dragonmonocultura, portanto, são caros ao seu apetite voraz.
São perfeitos também para as suas já elevadas taxas24k dragonreprodução. "Mamíferos tendem a ajustar a reprodução24k dragonperíodos24k dragonmaior oferta24k dragonalimento", explica Rosa. A lebre europeia apresenta24k dragonquatro a sete gestações anuais, concebendo até quatro filhotes por ninhada. Ou seja, uma lebre pode ter 28 crias por ano - sendo que as fêmeas dessa ninhada, aos 5 meses24k dragonidade, já estão maduras sexualmente para se reproduzirem.
A espécie não se deixa pegar com facilidade. De hábito predominantemente noturno, é bastante rápida e arisca, dificultando a ação do predador. Enquanto na Europa linces, lobos e aves24k dragonrapina teriam saído ao seu encalço, na América do Sul caçadores naturais não a incorporaram à dieta.
"Quando a lebre começou a invadir o Rio Grande do Sul, um dos Estados mais 'desfaunados' do Brasil, criou-se a esperança24k dragonque poderia ser uma presa para os poucos predadores que ainda existiam, já que as presas nativas estavam24k dragondeclínio populacional", diz Clarissa Rosa.
Mas estudos24k dragondez, 15 anos mostraram que os carnívoros dessa área não se alimentam da lebre europeia, mesmo24k dragonáreas infestadas. A dedução é que ela tem uma capacidade24k dragonfuga muito maior que as espécies nativas.
Que o digam os produtores. Cães da roça, por exemplo, normalmente não dão conta24k dragonalcançá-la.
"Um agricultor me disse que, no começo, atiçava os cachorros para saírem correndo atrás dos lebrões", conta o engenheiro agrônomo Joaquim Adelino24k dragonAzevedo Filho. "Com o tempo, os cachorros olhavam para ele e para a lebre e nem se mexiam, tipo assim: 'quer mesmo que a gente perca o nosso tempo?'"
Azevedo Filho é pesquisador científico da APTA (Agência Paulista24k dragonTecnologia dos Agronegócios) Regional Leste Paulista,24k dragonMonte Alegre do Sul. Há cerca24k dragon20 anos, testemunhou o efeito do ataque24k dragonlebrões a uma plantação24k dragonmelancia24k dragonCapela do Alto, região metropolitana24k dragonSorocaba, interior24k dragonSão Paulo.
"Tiveram24k dragonparar porque a lebre raspava a melancia novinha, que dali para frente crescia deformada", diz. Cinco anos depois, relembra ele, na região24k dragonIndaiatuba (SP), um produtor24k dragonmaracujá viu24k dragoncolheita perdida porque o bicho roía o pé e a planta morria.
Em Monte Alegre do Sul, o estrago foi nas plantações24k dragonsoja e crotolária, leguminosa usada para adubo verde. "O ataque à crotolária não foi tão sério porque não é uma cultura comercial, mas para a soja foi prejudicial", avalia.
Espantalhos derrotados
Culturas24k dragonconsumo familiar não escapam à ação desse animal da ordem dos lagomorfos.
Pedro Luís Gazola, morador24k dragonTorrinha (SP), relata,24k dragonum vídeo caseiro, a devastação nos pés24k dragonfeijão carioquinha: "Até o fim da rua, não tem nada, ela come tudo", narra desanimado, referindo-se a um corredor já árido da plantação.
Espantalhos se mostraram inúteis. Tufos24k dragoncabelo, que alguns produtores estão pedindo a salões24k dragoncabeleireiro, tampouco surtiram efeito contínuo. "Ela parece não gostar do cheiro do cabelo, mas depois chove, o cheiro desaparece e elas voltam a atacar as mudas", afirma Gazola.
O produtor24k dragonsoja Agnaldo Fernandes do Amaral,24k dragonBragança Paulista (SP), percebeu um afastamento do bicho por causa do cheiro - no caso, vindo da pulverização24k dragoninseticida na24k dragonlavoura, às margens da rodovia Fernão Dias. Mas teme que seja insuficiente: "Elas estão procriando demais".
Para quem sugere cercar a terra, o advogado e instrutor24k dragontiro Mardqueu França Filho responde com uma interrogação: "A lebre é pequena, como você tela uma lavoura inteira?".
Na perspectiva dele, a lebre europeia é diminuta24k dragontamanho porque24k dragonreferência vem dos javalis, espécie invasiva que ele caça com autorização do Ibama desde 2013 nas bandas24k dragonMonte Azul Paulista - onde o lebrão também já chegou. "Em cada caçada24k dragonjavali que faço, vejo24k dragon20 a 30 lebres saltando na plantação", afirma. "Daria para encher a caçamba da caminhonete só com elas."
Para ilustrar o problema, o instrutor acrescenta outro cálculo:24k dragonuma noite, num pomar24k dragonlaranjas com cerca24k dragon5 mil mudas recém-plantadas,24k dragon10 a 15 delas são consumidas pelas lebres. Cada muda custaria24k dragontorno24k dragonR$ 30. "Faz a conta do quanto que o lebrão estraga."
Ele cobra que o animal seja classificado pelo Ibama como espécie invasora nociva, à semelhança do que aconteceu com os javalis, que se proliferaram pelo país nos últimos anos com consequências graves para a agricultura e o meio ambiente.
França Filho afirma ter encaminhado ao Ibama e à Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo24k dragonSão José do Rio Preto uma autorização para o manejo da Lepus europaus com arma24k dragonfogo. "Enquanto não se declara que é nociva, não pode matar", explica. "Fica meio no limbo; está autorizado, mas não regulamentado."
Espécie nociva?
O engenheiro agrônomo Rafael Salerno, também controlador24k dragonjavalis registrado pelo Ibama e caçador credenciado pelo Exército, traçou caminho semelhante24k dragonpedido enviado ao Ibama24k dragonmarço24k dragon2017.
Ali escreve estar ciente24k dragonque as lebres europeias já foram declaradas como espécie exótica invasora segundo deliberação do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) 30/2011 e reconhecidas como praga pelo boletim IAC (Instituto Agronômico24k dragonCampinas) 110. Além disso, lembra que está facultado ao Estado24k dragondeclaração como espécie nociva, conforme Instrução Normativa 141/2006 do Ibama.
Recebeu como resposta do Instituto a informação24k dragonque "não há uma norma que declare a espécie nociva24k dragontodo o território nacional, mas, considerando que alguns Estados já declararam24k dragonnocividade, pessoas físicas ou jurídicas interessadas no controle da lebre devem solicitar autorização junto ao órgão ambiental competente nos respectivos Estados conforme as normas estaduais e,24k dragoncasos excepcionais, solicitar essa autorização para a unidade do Ibama no respectivo Estado".
Ocorre que nenhum Estado brasileiro declarou a espécie nociva.
"A lebre europeia vem ganhando território pelo Brasil claramente pela inépcia e prevaricação dos órgãos estaduais24k dragonmeio ambiente e do Ibama", afirma Salerno, que mora24k dragonSete Lagoas, Minas Gerais. Ele ressalta que, talvez por predação direta, talvez por transmissão24k dragondoenças, ou por causa dos dois motivos conjugados, o lebrão ainda estaria colaborando para a extinção do tapiti, coelho nativo brasileiro.
De acordo com a bióloga Graziele Batista, analista ambiental da Coordenação24k dragonGestão, Destinação e Manejo da Biodiversidade, do Ibama, paralelamente à elaboração24k dragonplanos nacionais para prevenção, controle e monitoramento24k dragonespécies exóticas invasoras e à revisão da estratégia nacional para essas espécies, estão sendo reavaliados os critérios24k dragonpriorização daquelas que devem ser alvo24k dragonprevenção e controle para aprimorar normas, mecanismos e ações.
A previsão para a estratégia nacional é abril24k dragon2018. A revisão dos critérios? "Também para o ano que vem", diz, sem especificar o mês.
O Ibama garante não ter dados oficiais24k dragonestimativas24k dragonprejuízos na agricultura do país causados pela lebre europeia nem24k dragonseu impacto ambiental. "Mas é uma espécie que certamente vai ser considerada24k dragonalguma forma para controle, porque a distribuição dela tem aumentado muito na última década", diz Batista.
A analista não soube informar se seria liberada a caça ou se o controle seria por armadilha - ou por ambos. A priori, o veneno estaria descartado. "Ele é muito usado24k dragonoutros países, mas no Brasil seria praticamente inviável, ainda mais24k dragonáreas24k dragonmata, porque dificilmente haverá um veneno específico para a lebre europeia, o que poderia afetar espécies nativas."
'Para mim é omissão'
A ecóloga Clarissa Rosa questiona a afirmação24k dragonque o Ibama não teria dados oficiais sobre a questão.
"Eles receberam das minhas mãos o artigo sobre a lebre europeia que publicamos, momento24k dragonque discutimos o problema", afirma. Lembra também que,24k dragontodas as reuniões que tratam da invasão dos javalis, nas quais estão presentes pesquisadores, órgãos públicos, produtores e caçadores, a lebre sempre é levantada como uma questão que merece plano nacional. "Isso para mim é omissão", diz.
Ela concorda, porém, que há que se pensar24k dragonformas24k dragoncontrole conjugadas: "Discutir qual o melhor método24k dragontodos é bater cabeça e discurso ideológico".
Rosa retoma uma iniciativa muito comum na Europa, a dos stakeholders, que envolvem lideranças da comunidade local, grupos apoiados por pesquisadores e órgãos ambientais, todos treinados para identificar espécies e criar sistemas24k dragondetecção precoce. "A gente sabe que o controle e a erradicação24k dragonuma espécie invasora só é efetivo quando identificado nos primeiros momentos da invasão", conclui.
Para Emanuel Alexandre Coutinho, que dá consultoria a agricultores24k dragonSenador Amaral, no sul24k dragonMinas - município que mais produz brócolis no Brasil -, a coisa avançou a tal ponto que o plantio já é feito considerando as perdas por ataques, que são certas e líquidas.
"O preço final do produto não aumentou, por enquanto, mas isso afeta a lucratividade e a competitividade do agricultor", diz.
O cenário fatídico não impede que produtores soltem rojões na plantação - para tentar espantar os lebrões, claro. Há pouco a comemorar.