Luta pela vida, reforço da desigualdade ou gasto desenfreado? A díficil equação da judicialização da saúde:aposta ganha 10 mil
A expectativa dos governos é que a decisão do Supremo seja capazaposta ganha 10 milinterromper um cicloaposta ganha 10 milquebra dos planejamentosaposta ganha 10 milsaúdeaposta ganha 10 miltodo o país. Já pacientes e familiares que buscam remédios na Justiça vivem a afliçãoaposta ganha 10 milpoder ter seus pleitos barrados.
Nos últimos 12 mesesaposta ganha 10 milque o processo ficou parado nos escaninhos do STF, alguns estudos têm apontado para a complexidade do assunto.
Uma das questões é a possibilidadeaposta ganha 10 milque a judicialização da saúde reforce a desigualdade entre ricos e pobres no país no acesso à saúde. Por outro lado, o avanço na inclusãoaposta ganha 10 milmedicamentos distribuídos pelo SUS parece,aposta ganha 10 milalguns casos, acontecer por força das demandas judiciais. Há ainda suspeitasaposta ganha 10 milque o fenômeno sirva como ferramentaaposta ganha 10 millobby para laboratórios e possibilidadeaposta ganha 10 milenriquecimento para advogados.
Judicialização reproduz desigualdade?
Um grupoaposta ganha 10 milespecialistas tem argumentado que, alémaposta ganha 10 mildificultar o equilíbrio entre o direito dos indivíduos à saúde e as limitações dos recursos públicos, a judicialização tem beneficiado relativamente mais pessoas com recursos, espelhando a desigualdades entre ricos e pobres no país.
Essa é a conclusãoaposta ganha 10 mildois estudos recentes sobre o tema: um publicado como teseaposta ganha 10 mildoutorado na USP pela pesquisadora Ana Luiza Chieffi e outro, como auditoria do Tribunalaposta ganha 10 milContas da União (TCU).
Segundo Chieffi, a questão da desigualdade é evidenteaposta ganha 10 milSão Paulo. Ela constatou que, entre 2010 e 2014, dos 56 mil processosaposta ganha 10 milque o Estado foi obrigado a fornecer algum tipoaposta ganha 10 milproduto relacionado à saúde, as ações foram protagonizadas por advogados privadosaposta ganha 10 mil64% dos casos, seguidosaposta ganha 10 millonge por defensores públicos (13,8%) e promotores (9%).
Além disso,aposta ganha 10 milquase metade das ações (47,8%), as receitas que levaram a processos também foram prescritas por médicosaposta ganha 10 milclínicas privadas. Assim, na prática, quem precisa mais e tem menos recursos para se socorrer tem menos acesso a esse tipoaposta ganha 10 mildemanda judicial.
"A ação judicial está concentrada nas camadas menos vulneráveis, por isso, estes e outros dados mostram que a judicialização acentua a desigualdade no acesso à saúde" aposta ganha 10 mil , afirma Chieffi, que verificou também aumentoaposta ganha 10 mil63% no volumeaposta ganha 10 mildemandas judiciais para fornecimentoaposta ganha 10 milprodutos relacionados à saúde no Estadoaposta ganha 10 mil2010 a 2014.
O TCU registrou situação parecida. De acordo com a auditoria, os gastos do Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais passaramaposta ganha 10 milR$ 70 milhõesaposta ganha 10 mil2008 para maisaposta ganha 10 milR$ 1 bilhãoaposta ganha 10 mil2015.
Dos doze tribunais que forneceram dados referentes aos representantes das ações, quatro apresentaram advogados privados como protagonistasaposta ganha 10 milmaisaposta ganha 10 mil50% das ações; outros quatro tiveram defensores públicos como majoritários. Somente o Tribunalaposta ganha 10 milJustiça do Paraná apontou para a atuação do Ministério Público como majoritária.
O TCU afirma que a atuação do Ministério Público,aposta ganha 10 milgeral, é "bastante reduzida", e um baixo índiceaposta ganha 10 milações coletivas por medicamentos reforça o caráter individual da judicialização por saúde no Brasil.
Segundo o estudo do tribunal, tal característica acaba gerando inequidade no acesso à saúde, já que pacientes que obtiveram decisões judiciais favoráveis são priorizados, "em detrimento dos demais usuários inseridos no SUS".
Por email, o ministro do TCU Bruno Dantas, relator da auditoria, afirmou que esta inequidade se relaciona a outra: a desigualdade social no país.
"Há uma relativa facilidadeaposta ganha 10 milacesso à Justiça e uma alta probabilidadeaposta ganha 10 milsucesso nas ações judiciais dessa natureza, superior a 80% no Brasil. À primeira vista, esse dado seria positivo, se não fosse um detalhe perverso:aposta ganha 10 milrazão dos custos processuais, as ações tendem a afastar os mais pobres", disse.
"Isso quer dizer que a judicialização no Brasil, no lugaraposta ganha 10 milbeneficiar grupos mais vulneráveis, como quis a Constituição e como deseja qualquer sistema amparado na solidariedade social, pode estar intensificando as iniquidades já existentes na ofertaaposta ganha 10 milserviços à saúde", acrescentou Dantas.
"O dinheiro inicialmente alocado para a execução da política públicaaposta ganha 10 milsaúde, dirigido a todos, é redirecionado para atender a demanda individualaposta ganha 10 milquem tem acesso à Justiça", completa.
Antesaposta ganha 10 miltudo, um direito
Por outro lado, pacientes com doenças raras e seus parentes também têm acompanhado com muita expectativa as pautas da corte.
Segundo Sérgio Sampaio, presidente da Associação Brasileiraaposta ganha 10 milAssistência à Mucoviscidose (ABRAM), a Justiça é a única alternativa para muitos pacientes diante da demora dos governosaposta ganha 10 milregularizar e incluir medicamentos na lista do SUS, e às vezes até mesmoaposta ganha 10 milfornecer dispositivos assistenciais que claramente são obrigação do poder público.
É o caso do filhoaposta ganha 10 milSampaio, hoje com 30 anos e portador da mucoviscidose (doença rara conhecida também como fibrose cística, que causa o acúmuloaposta ganha 10 milsecreções no pulmão eaposta ganha 10 miloutras partes do corpo, levando a graves problemas respiratórios e digestivos). Ele tem conseguido antibióticos importados ainda sem registro na Anvisa graças a um Termoaposta ganha 10 milAjustamentoaposta ganha 10 milConduta entre o Ministério Público e o governo do Paraná.
A doença é desafiadora, pois torna os pacientes vulneráveis a infecções, eventualmente levando a uma ampla resistência aos antibióticos existentes.
"Quem paga o preço da criminalização da judicialização são as doenças raras. Isso pela gravidade destas doenças, pela dificuldadeaposta ganha 10 mildiagnóstico e pelo preço das drogas, que por vezes são muito restritas. É muito fácil o Estado falar dos milhões que gasta, sem garantir tratamentos", aponta o presidente da ABRAM.
Para ele, a "criminalização da judicialização", ou seja, o argumentoaposta ganha 10 milque tais processos são danosos aos cofres públicos, é um discurso que ataca a "população que exerce o direito sagrado à vida". "Você não vai ficaraposta ganha 10 milbraços cruzados vendo um filho, uma mãe ou um pai sucumbindo", diz Sampaio.
Em nota, o Ministério da Saúde assegurou que a pasta "cumpre o prazo legal para avaliação e incorporação"aposta ganha 10 milmedicamentos ofertados gratuitamente aos brasileiros.
"A atual gestão já incorporou importantes tecnologias ao SUS, como o Dolutegravir (utilizado no tratamentoaposta ganha 10 milHIV) e o 4aposta ganha 10 mil1 (Veruprevir, Ritonavir, Ombitasvir e Dasabuvir), utilizado no tratamentoaposta ganha 10 milhepatite C", afirmou a pasta.
"Além disso, a nova Relação Nacionalaposta ganha 10 milMedicamentos Essenciais - Rename 2017, que define os medicamentos que devem atender às necessidadesaposta ganha 10 milsaúde prioritárias da população no SUS, conta com 869 itens, contra 842 da ediçãoaposta ganha 10 mil2014."
Descompasso entre os governos e a Justiça
Diferente do caso das doenças raras citado por Sampaio, boa parte das demandas judiciais relacionadas à saúde recorrem a remédios para doenças crônicas que têm similares no sistema públicoaposta ganha 10 milsaúde ou que podem não ter tido a eficácia reconhecida por autoridades brasileiras.
É o que tem acontecidoaposta ganha 10 milSão Paulo. Segundo o estudoaposta ganha 10 milChieffi, entre os medicamentos mais demandados entre 2010 e 2014, os dois no topo da lista são as insulinas glargina e asparte (somando 5,3 mil processos). Ambas já haviam tido a inclusão no SUS negada pelo Ministério da Saúde - que concluiu não haver comprovaçãoaposta ganha 10 milque esses tratamentos seriam superiores aos já disponibilizados ao público. Posteriormente, a insulina asparte foi incorporada.
"Essas insulinas que são demandadas são tão boas quanto as disponibilizadas pelo SUS. Apesaraposta ganha 10 mildarem mais conforto para o paciente, elas não são custo-efetivas. A Justiça não está levandoaposta ganha 10 milconta as evidências científicas e um sentidoaposta ganha 10 milpolítica pública", aponta Chieffi, acrescentando que a demanda judicial por insulina é muito comumaposta ganha 10 mildiversos Estados, apesar da assistência dada pelos governos a diabetes ser razoavelmente satisfatória.
"Esse tipoaposta ganha 10 mildemanda desorganiza a política pública. Mas não sou contra a judicialização: ela nem sempre é ruim", ressalta a pesquisadora, para quem,aposta ganha 10 miltodo este cenário, "os pacientes estão no seu direito: precisandoaposta ganha 10 milmedicamentos".
Segundo a pesquisaaposta ganha 10 milChieffi, dos 20 medicamentos mais demandados no Estadoaposta ganha 10 milSão Pauloaposta ganha 10 mil2010 a 2014, somente quatro não tinham algum tratamento similar no SUS.
O TCU também apontou para o descompasso entre as avaliações da Justiça e dos governos. Segundo o relatório do tribunal, sensibilizados pela históriaaposta ganha 10 mildoença da pessoa que pede remédios na Justiça, os magistrados frequentemente desconsideram o custo-efetividadeaposta ganha 10 milsua decisão - ou seja, a alocaçãoaposta ganha 10 milrecursos que, idealmente, possam contribuir muito para a condiçãoaposta ganha 10 milsaúdeaposta ganha 10 milmuitas pessoas.
De acordo com o documento, um "aspecto preocupante" é a interpretação, pelo Poder Judiciário, da saúde "como um direito absoluto".
Um bom exemplo
Mas, segundo Sampaio, a judicialização pode ampliar o direito à saúde na medidaaposta ganha 10 milque o Executivo observa as tendências do que é demandado nos tribunais - chegando a um modelo parecido com os tratamentos para a Aids hoje, com comprasaposta ganha 10 milremédios e tratamentos centralizados e organizados, polosaposta ganha 10 miltratamento que são referência e cadastroaposta ganha 10 milpacientes.
Curiosamente, a revisão bibliográfica feita pela auditoria do TCU mostra que a reinvindicação por tratamentos para a Aids foi talvez um dos primeiros marcos da judicialização da saúde no Brasil, ainda na décadaaposta ganha 10 mil1990 - hoje, demandas na Justiça por tratamentos para a doença estão longe das carências mais solicitadas.
"A judicialização poderia estar norteando o Executivo", sugere Sampaio.
Apesaraposta ganha 10 mildefender o acesso à Justiça como um direito, o presidente da ABRAM reconhece que a judicialização tem um lado prejudicial também para os pacientes: "Mesmo com uma decisão favorávelaposta ganha 10 milum juiz, ela pode ser reformada a qualquer momentoaposta ganha 10 milinstâncias seguintes, ainda que tenha cumprido todos os requisitos, como uma perícia comprovando a necessidade do tratamento".
Citada por Sampaio, a possibilidadeaposta ganha 10 miluma decisão a favor do paciente ser derrubadaaposta ganha 10 milinstâncias superiores tem como exemplo extremo os dois recursos extraordinários que esperam julgamento no Supremo. Em um deles, o governo do Rio Grande do Norte questiona a obrigaçãoaposta ganha 10 milfinanciar medicamento não listado pelo SUS a uma paciente;aposta ganha 10 miloutro, o Estadoaposta ganha 10 milMinas Gerais contesta a obrigaçãoaposta ganha 10 milfornecer um remédio não registrado pela Anvisa.
Em 2016, o início do julgamento mobilizou diversos gruposaposta ganha 10 milpacientes com doenças raras e a opinião pública, mas a pautaaposta ganha 10 milplenário foi interrompida no finalaposta ganha 10 milsetembro por um pedidoaposta ganha 10 milvista pelo ministro Teori Zavascki - morto três meses depois.
Sampaio teme pela decisão da corte - segundo ele, pode ser decretada uma "eugenia" caso o STF negue o direito a remédios não listados pelo SUS e Anvisa. "Temo pela decisão do STF. Pode ser decretada a morteaposta ganha 10 milmuitas pessoas", diz.
Ao mesmo tempo, Sampaio afirma que a demora para que o julgamento seja retomado também é prejudicial, uma vez que as instâncias inferiores aguardam a definição do Supremo. Segundo dados obtidos pelo TCU, há pelo menos 22,9 mil processos paralisadosaposta ganha 10 milinstâncias inferiores à espera da decisão sobre os dois recursos no STF.
Por outro lado, procuradoresaposta ganha 10 mildiversos Estados que são parte nos processos defenderam, nas sessõesaposta ganha 10 miljulgamento ocorridasaposta ganha 10 mil2016, que os recursos que podem ser desviados por vias judicias para beneficiar uma pessoa, poderiam fazer muita falta na vidaaposta ganha 10 miloutras.
"(...) Pensem Vossas Excelências: qual o interesse maior do Estado? Destinar milharesaposta ganha 10 milreais para atender a um único cidadão, prestando-lhe medicamentoaposta ganha 10 milalto custo, ou destinar essa mesma quantia a políticas básicasaposta ganha 10 milsaúde, atendendo a centenasaposta ganha 10 milcidadãos?", diz um trecho do recurso aberto pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte.
"É preciso fazer uma reflexão séria e isenta a respeito do assunto, visto que a emoçãoaposta ganha 10 milver um pedido muitas vezes legítimo tem levado ao esvaziamento dos cofres públicos destinados às políticas e ações sociaisaposta ganha 10 milsaúde", conclui.