Luta pela vida, reforço da desigualdade ou gasto desenfreado? A díficil equação da judicialização da saúde:ecovoucher casino

Estantes com remédios

Crédito, PA

Legenda da foto, Segundo TCU, gastos do Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais passaramecovoucher casinoR$ 70 milhõesecovoucher casino2008 para maisecovoucher casinoR$ 1 bilhãoecovoucher casino2015

A expectativa dos governos é que a decisão do Supremo seja capazecovoucher casinointerromper um cicloecovoucher casinoquebra dos planejamentosecovoucher casinosaúdeecovoucher casinotodo o país. Já pacientes e familiares que buscam remédios na Justiça vivem a afliçãoecovoucher casinopoder ter seus pleitos barrados.

Nos últimos 12 mesesecovoucher casinoque o processo ficou parado nos escaninhos do STF, alguns estudos têm apontado para a complexidade do assunto.

Uma das questões é a possibilidadeecovoucher casinoque a judicialização da saúde reforce a desigualdade entre ricos e pobres no país no acesso à saúde. Por outro lado, o avanço na inclusãoecovoucher casinomedicamentos distribuídos pelo SUS parece,ecovoucher casinoalguns casos, acontecer por força das demandas judiciais. Há ainda suspeitasecovoucher casinoque o fenômeno sirva como ferramentaecovoucher casinolobby para laboratórios e possibilidadeecovoucher casinoenriquecimento para advogados.

Judicialização reproduz desigualdade?

Um grupoecovoucher casinoespecialistas tem argumentado que, alémecovoucher casinodificultar o equilíbrio entre o direito dos indivíduos à saúde e as limitações dos recursos públicos, a judicialização tem beneficiado relativamente mais pessoas com recursos, espelhando a desigualdades entre ricos e pobres no país.

Essa é a conclusãoecovoucher casinodois estudos recentes sobre o tema: um publicado como teseecovoucher casinodoutorado na USP pela pesquisadora Ana Luiza Chieffi e outro, como auditoria do Tribunalecovoucher casinoContas da União (TCU).

Segundo Chieffi, a questão da desigualdade é evidenteecovoucher casinoSão Paulo. Ela constatou que, entre 2010 e 2014, dos 56 mil processosecovoucher casinoque o Estado foi obrigado a fornecer algum tipoecovoucher casinoproduto relacionado à saúde, as ações foram protagonizadas por advogados privadosecovoucher casino64% dos casos, seguidosecovoucher casinolonge por defensores públicos (13,8%) e promotores (9%).

Além disso,ecovoucher casinoquase metade das ações (47,8%), as receitas que levaram a processos também foram prescritas por médicosecovoucher casinoclínicas privadas. Assim, na prática, quem precisa mais e tem menos recursos para se socorrer tem menos acesso a esse tipoecovoucher casinodemanda judicial.

"A ação judicial está concentrada nas camadas menos vulneráveis, por isso, estes e outros dados mostram que a judicialização acentua a desigualdade no acesso à saúde" ecovoucher casino , afirma Chieffi, que verificou também aumentoecovoucher casino63% no volumeecovoucher casinodemandas judiciais para fornecimentoecovoucher casinoprodutos relacionados à saúde no Estadoecovoucher casino2010 a 2014.

O TCU registrou situação parecida. De acordo com a auditoria, os gastos do Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais passaramecovoucher casinoR$ 70 milhõesecovoucher casino2008 para maisecovoucher casinoR$ 1 bilhãoecovoucher casino2015.

Dos doze tribunais que forneceram dados referentes aos representantes das ações, quatro apresentaram advogados privados como protagonistasecovoucher casinomaisecovoucher casino50% das ações; outros quatro tiveram defensores públicos como majoritários. Somente o Tribunalecovoucher casinoJustiça do Paraná apontou para a atuação do Ministério Público como majoritária.

O TCU afirma que a atuação do Ministério Público,ecovoucher casinogeral, é "bastante reduzida", e um baixo índiceecovoucher casinoações coletivas por medicamentos reforça o caráter individual da judicialização por saúde no Brasil.

Remédios na prateleira
Legenda da foto, Novos estudos mostram que judicialização acentua desigualdade no acesso à saúde | Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

Segundo o estudo do tribunal, tal característica acaba gerando inequidade no acesso à saúde, já que pacientes que obtiveram decisões judiciais favoráveis são priorizados, "em detrimento dos demais usuários inseridos no SUS".

Por email, o ministro do TCU Bruno Dantas, relator da auditoria, afirmou que esta inequidade se relaciona a outra: a desigualdade social no país.

"Há uma relativa facilidadeecovoucher casinoacesso à Justiça e uma alta probabilidadeecovoucher casinosucesso nas ações judiciais dessa natureza, superior a 80% no Brasil. À primeira vista, esse dado seria positivo, se não fosse um detalhe perverso:ecovoucher casinorazão dos custos processuais, as ações tendem a afastar os mais pobres", disse.

"Isso quer dizer que a judicialização no Brasil, no lugarecovoucher casinobeneficiar grupos mais vulneráveis, como quis a Constituição e como deseja qualquer sistema amparado na solidariedade social, pode estar intensificando as iniquidades já existentes na ofertaecovoucher casinoserviços à saúde", acrescentou Dantas.

"O dinheiro inicialmente alocado para a execução da política públicaecovoucher casinosaúde, dirigido a todos, é redirecionado para atender a demanda individualecovoucher casinoquem tem acesso à Justiça", completa.

Antesecovoucher casinotudo, um direito

Por outro lado, pacientes com doenças raras e seus parentes também têm acompanhado com muita expectativa as pautas da corte.

Segundo Sérgio Sampaio, presidente da Associação Brasileiraecovoucher casinoAssistência à Mucoviscidose (ABRAM), a Justiça é a única alternativa para muitos pacientes diante da demora dos governosecovoucher casinoregularizar e incluir medicamentos na lista do SUS, e às vezes até mesmoecovoucher casinofornecer dispositivos assistenciais que claramente são obrigação do poder público.

É o caso do filhoecovoucher casinoSampaio, hoje com 30 anos e portador da mucoviscidose (doença rara conhecida também como fibrose cística, que causa o acúmuloecovoucher casinosecreções no pulmão eecovoucher casinooutras partes do corpo, levando a graves problemas respiratórios e digestivos). Ele tem conseguido antibióticos importados ainda sem registro na Anvisa graças a um Termoecovoucher casinoAjustamentoecovoucher casinoConduta entre o Ministério Público e o governo do Paraná.

A doença é desafiadora, pois torna os pacientes vulneráveis a infecções, eventualmente levando a uma ampla resistência aos antibióticos existentes.

"Quem paga o preço da criminalização da judicialização são as doenças raras. Isso pela gravidade destas doenças, pela dificuldadeecovoucher casinodiagnóstico e pelo preço das drogas, que por vezes são muito restritas. É muito fácil o Estado falar dos milhões que gasta, sem garantir tratamentos", aponta o presidente da ABRAM.

Para ele, a "criminalização da judicialização", ou seja, o argumentoecovoucher casinoque tais processos são danosos aos cofres públicos, é um discurso que ataca a "população que exerce o direito sagrado à vida". "Você não vai ficarecovoucher casinobraços cruzados vendo um filho, uma mãe ou um pai sucumbindo", diz Sampaio.

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Legenda da foto, Manifestantes protestamecovoucher casinofrente ao STFecovoucher casino2016; expectativaecovoucher casinotornoecovoucher casinojulgamento na corte é alta

Em nota, o Ministério da Saúde assegurou que a pasta "cumpre o prazo legal para avaliação e incorporação"ecovoucher casinomedicamentos ofertados gratuitamente aos brasileiros.

"A atual gestão já incorporou importantes tecnologias ao SUS, como o Dolutegravir (utilizado no tratamentoecovoucher casinoHIV) e o 4ecovoucher casino1 (Veruprevir, Ritonavir, Ombitasvir e Dasabuvir), utilizado no tratamentoecovoucher casinohepatite C", afirmou a pasta.

"Além disso, a nova Relação Nacionalecovoucher casinoMedicamentos Essenciais - Rename 2017, que define os medicamentos que devem atender às necessidadesecovoucher casinosaúde prioritárias da população no SUS, conta com 869 itens, contra 842 da ediçãoecovoucher casino2014."

Descompasso entre os governos e a Justiça

Diferente do caso das doenças raras citado por Sampaio, boa parte das demandas judiciais relacionadas à saúde recorrem a remédios para doenças crônicas que têm similares no sistema públicoecovoucher casinosaúde ou que podem não ter tido a eficácia reconhecida por autoridades brasileiras.

É o que tem acontecidoecovoucher casinoSão Paulo. Segundo o estudoecovoucher casinoChieffi, entre os medicamentos mais demandados entre 2010 e 2014, os dois no topo da lista são as insulinas glargina e asparte (somando 5,3 mil processos). Ambas já haviam tido a inclusão no SUS negada pelo Ministério da Saúde - que concluiu não haver comprovaçãoecovoucher casinoque esses tratamentos seriam superiores aos já disponibilizados ao público. Posteriormente, a insulina asparte foi incorporada.

"Essas insulinas que são demandadas são tão boas quanto as disponibilizadas pelo SUS. Apesarecovoucher casinodarem mais conforto para o paciente, elas não são custo-efetivas. A Justiça não está levandoecovoucher casinoconta as evidências científicas e um sentidoecovoucher casinopolítica pública", aponta Chieffi, acrescentando que a demanda judicial por insulina é muito comumecovoucher casinodiversos Estados, apesar da assistência dada pelos governos a diabetes ser razoavelmente satisfatória.

"Esse tipoecovoucher casinodemanda desorganiza a política pública. Mas não sou contra a judicialização: ela nem sempre é ruim", ressalta a pesquisadora, para quem,ecovoucher casinotodo este cenário, "os pacientes estão no seu direito: precisandoecovoucher casinomedicamentos".

Segundo a pesquisaecovoucher casinoChieffi, dos 20 medicamentos mais demandados no Estadoecovoucher casinoSão Pauloecovoucher casino2010 a 2014, somente quatro não tinham algum tratamento similar no SUS.

O TCU também apontou para o descompasso entre as avaliações da Justiça e dos governos. Segundo o relatório do tribunal, sensibilizados pela históriaecovoucher casinodoença da pessoa que pede remédios na Justiça, os magistrados frequentemente desconsideram o custo-efetividadeecovoucher casinosua decisão - ou seja, a alocaçãoecovoucher casinorecursos que, idealmente, possam contribuir muito para a condiçãoecovoucher casinosaúdeecovoucher casinomuitas pessoas.

De acordo com o documento, um "aspecto preocupante" é a interpretação, pelo Poder Judiciário, da saúde "como um direito absoluto".

Profissional da saúde observa realizaçãoecovoucher casinotomografia
Legenda da foto, Documento do TCU destaca que é preciso considerar custo-efetividadeecovoucher casinotratamentos financiados com dinheiro público | Foto: Camila Souza/GOVBA

Um bom exemplo

Mas, segundo Sampaio, a judicialização pode ampliar o direito à saúde na medidaecovoucher casinoque o Executivo observa as tendências do que é demandado nos tribunais - chegando a um modelo parecido com os tratamentos para a Aids hoje, com comprasecovoucher casinoremédios e tratamentos centralizados e organizados, polosecovoucher casinotratamento que são referência e cadastroecovoucher casinopacientes.

Curiosamente, a revisão bibliográfica feita pela auditoria do TCU mostra que a reinvindicação por tratamentos para a Aids foi talvez um dos primeiros marcos da judicialização da saúde no Brasil, ainda na décadaecovoucher casino1990 - hoje, demandas na Justiça por tratamentos para a doença estão longe das carências mais solicitadas.

"A judicialização poderia estar norteando o Executivo", sugere Sampaio.

Apesarecovoucher casinodefender o acesso à Justiça como um direito, o presidente da ABRAM reconhece que a judicialização tem um lado prejudicial também para os pacientes: "Mesmo com uma decisão favorávelecovoucher casinoum juiz, ela pode ser reformada a qualquer momentoecovoucher casinoinstâncias seguintes, ainda que tenha cumprido todos os requisitos, como uma perícia comprovando a necessidade do tratamento".

Citada por Sampaio, a possibilidadeecovoucher casinouma decisão a favor do paciente ser derrubadaecovoucher casinoinstâncias superiores tem como exemplo extremo os dois recursos extraordinários que esperam julgamento no Supremo. Em um deles, o governo do Rio Grande do Norte questiona a obrigaçãoecovoucher casinofinanciar medicamento não listado pelo SUS a uma paciente;ecovoucher casinooutro, o Estadoecovoucher casinoMinas Gerais contesta a obrigaçãoecovoucher casinofornecer um remédio não registrado pela Anvisa.

Em 2016, o início do julgamento mobilizou diversos gruposecovoucher casinopacientes com doenças raras e a opinião pública, mas a pautaecovoucher casinoplenário foi interrompida no finalecovoucher casinosetembro por um pedidoecovoucher casinovista pelo ministro Teori Zavascki - morto três meses depois.

Sampaio teme pela decisão da corte - segundo ele, pode ser decretada uma "eugenia" caso o STF negue o direito a remédios não listados pelo SUS e Anvisa. "Temo pela decisão do STF. Pode ser decretada a morteecovoucher casinomuitas pessoas", diz.

A sede do STF
Legenda da foto, Julgamento no STFecovoucher casinorecursos relacionados à judicialização da saúde está parado há um ano | Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

Ao mesmo tempo, Sampaio afirma que a demora para que o julgamento seja retomado também é prejudicial, uma vez que as instâncias inferiores aguardam a definição do Supremo. Segundo dados obtidos pelo TCU, há pelo menos 22,9 mil processos paralisadosecovoucher casinoinstâncias inferiores à espera da decisão sobre os dois recursos no STF.

Por outro lado, procuradoresecovoucher casinodiversos Estados que são parte nos processos defenderam, nas sessõesecovoucher casinojulgamento ocorridasecovoucher casino2016, que os recursos que podem ser desviados por vias judicias para beneficiar uma pessoa, poderiam fazer muita falta na vidaecovoucher casinooutras.

"(...) Pensem Vossas Excelências: qual o interesse maior do Estado? Destinar milharesecovoucher casinoreais para atender a um único cidadão, prestando-lhe medicamentoecovoucher casinoalto custo, ou destinar essa mesma quantia a políticas básicasecovoucher casinosaúde, atendendo a centenasecovoucher casinocidadãos?", diz um trecho do recurso aberto pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte.

"É preciso fazer uma reflexão séria e isenta a respeito do assunto, visto que a emoçãoecovoucher casinover um pedido muitas vezes legítimo tem levado ao esvaziamento dos cofres públicos destinados às políticas e ações sociaisecovoucher casinosaúde", conclui.