O que a Lava Jato revela sobre a origem 'mágica' do Direito:pênalti aposta

Acrópolepênalti apostaAtenas

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Legenda da foto, Surgido a partirpênalti apostamitos gregos, o direito guarda semelhanças com o universo mítico-religioso
Estátua da Justiça

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Legenda da foto, A estátua da Justiça tem origem na deusa grega Têmis

Deusa da Justiça

Nos tempos do poeta Homero, conta Solon, a deusa Têmis personificava os ideaispênalti apostajustiça. Segunda esposapênalti apostaZeus, filhapênalti apostaUrano e Gaia, era também Têmis quem mantinha a ordem no Olimpo, a morada dos deuses.

Solon diz que a deusa era representada por um montepênalti apostapedras, o que indicava a firmeza da justiça. Na ágora, espaçopênalti apostadiscussão onde também havia pedras, reis se reuniam para tomar decisões guiados por decretos divinos.

Séculos mais tarde,pênalti apostaRoma, Têmis se transformou na deusa Iustitia, origem do termo justiça. Hoje, estátuas da deusa,pênalti apostaolhos vendados e balança à mão, guardam a entradapênalti apostamuitos tribunais no Ocidente.

Com o tempo, muitos Estados se tornaram laicos, e Direito e religião se separaram formalmente. Porém, para alguns pensadores - como os filiados ao realismo jurídico, movimento que despontou nos EUA e na Escandinávia no início do século passado - essa cisão nunca ocorreu pra valer.

Na tese "A César o que épênalti apostaDeus: Magia, Mito e Sacralidade do Direito", defendida na USPpênalti aposta2008, o jurista e diplomata Rafael Prince analisa as semelhanças entre o Direito e os rituais xamânicos, a feitiçaria e outras práticaspênalti apostapovos ditos "primitivos".

Segundo Prince, o Direito é "um fenômeno mágico", que operapênalti apostamoldes parecidos com ospênalti apostareligiões tradicionais, ainda que muitos juristas o tratem como ciência.

Ritual guarani kaiowá

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Legenda da foto, Segundo juristas, o direito "é um fenômeno mágico", que operapênalti apostamoldes parecidos com ospênalti apostareligiões tradicionais

Ele afirma que, por mais que juízes digam se guiar apenas pela lei ao proferir sentenças, suas decisões sempre têm uma boa dosepênalti apostasubjetividade - o que, para Prince, não significa que a impessoalidade, objetividade e transparência não devam ser perseguidos por legisladores e operadores do Direito.

"O conteúdo das normas do Direito mudou ao longo do tempo, mas a formapênalti apostapensar juridicamente é, por natureza, uma formapênalti apostapensamento mágico ou religioso - uma linguagem mitológica", afirma.

Ele diz que o elo entre magia e Direito é evidenciado, por exemplo, pelo papel que a palavra desempenha nos dois sistemas.

"As palavras são o núcleo do poder mágico", explica o jurista.

Citando o linguista alemão Winfried Nöth, ele afirma empênalti apostatese que a palavra inglesa "spell" significa tanto soletrar quanto fórmulapênalti apostaencantamento, e que "glamour", que no passado significava "bruxaria", tem a mesma raiz que "grammar" (gramática).

"Para o povo, o conhecimentopênalti apostagramática era evidentemente um saber mágico", disse Nöth.

Da mesma forma que um ritualpênalti apostamagia requer a entoaçãopênalti apostacertas palavras, a possepênalti apostaum funcionário público ou um casamento - duas cerimônias regidas pelo Direito - só têm efeito mediante a pronúnciapênalti apostaexpressões específicas.

As palavras são tão poderosas no Direito, diz Prince, que com elas juízes podem "mudar para sempre o destinopênalti apostapobres mortais".

Os paralelos vão além. "As fórmulas mágicas costumam ser barrocas e repetitivas, e não é diferente com os textos jurídicos", afirma Prince.

"O exorcista, por exemplo, ao recitar suas orações e conjurações, deve se mostrar muito mais terrível que o demônio dentro do paciente (...) Da mesma forma, os advogados não poupam esforçospênalti apostafalar numa linguagem rebuscada e incompreensível aos leigos, que, admirados com o impressionante 'juridiquês', não hesitarãopênalti apostaconfiar na capacidade dos doutos bacharéis."

Prince afirma que há várias palavras vaziaspênalti apostasentido no Direito, e que muitos conceitos jurídicos - como propriedade, direito subjetivo e crédito - não têm qualquer significado fora do universo das leis.

E assim como as religiões têm templos, o Direito tem tribunais, espaços igualmente controlados por rígidas regras por onde transitam juízes, advogados e promotores - a quem Prince chamapênalti aposta"sacerdotes da religião jurídica".

Para ter acesso a esses locais, deve-se passar por uma sériepênalti apostaritos, como a graduaçãopênalti apostaDireito e o concurso para a magistratura - processo não muito diferente da iniciação por que passam padres, monges e xamãs, afirma o diplomata.

Ritual malauí

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Legenda da foto, Rituais religiosos tradicionais, como ospênalti apostaetnias do malauí, têm semelhanças com os rituais do direito

Direito e mito

Além da origem comum, Prince diz que Direito e religião têm o mesmo papel na sociedade: "resolver conflitos sociais, ao conciliar, empênalti apostaestrutura harmônica, expectativas e valores dissonantes".

Quando um juiz define uma pena para um crime, está compensando o crime com outro ato e agindo para restabelecer o equilíbiro quebrado pelo criminoso.

"O processo judicial, empênalti apostaforma e linguagem, é um meiopênalti apostareviver mitos fundamentais da nossa sociedade", diz Prince.

No caso da Lava Jato, ele afirma que o mitopênalti apostaquestão é opênalti apostaque "os maus devem ser punidos".

Segundo o jurista, no imagináriopênalti apostamuitos brasileiros, os procuradores da operação e o juiz Sérgio Moro são vistos como figuras míticas que "vão salvar o paíspênalti apostatodo o mal".

Ele alerta para o risco, porém,pênalti apostaque os holofotes façam o juiz abandonar o papel sagradopênalti apostamediador, convertendo-sepênalti apostaoutro arquétipo mitológico: "o inquisidor, o herói paladino da justiça".

"Isso, sem dúvida, é ruim para a legitimidade do Judiciário - alémpênalti apostailegal."

Falsa religião

Para Ari Solon, professor da USP, a Lei das Doze Tábuas - legislação na origem do Direito romano - é a base dos processos da Lava Jato.

O documento, que codificou delitos e definiu penas para malfeitos, marcou o iníciopênalti apostauma era na qual governos passaram a aprovar leis aplicáveis a todos os cidadãos. Solon diz que, ao sistematizar mitos e valores arraigados na população, o Direito romano surgiu como uma "força ética".

Ilustraçãopênalti apostapessoas lendo a Lei das Doze Tábuas

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Legenda da foto, A Lei das Doze Tábuas codificou delitos e definiu penas para malfeitos, marcando o iníciopênalti apostauma era na qual governos passaram a aprovar leis aplicáveis a todos os cidadãos

Para ele, o elo entre Direito e ética se fragilizou desde então. "O Direito foi se afastandopênalti apostasua essência e virando algo só formal: uma falsa religião."

Solon diz que, para resgatar os valores originais grecorromanos, pode ser útil estudar como se organizam povos que não foram engolidos pelo Direito ocidental, como indígenas brasileiros.

Esses grupos, segundo o professor, podem nos mostrar outras formaspênalti apostaconciliar mitos e regraspênalti apostaconvívio - ainda que, para alguns, eles ainda vivam na "Idade da Pedra".

Solon então lembra o elo entre o Direito e as pedras que simbolizavam Têmis, a deusa grega da justiça. As pedras, conta ele, também abundavam no Monte Sinai, onde foi revelada a Moisés a Torá, o livro sagrado do Judaísmo.

"Não é chocante que todos adorem a pedra", diz o professor.

"Há paradigmas comuns a todas as civilizações. A religião tem que vir da concretude."