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Lula não unificará esquerda se propuser 'mais do mesmo', diz líder dos sem-teto:blazer betano
Para ele, a realizaçãoblazer betanoeleições diretas para substituir Temer é a única maneirablazer betanobarrar as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo governo.
Formadoblazer betanofilosofia na USP e professorblazer betanopsicanálise, Boulos ingressou no MTSTblazer betano2002. Hoje, aos 34 anos, é tido como um dos mais influentes representantesblazer betanomovimentos sociaisblazer betanoesquerda no Brasil - e também um dos principais alvosblazer betanogruposblazer betanodireita, que o criticam por seu papel à frenteblazer betanoocupações sem-teto.
Ele conversou com a BBC Brasil num caféblazer betanoBrasília na última quinta-feira, um dia após participar da manifestação na Esplanada dos Ministérios contra o governo Temer. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
blazer betano BBC Brasil - Qual o melhor desfecho para o impasse atual na política?
blazer betano Guilherme Boulos - O governo Temer perdeu qualquer condiçãoblazer betanoseguir adiante. Ele já não tinha legitimidade e agora perdeu a condição política. E qualquer saída que possa ser pensada pelo Congresso, via eleição indireta, é um acinte, é inadmissível, porque temos o Congresso mais desmoralizado, com menos autoridade, da história da República.
A única saída é chamar o povo a decidir por meioblazer betanoeleições diretas. Eleições gerais, ainda que as presidenciais sejam mais factíveis num primeiro momento. Esse seria o início da saída para a crise.
blazer betano BBC Brasil - Como convocar diretas sem violar a Constituição?
blazer betano Boulos - Uma via é a PEC (Propostablazer betanoEmenda à Constituição 227, do deputado federal Miro Teixeira, da Rede-RJ) tramitando no Congresso. Outra é a possibilidadeblazer betanocassação da chapa (Dilma-Temer) pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A lei eleitoral prevê que,blazer betanocasoblazer betanocassaçãoblazer betanochapa, chamam-se eleições diretas, a não ser nos últimos seis mesesblazer betanomandato.
Há quem diga que isso conflita com a Constituição. Mas a convocaçãoblazer betanodiretas é factível porque, embora a Constituição diga que cabe ao Congresso eleger o presidente nos dois últimos anosblazer betanomandato, o próprio Congresso abriu mão dessa prerrogativa ao aprovar a lei eleitoral.
O que me espanta é o nívelblazer betanohipocrisiablazer betanopessoas que, há um ano, não tiveram nenhum pudorblazer betanorasgar a Constituição para fazer um impeachment sem crimeblazer betanoresponsabilidade e agora vêm encher a boca para falar que uma saída que devolve a soberania popular é inconstitucional.
blazer betano BBC Brasil - Há chancesblazer betanoque, pela saídablazer betanoTemer, movimentosblazer betanoesquerda se unam nas ruas aos manifestantes que defendiam o impeachmentblazer betanoDilma? Você marcharia ao lado desses grupos?
blazer betano Boulos - Os manifestantes que foram às ruasblazer betanoverde-amarelo e defenderam o impeachment muitas vezes o defenderam por um sentimento contra a corrupção, ou depois até perceberam que foramblazer betanoparte manipulados por setores políticos e midiáticos. Eles também estão contra o Temer, são contra as reformas e defendem eleições diretas. São bem-vindos nas nossas manifestações e nós queremos trazê-los.
Outra coisa são os movimentos Vem pra Rua e MBL (Movimento Brasil Livre). Com essa turma não vemos possibilidadeblazer betanomarchar, porque são movimentos que perderam qualquer credibilidade. Venderam o peixeblazer betanoque o impeachment era para acabar com a corrupção e tirar o país da crise, mas veja onde estamos.
Uma turma que até semana passada estava apoiando entusiasticamente o Michel Temer, fazendo manifestações chapa branca, agora quer se colocar nesse processo?
blazer betano BBC Brasil - As cenasblazer betanodestruição no último protestoblazer betanoBrasília não podem afugentar manifestantes nos próximos atos?
blazer betano Boulos - Quem foi responsável pela violência foi a polícia. Foi ela quem iniciou o processo, ao atacarblazer betanomaneira desproporcional as pessoas. Quem estava lá viu um aparatoblazer betanoguerra, bombas sendo atiradasblazer betanohelicópteros, muita gente ferida. Só do MTST tivemos dois militantes com ferimentos sérios no rosto, e houve gente ferida por munição letal.
Isso também gera uma animosidade. As pessoas viajam dias pra chegarblazer betanoBrasília para uma manifestação e, quando chegam perto do Congresso, são recebidas a porrada e bomba. Qualquer reação a isso é legítima.
blazer betano BBC Brasil - Há algum nome que você apoiaria numa eleição direta?
blazer betano Boulos - Neste momento, não. A discussãoblazer betanoeleições diretas é necessária para barrar a agenda que está sendo aplicada no país. As diretas são a única maneirablazer betanobarrar politicamente essa agenda. Duvido muito que alguém que prometa numa eleição liquidar a aposentadoria e acabar com direitos trabalhistas conquistados há 80 anos vá chegar a 1%blazer betanovotos no Brasil.
Quando dissemos que o que ocorreu no ano passado foi um golpe, não foi apenas por razões jurídicas. Foi um golpe também do pontoblazer betanovista da agenda política. Essa agenda (de Temer) não passou pelo crivo das urnas. Se houver eleições indiretas, conhecendo o perfil do Congresso, éblazer betanose esperar que quem entre esteja comprometido com a mesma agenda antipopular.
blazer betano BBC Brasil - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o ex-presidente FHC (PSDB) e o ex-ministro Nelson Jobim (PMDB) são alguns dos principais nomes cotados para uma eventual eleição indireta. Algum deles teriablazer betanopreferência?
blazer betano Boulos - Nenhum. Sobre eleição indireta, não vamos nem discutir, somos contra esse processo. É vergonhoso que uma parte da esquerda brasileira entre nesse balcãoblazer betanonegócios ilegítimoblazer betanonomes para uma eleição indireta.
No Brasil,blazer betanosituaçõesblazer betanocrise profunda, sempre se construíram soluções conservadoras eblazer betanocúpula. Acho que tem mais uma sendo preparada. A Globo e uma parte do establishment se deram contablazer betanoque esse sistema político chegou ao seu limite. Quando um sistema perde a legitimidade, o risco do povo se organizar e derrubá-lo é real, e a Casa Grande no Brasil tem tremeliques sóblazer betanopensar nisso.
Tal como (o general) Golbery (1911-1987) fez na transição para este sistema democrático cheioblazer betanolimites, tem um povo percebendo que não dá mais. A bandeira é o combate à corrupção, e quem pode expressar uma transição é o Judiciário. Com um Executivo caindo pelas tabelas e um Legislativo desmoralizado, quem tem ocupado o vácuo no poder é o Judiciário.
Esses setores resolveram apostar nessa saída porque acham que dessa maneira poderiam aplicar as agendas deles com mais apoio social. Quando se aventa o nomeblazer betanoCármen Lúcia, quando aparece nas pesquisas o nomeblazer betanoSergio Moro... Ninguém cria um herói nacional para deixá-lo mofando na Varablazer betanoCuritiba.
É preocupante que setores usem a insatisfação com Temer e a indignação legítima contra a corrupção para impor novos arranjosblazer betanocúpula que podem implicar saídas autoritárias e uma judicialização perigosíssima da política.
blazer betano BBC Brasil - Muitos na esquerda torcem por uma candidaturablazer betanoLula numa eventual eleição direta. Não seria uma estratégia arriscada, dada a alta rejeição que ele tem?
blazer betano Boulos - O Lula tem direitoblazer betanoser candidato, seja agora oublazer betano2018, e tentativasblazer betanobarrá-lo no tapetão são antidemocráticas e visivelmente casuísticas.
Tem que ver com qual programa Lula vai ser candidato, porque se for com o programa - e às vezes sinaliza-se nesse sentido -blazer betanomais do mesmo,blazer betanorecompor com os mesmos partidos que agora estão fazendo essa agenda e deram o golpe,blazer betanonão ousar propor mudanças mais estruturais, será um programa que não unificará a esquerda brasileira.
blazer betano BBC Brasil - Uma candidatura do Lula não sufocaria outras candidaturas à esquerda? Ele ainda não é uma figura muito dominante nesse campo?
blazer betano Boulos - É claro que é. Ele é a maior liderança social que o país produziu talvez nablazer betanohistória. Agora, o que fazer? Para construir uma alternativa tem que inviabilizar o Lula? Não dá, isso é parte do jogo.
Cabe à esquerda que tenha posicionamentos críticos ao Lula apresentar um programa alternativo a esse e se apresentar não só no processo político eleitoral, mas também nas ruas, construindo bases sociais para esse programa.
blazer betano BBC Brasil - Ainda que Lula venha a ser inocentado na Justiça, ele não traiu bandeiras da esquerda ao se aproximar tão intensamenteblazer betanograndes grupos empresariais? Ainda há condições para que o PT, que teve tantos políticos presos e condenados, represente a esquerda?
blazer betano Boulos - O Lula e o PT pagam o preço da opção que tomaram. Quando chegaram ao governo, poderiam ter enfrentado o sistema político. Esse sistema está baseado na corrupção: a corrupção não é um acidente, é a normablazer betanofuncionamento para obter maioria parlamentar, para conseguir dinheiro para o financiamentoblazer betanocampanha, favorecendo as empresas depois. Isso não foi o PT que inventou, é a natureza do sistema.
Poderiam ter dito "não dá assim, vamos chamar uma Constituinte, vamos mudar isso". Há quem diga "ah, mas aí não teriam maioria congressual". É óbvio que não teriam. Se alguma esquerda acha que vai fazer governoblazer betanoesquerda no Brasil com maioria congressual, não está entendendo o que se passa.
Setores democráticos e progressistas nunca tiveram maioria no Parlamento brasileiro com esse modoblazer betanose eleger. A única formablazer betanohaver um governoblazer betanoesquerda é apelando à mobilização popular para pressionar o próprio Congresso. Governabilidade não é só uma lógica tacanha, ela tem que ser construída nas ruas.
Lula e o PT optaram por outro caminho. Eles mantiveram o tipoblazer betanoaliança com parte do empresariado que banca as campanhas eleitorais. Foi um erro brutal, e o fatoblazer betanonão terem inventado esse método não os isenta. Tudo que ocorreu depois é consequência dessa opção política profundamente equivocada.
blazer betano BBC Brasil - O PSOL ou algum outro partido pode preencher o espaço outrora ocupado pelo PT na esquerda brasileira?
blazer betano Boulos - O PT foi o partido hegemônico na esquerda nos últimos 35 anos. Hoje ele perde as condiçõesblazer betanosê-lo. O PSOL é um partido importante, com parlamentares que têm tido atuação correta, mas ainda não ocupa esse papel.
E ainda assim, dentro do PT e na base do PT, há muita gente que quer ser parteblazer betanoum projetoblazer betanoesquerda renovado no Brasil.
Isso passa pela construçãoblazer betanoum novo campo político que não nega o que foi, que tenha capacidadeblazer betanoreconhecer acertos, dialogar e compor com um conjunto do que foi a esquerda brasileira nos últimos 30 anos. Mas que aponte taxativamente para o novo, que reconheça os erros cometidos e os limites da trajetória da esquerda até aqui.
blazer betano BBC Brasil - A Rede, da Marina Silva, entraria nesse campo?
blazer betano Boulos - A Rede da Marina, não. Mas há setores na Rede, minoritários, como o (deputado federal Alessandro) Molon, (o senador) Randolfe Rodrigues, que são parte da construçãoblazer betanouma nova esquerda no Brasil.
Mas isso não pode ser um arranjo partidário. Se for, não funciona. Tem que vir com um caldoblazer betanomobilização social,blazer betanobaixo, com participação ampla, com ativismo popular, com movimentos sociais que estãoblazer betanoluta. A construçãoblazer betanouma nova esquerda no Brasil é à quente, no calor da mobilizações.
Como a gente concretiza um projeto novoblazer betanoesquerda no Brasil que, ao mesmo tempo, não perca a capacidadeblazer betanosonhar, resgate a esperança que foi afogada por um pragmatismo tacanho, e que também seja viável, tenha pé no chão, no barro, na base social? Que seja capazblazer betanomobilizar e influenciar setores da sociedade brasileira? Esse é o grande desafio.
blazer betano BBC Brasil - Você considera se lançar na política?
blazer betano Boulos - O desafio neste momento é produzir um processoblazer betanoresistência popular eblazer betanoluta social no Brasil.
A maior parte da esquerda cometeu um erro muito grande nos últimos 20 anos: paulatinamente, foi tratando as ruas como palco secundário, preocupando-se apenas com disputa institucional. Deixoublazer betanofazer trabalhoblazer betanobase e perdeu a sintonia com parte da sociedade. Temosblazer betanoreconectar as pautas desse campoblazer betanoesquerda à maioria do povo.
Isso pode passar também por processos eleitorais, não descarto isso. Mas tem muita gente já pensandoblazer betano2018, enquanto nosso desafio agora é ganhar 2017. O que está posto para o movimento social brasileiro é não deixar passar o conjuntoblazer betanoretrocessos que nos fariam voltar décadas.
blazer betano BBC Brasil - O que vislumbra para um cenário pós-Temer?
blazer betano Boulos - Há duas possibilidades. Uma éblazer betanoretrocesso democrático,blazer betanofortalecimentoblazer betanomedidasblazer betanoexceção. A alternativa é o aprofundamento da democracia.
Nunca tivemos uma democracia plena no país. Continuamos a ser um dos países com pior distribuiçãoblazer betanorenda do mundo. Temos uma estruturablazer betanoEstado patrimonialista, que funciona como Robin Hood ao contrário, tirando dinheiro dos pobres e da classe média pelo sistema tributário e repassando aos ricos pelos juros da dívida pública.
Não há democracia com o extermínio dos indígenas, com a polícia exterminando a juventude negra todos os dias nas periferias. Outros países da América Latina já trataram temas como o direito ao aborto, os direitos civis da população LGBT. Nós estamos muito atrasados.
blazer betano BBC Brasil - O que propõe para superar a crise econômica?
blazer betano Boulos - Não há mais espaço para uma políticablazer betanoganha-ganha,blazer betanoconciliação, feita pelo PT nos 13 anosblazer betanogoverno. Isso só foi possível porque havia gordura do crescimento econômico, baseado nas commodities e no crescimento da China, mas também numa política acertadablazer betanovalorização do salário mínimo e do crédito popular. Mas se fez política social com manejo orçamentário.
Numa situação internacionalblazer betanoreduçãoblazer betanodemanda, isso não é mais possível. Agora é ganha-perde. Na alternativa aplicada hoje, ganha o andarblazer betanocima, perdem os trabalhadores.
Na outra, ganha a maioria da população e retira-se do 1% privilegiado. Isso significa uma reforma tributária profunda. Tem que taxar grandes fortunas, retomar taxaçãoblazer betanolucros e dividendos que o FHC encerrou nos anos 1990, aumentar a taxaçãoblazer betanolucros dos bancos.
Isso também passa por assumir dívidas históricas, como a reforma agrária, a reforma urbana, enfrentar oligopólios no ramo das comunicações, democratizando-as.
A última vez que se faloublazer betanoreformasblazer betanobase foi no Comício da Central do Brasil,blazer betano1964. O presidente João Goulart levou o golpe 15 dias depois, para você ter uma ideiablazer betanocomo é a Casa Grande. Esse tema precisa ser retomado.
A esquerda brasileira não pode ter medoblazer betanomexer nessa ferida, porque, sem isso, vamos permanecer como a sociedade do 1%.
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