A palmeira que desponta como novo 'ouro verde' do Brasil:

Macaúba

Crédito, Luiz Henrique Berton

Legenda da foto, Palmeira, fruto e viveiromudasmacaúba: potencialespécie nativa anima pesquisadores pelo país

A macaúba (Acronomia aculeata) é um palmeira rústica nativa do Brasil. Atinge5 a 15 metrosaltura e possui espinhos no tronco e nas folhas - daí também ser chamadacoco-espinho. Costuma ser descrita como a palmeiramaior presença no país, praticamente ausente apenas na região Sul, e aguenta bem quando a chuva é pouca.

Aplicações

O fruto tem quatro partes: casca, polpa, endocarpo (parte duravolta da semente) e amêndoa. As mais nobres são a polpa e a amêndoa. A polpa produz um óleo recomendado para biodiesel e bioquerosene, e com as mesmas propriedades do óleodendê - ou seja, já há um mercadoconsumo. E quase não deixa resíduos sem aproveitamento.

O óleo da amêndoa tem características ideais para fabricaçãocosméticos, por facilitar a penetração do produto na pele. Do resultado do processamento dos frutos e da casca, os produtores obtêm uma torta ricaproteínas, boa para alimentar o gado. O endocarpo pode virar carvão ativado, usado para purificar gases e líquidos.

Fruto da macaúba

Crédito, Luiz Henrique Berton

Legenda da foto, Coco da macaúba é comestível, folhas podem ser usadas como forragem e fibra têxtil e parte dura do fruto serve para carvão ativadofiltros

"As tecnologias agrícola e industrial estão consolidadas, o mercado possui demanda para os produtos e os resultados econômicos são impressionantes", afirma Felipe Morbi, diretor da Acrotech, empresa que implantou até o momento 520 hectares da palmeiraJoão Pinheiro (MG).

De imediato, a empresa tem usado a macaúba para recuperar áreas degradadas. A planta é perene, tem raízes fortes que impedem a formaçãoburacos nos pastos e cria um microclima mais ameno e apropriado à diversificação da vida no solo.

Enquanto cuida do terreno, a palmeira produz. No sexto para o sétimo anovida, já concebetrês a quatro toneladasóleopolpa por hectare. "Com o melhoramento, podemos dobrar tranquilamente essa produtividade", diz Luiz Henrique Berton, bolsista da Fapesp (fundaçãoamparo à pesquisaSP)melhoramento genéticomacaúba no Instituto AgronômicoCampinas (IAC).

A soja, por exemplo, principal matéria-prima para biocombustível no Brasil, produz 600 kgóleo por hectare. E o dendê, mesmo após 50 anosmelhoramento genético e, ainda assim, dependente60 litros diárioságuatodos os meses do ano, não passa das cinco toneladas .

Outra vantagem da Acronomia aculeata éfolhagem, bem mais rala do que a do dendezeiro, o que lhe permite ser cultivada com pastagens, por exemplo,sistemas focados na pecuária e voltados à inclusão socialagricultores familiares.

Esse é um dos objetivosum projetoMinas Gerais que venceu uma seleção global do Banco Mundial e já conseguiu US$ 6 milhõesinvestimentos para alavancar a cadeia produtiva da macaúba no país.

Fruto da macaúba

Crédito, Luiz Henrique Berton

Legenda da foto, Óleo usado na produçãobiodiesel é extraído da polpa do coco da macaúba

LocalizadaPatosMinas, região do Alto Paranaíba (MG), a iniciativa da empresa alemã Inocas prevê o plantio adicional da palmeira2 mil hectarespastagem. Os investidores também estãoolho no óleo da amêndoa, valioso na indústriacosméticos, e na torta advinda da exploração do fruto e da casca.

Estudosandamento avaliam que esse co-produto - a torta da amêndoa -, que contém mais30%proteína, poderia complementar a nutrição animal, diminuindo inclusive o tempo finalengorda do gado.

"Com isso podemos falarsegundo andar produtivo nas pastagens", conceitua Johannes Zimpel, diretor executivo da Inocas no Brasil.

Construindo a cadeia

Pragas e doenças também não parecem problema para a palmeira. Seu adensamento é secular, quase 500 plantas por hectare, o que facilita o controleenfermidades. "Ela naturalmente evoluiu como se fosse um plantio comercial, vivendomaciços", diz Berton.

O biólogo lembra que a seringueira, por exemplo, se desenvolveu solitariamente: "Na floresta amazônica, há uma seringueira aqui, outra a 500 metros. Quando se deu início ao plantio comercial, uma do lado da outra, não havia barreira; foi um prato cheio para as pragas."

O que estaria faltando, então, para a macaúba deslancharvez? Um aspecto é o consumo. "Mesmo existindograndes maciços, a macaúba é pouco coletada por não existir um mercado comprador", avalia Haroldo CésarOliveira, consultor do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) na Secretaria EspecialAgricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário.

Frutos da macaúba

Crédito, Luiz Henrique Berton

Legenda da foto, Palmeira produztrês a quatro toneladasóleopolpa por hectare, e capacidade pode aumentar com melhoramento genético

Os trabalhos estariam mais avançadosMinas Gerais, com a produçãosabãoMirabela, no norte do Estado, que também possui contrato com a Petrobras Biocombustíveis, a quem fornecem óleo da polpa para biodiesel.

Em Dores do Indaiá e Luz, na região central mineira, a extração está voltada para o coco inteiro, vendido para a Cooper-Riachão. No Recife, agricultores também comercializam o coco inteiro, mas no mercado São José, para consumo direto, alémpreparar xaropemacaúba, ricovitamina C. Em Corumbá (MS), associaçõesmulheres produzem farinha da polpa e a vendem no mercado local como ingredientebolos, biscoitos, tortas, sorvetes.

Industrialmente, um entrave é a ausênciacultivares comerciais, sementes padronizadas para venda. "Os plantios realizados até o momento sãomudassementesplantas nativas", diz Carlos Colombo, engenheiro agrônomo e pesquisador da áreagenética do IAC.

A legislação nacional não permite a comercializaçãosementes e mudas que não estejam registradas no Ministério da Agricultura. a não ser que sejam usadas para a recomposição da flora nativa, como a das matas ciliares. Em Minas Gerais, no entanto, um projetolei regulamentado2012, permite o cultivo, a extração, a comercialização, o consumo e a transformação da macaúba no Estado. Tanto que Minas Gerais é o único Estado do paísque mudas da palmeira são negociadas e seu plantio é feitoescala comercial.

"Existe muita gente competente envolvida com a macaúba, mas infelizmente não há, até o momento, uma unidade entre pesquisadores, iniciativa privada e órgãos governamentais no intuitocriar uma agenda para a consolidação da palmeira", analisa Morbi. Um workshop, a ser realizadojunho,Campinas, buscará "dar liga" a toda a cadeiaprodução.

"As comunidades indígenas já a usavam para acender tochas, as lamparinasOuro Preto (MG) a tinham como combustível, tem os cosméticos, os produtos farmacêuticos, até um fermentado é feito do tronco da planta, o vinhocoyol", entusiasma-se Berton, cuja foto no WhatsApp mostra o biólogo carregando um cachomacaúba40 kg com maismil frutos - a média é600 por cacho.

"Não tem outra palavra: ela é espetacular; só falta o mercado descobrir isso."