'Brasileiro fica encantado com cidades europeias, mas não reproduz soluções aqui', diz Lerner:arbety site
Leia abaixo os principais trechos da entrevistaarbety siteLerner à BBC Brasil.
arbety site BBC Brasil - Curitiba já foi considerada uma cidade-modelo, a mais verde do planeta. Olhandoarbety siteretrospecto, o que não foi feito para que esses reconhecimentos fossem mantidos?
arbety site Jaime Lerner - O que aconteciaarbety siteCuritiba era um compromissoarbety siteinovação constante - no transporte público, meio ambiente, todas as áreas. E quando se paraarbety siteinovar, as coisas decaem um pouco. Mas não é grave, pode ser retomado - a qualidadearbety sitevida que existia aqui pode ser retomada.
arbety site BBC Brasil - Para isso, o que deve ser feito? Para muita gente, as cidades não têm mais solução.
arbety site Lerner - Nem sempre a inovação é tecnológica. O que falta é a inovação na concepção das cidades. Existe hoje uma modaarbety sitefalararbety sitecidades inteligentes, smart cities, cidades competitivas e outras coisas mais. Isso muitas vezes é só "gadget", não é isso que importa. Atualmente os três grandes problemas da cidades ainda são os mesmos: mobilidade, sustentabilidade e a coexistência.
Quando se analisa mobilidade, você vê o mundo inteiro tentando soluções com basearbety sitetecnologia e performance, ou seja: carros sem motoristas - os driveless cars -, os carros inteligentes, e se esquecemarbety siteque o carro continua ocupando o mesmo espaço na cidade. E isso é grave: tecnologia e performance não diminuíram a dependência do automóvel.
O problemaarbety sitemobilidade é uma questãoarbety siteconcepção da cidade. A cidade tem que ser uma estruturaarbety sitevida, trabalho, lazer, mobilidade, tudo junto. Toda vez que você tenta separar as pessoas - morandoarbety siteum lugar, trabalhandoarbety siteoutro, forçando as pessoas a deslocamentos demorados e difíceis, as coisas não acontecem bem. Quando se separa a população por renda, idade, religião - tudo isso não contribui para a qualidadearbety sitevida da cidade. Precisamos trabalhar mais na concepção.
arbety site BBC Brasil - Quando viajam, os brasileiros elogiam as cidades estrangeiras por iniciativas que, quando propostas aqui, encontram resistência. Por que isso acontece?
arbety site Lerner - O brasileiro às vezes visita uma cidade europeia e fica encantado, mas ele vê isso que mencionei: a misturaarbety siterenda,arbety sitefunções - tudo isso que é importante na vidaarbety siteuma cidade. Ele fica encantado, mas não reproduz as soluções aqui. Quando ele chega aqui, volta a querer separar, a dar prioridade ao automóvel, a se entregar a soluções que não vão fundo no problema.
Por outro lado, há o excessoarbety siteburocracia que,arbety sitegeral, é uma rotina que aqueles que não têm conhecimento procuram forçar, e que acaba com a criatividade. Essa burocracia serve para aqueles que,arbety sitevezarbety sitefazer, criam normas à procuraarbety siteum protagonismo sem conhecimento. Isso também prejudica muito as soluções nas cidades no Brasil.
E outra coisa: como os governos não fazem, então toda vez que uma vizinhança resolve fazer algo num parque, ajuda uma praça ou cria uma solução por iniciativa que parte da própria comunidade, as autoridades acham que estão descobrindo o mundo.
A gente não pode se afastar da boa concepção da cidade, do comprometimento com a inovação e principalmente com a vida das pessoas, com o meio ambiente. Tudo isso vem junto com a cidade, para que ela realmente seja uma respostaarbety sitequalidadearbety sitevida,arbety sitefuturo,arbety siteoportunidades.
O Brasil teria todas as condições para dar grandes exemplos para o mundo. No entanto, nunca tivemos tão perto - e nem tão longe.
arbety site BBC Brasil - Mas dá para atribuir isso somente à faltaarbety sitevontade política?
arbety site Lerner - Na verdade, é o medoarbety sitecomeçar. É querer ter todas as respostas e aprovaçãoarbety sitetodos que leva a decisões políticas equivocadas. Isso é comum hoje no Brasil. O Brasil poderia ser um grande exemplo na áreaarbety sitemobilidade, mas não é porque seguimos complicando o problema, procurando implantar aquilo quearbety siteoutros países já é obsoleto. Esse movimentoarbety sitecopiar o obsoleto faz você comprá-lo como última novidade.
arbety site BBC Brasil - O metrô seria obsoleto, naarbety siteavaliação?
arbety site Lerner - O metrô é obsoleto porque é demorado, caro e não é a única respostaarbety siteum bom sistemaarbety sitemobilidade. A boa resposta tem que estar na adoçãoarbety sitesistemas integrados onde se tenha algumas cidades com duas ou três linhasarbety sitemetrô, mas com grande parte do deslocamento na superfície.
Em São Paulo, maisarbety site80% das pessoas se deslocam na superfície e poderíamos ter um sistemaarbety sitequalidade na superfície, poderíamos "metronizar" o ônibus. Com uma ou duas linhasarbety sitemetrô, se for necessário, com um bom sistemaarbety sitesuperfície, com bicicleta e carro compartilhados. A integraçãoarbety sitetodos esses modais é que leva a um bom sistemaarbety sitemobilidade.
arbety site BBC Brasil - Em São Paulo, o incentivo do uso da bicicleta promovido pela gestão anterior encontrou muita resistência, assim como outras medidas. Que avaliação o senhor faz do conceitoarbety sitecidade do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e da atual gestãoarbety siteJoão Dória (PSDB)?
arbety site Lerner - Eu considero ambos altamente qualificados. O problema no caso do Haddad foi a equipe dele. O Dória está procurando fazer a cidade a agir com a iniciativa privada e com a população. O Haddad teve boas iniciativas, mas muito pouco foi efetivamente realizado, como as propostasarbety siteuso do solo. Coisas que não acontecem não têm efetividade.
O mais importantearbety sitetudo é coragemarbety sitecomeçar. A gente vê hoje que muitas cidades querem ter todas as respostas antes e ao querer ter essas respostas não começam nunca. As coisas que aconteceramarbety siteCuritiba, assim comoarbety siteoutras cidades, se deram porque inovar é começar. O importante é começar.
arbety site BBC Brasil - Mas há uma busca por unanimidade, e as cidades são diversas, habitadas por pessoas muito diferentes. Como conciliar os interesses?
arbety site Lerner - Se você quer fazer acontecer uma coisa, você tem que propor uma ideia, um projeto, um cenário,arbety siteque todos - ou a grande maioria - entendam como desejado. Se entenderem como desejado, irão ajudar a fazer acontecer. Por isso que o que falta nas cidades é proposta, ideia. Às vezes a ideia nasce dos responsáveis pela política, às vezes nasce dos técnicos, e às vezes da própria comunidade. Não importa. O importante é começar a fazer algo e ter esse bate-e-volta necessário.
O planejamento é uma trajetória, onde você começa, mas tem que deixar espaço para que a população corrija quando não estiver no caminho certo. São coisas que podem ser constantemente corrigidas - o que não pode é a omissãoarbety sitetentar.
Ouvi coisasarbety sitearrepiar no Brasil: metrôsarbety sitecidades para resolver o problema da Copa do Mundo. A Copa do Mundo foi um desastre, não só para o futebol como para as cidades que seguiram essas diretrizesarbety sitemobilidade,arbety sitefazer uma linhaarbety sitemetrôarbety siteTeresina, ou ligar um aeroporto a um estádioarbety sitefutebol - soluções caras e que não atendiam a população. Estamos vivendo uma época nova, quando as coisas na Olimpíada caminharam bem melhor.
Sou a favorarbety sitesoluções rápidas, o que chamoarbety site"acupuntura urbana". Acupuntura é uma ação pontual, uma agulhada que consegue conferir energia para a cura. A mesma coisaarbety siterelação à cidade - são algumas intervenções pontuais necessárias e que devem ser feitas rapidamente para ajudar no processoarbety siteplanejamento.
arbety site BBC Brasil - E isso se dariaarbety siteque áreas, que tipoarbety site"acupuntura" seria essa?
arbety site Lerner - Em todas as áreas - mobilidade, meio ambiente, e por aí vai. Temos feito muitas cidades no mundo inteiro, desde projetos aqui no Brasil, comoarbety sitePorto Alegre, as propostas para a região metropolitana do Rioarbety siteJaneiro, algumas cidadesarbety siteAngola, outros projetos no México. É importante que as coisas aconteçam.
Para te dar uma ideia, aqui nós usamos acupuntura também para testar a primeira linha do sistemaarbety sitetransporte BRT e foi a primeira vez no mundo. Hojearbety sitedia nós temos no mundo inteiro 250 cidades com o BRT implantado e 154 milhõesarbety sitepassageiros por dia - e isso começouarbety siteCuritiba.
arbety site BBC Brasil - Atualmente há no Brasil alguma cidade com uma solução que seja um modelo, e que possa ser reproduzida, assim como Curitiba foi há alguns anos?
arbety site Lerner - No Brasil, algumas coisas aconteceram bem no Rioarbety siteJaneiro, porque houve coragem. Alémarbety siteCuritiba, gostariaarbety sitecitar o exemploarbety siteMedellín, na Colômbia, e tambémarbety siteBogotá, a Cidade do México, Seul, Istambul e 250 cidades na China, Estados Unidos e Europa que adotaram o BRT, que é um caminho mais rápido para se melhorar a qualidade do transporte, e com gasto muito mais baixo. Então você pode fazer um sistemaarbety siteboa qualidade,arbety sitemenosarbety sitetrês anos, a um custoarbety site20 a 50 vezes mais barato que o metrô.
arbety site BBC Brasil - Em Curitiba, que parte teve a educação para que seu conceitoarbety sitecidade fosse considerado o desejado pela maioria? Houve campanhasarbety sitereciclagem e personagens criados pela prefeitura para incentivar crianças a mudar o comportamento sobre o meio ambiente, por exemplo.
arbety site Lerner - Sempre tive atenção muito grandearbety siteensinar as cidades para as crianças - porque se elas entenderem as cidades, irão respeitar mais. Mas tem que ter conceito. A concepção é o mais importante e tive a sortearbety siteter uma equipearbety sitejovens profissionais - arquitetos, técnicos, engenheiros ,- gente que não tinha medoarbety sitecomeçar uma ideia. E surgiram tantas ideias - como a da reciclagem do lixo, que foi um sucesso.
Hoje tenho certeza ao dizer que a resposta está na cidade quando se falaarbety sitesustentabilidade. Não adianta a gente criar grandes acordos entre vários países do mundo, que têm políticas e maneirasarbety siteusar a energia muito distintas - não dá para tentar igualar problemas da Índia com os dos Estados Unidos.
Mas na cidade podemos resolver. Se todos nas cidades usassem menos o automóvel, separassem o lixo, e morassem mais perto do trabalho, o problemaarbety sitesustentabilidade earbety sitequalidadearbety sitevida já estaria resolvido. É na cidade que podemos dar uma resposta mais rápida e melhor, conscientizando todas as pessoas.