O Brasil pelos olhosnove crianças refugiadas que vivemSão Paulo:

Refugiados

Crédito, Gui Christ I BBC Brasil

Legenda da foto, Refugiados: novos brasileiros falam sobre a guerra, comer arroz e feijão e aprender a recomeçar

Todos enfrentam ou enfrentaram vários novos desafios, como a língua, a adaptação à nova cultura e a faltaacesso a uma política educacional que atenda melhor às crianças refugiadas.

Mas muitas vezes elas conseguem se adaptar mais facilmente e aprender portuguêsmodo mais rápido que os pais. Adaptam-se também à culinária local, seja ao arroz feijão ou à pizza doce.

' As pessoas lá eram más '

Os irmãos Zaeem,11 anos, e Assad,12 anos, e as irmãs Warda,11 anos, e Sheza,15 anos, viviam bem com os paisRiad, capital da Arábia Saudita, quando a perseguição religiosa mudou suas vidas. A família cristãorigem paquistanesa começou a ser ameaçada por extremistas após o envolvimento do filho mais velho, Shanzee,18 anos, com uma menina muçulmana. Lá, esse tipoatitude pode ser penalizada com a morte por grupos radicais locais.

Zaeem, Warda e Assad

Crédito, Gui Christ / Gringo

Legenda da foto, Os irmãos Zaeem, Warda e Assad vieram para o Brasil após a família ser perseguida na Arábia Saudita

Para sobreviver, a única solução encontrada pelo pai Ijaz Masih foi se mudar para o Brasil, o único país que lhes ofereceu um visto. Hoje eles vivemum abrigo - uma antiga escola primária, sob auxílio da Igreja Presbiteriana no bairro da Penha,São Paulo.

Vivendo há pouco mais2 meses no Brasil, ainda se comunicando apenasinglês, eles ficam sérios quando falam sobre o que viveramRiad, capital da Arábia Saudita. "As pessoaslá eram más", diz o pequeno Zaeem. A irmã mais velha, Sheza, afirma que é um alívio estar no Brasil: "Começaram a nos tratarmodo diferente quando descobriram que éramos cristãos".

Warda, fãfutebol, conta que lá só podia jogar dentrocasa, escondida. Caminhar pela rua, só era possívelhorários restritos. Agora, joga futebol na velha quadra atráscasa com os irmãos a hora que quer. "Lá, toda liberdade era só para eles (os meninos)", conta a garota. As duas, Warda e Sheza, fizeram questãodeixar pelo caminho as roupas muçulmanas, como as abayas, túnicas pretas e longas, e os lenços que tinham que usar na cabeça.

Irmãos brincamPokémon:

Crédito, Gui Christ / Gringo

Legenda da foto, "A gente não entende nada das aulas mas amamos estar aqui!"

Os quatro já frequentam o colégio público do bairro, mas sem nenhum auxílio especial por serem estrangeiros. Quem os ajuda a superar a barreira da língua são os colegasclasse já que apenas um professor fala inglês. Zaeem, o mais falante, exclama "a gente não entende nada das aulas mas amamos estar aqui!". Foi na escola que conheceram o arroz e feijão, que não gostaram muito. "Nós gostamos mesmo écomer pizza doce, coisa que não tinha lá", completa Assad.

Ao descobrirem que seria Dia das Crianças no Brasil, o pedido oficial ditado pela irmã mais velha é por boas notas e um trabalho para os pais. No extra-oficial, Zaeem quer uma bicicleta, Assad, um skate e Warda, claro, uma bolafutebol.

Zaeem, Warda, Assad e Sheza

Crédito, Gui Christ / Gringo

Legenda da foto, Zaeem, Warda, Assad e Sheza: querem ficar no Brasil

' Maria não encontrou João por causa da bruxa '

Jessy,6 anos e Winner,4 anos, chegaram no Brasil no colo da mãe escondidos no porãoum navio vindos do Congo. A mãe, a congolesa Sylvie Mutiene,34 anos, teve que fugir deixando a filha mais velha e o marido para trás por causa da perseguição política.

"Você faz loucuras para salvar avida eseus filhos, eu protegi os que tinha a mão" Para os filhos, ela dizia que o pai tinha ido viajar. Os dois foram se reencontrar ao acaso no Brasil maisum ano depois e hoje moramum pequeno apartamento na zona leste da capital paulista.

Jessy e Winner, que vieram do Congo

Crédito, Gui Christ / Gringo

Legenda da foto, Jessy e Winner chegaram no Brasil no colo da mãe escondidos no porãoum navio vindos do Congo.

Winner se estica e nas pontas dos pés chega perto do gravador para darversão da vidaseus pais. "Quero contar uma história da menina chamada Maria que procurava pelo João. Ela não encontrou o João porque a bruxa má jogou ele na prisão."

A versãoJessy é mais direta: "meu pai foi perseguido pela polícia. Aí ele se escondeu na nossa casa e os policiais bagunçaram tudo e não o acharam porque ele estava num porão".

A menina, que está cursando primeiro ano fundamentaluma escola pública do bairro, já fala bem português e declara orgulhosa que gosta "de matemática e língua portuguesa" e, confiante, acrescenta: "Em todas as lições eu tiro bom, ok ou parabéns. Nunca tiro nota ruim. Eu faço tudo certinho".

Jessy quer voltar para o Congo para ver a avó e a irmã. No ranking dos desejos infantis, porém, os pequenos refugiados vão nos básicos: Jessy quer uma boneca; o pequeno Winner, um videogame.

O congolês Winner

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Legenda da foto, O congolês Winner queria um videogameDia das Crianças

' Aqui não tem guerra '

Abraçadaum cachorrinhopelúcia branco que foi presente do pai, Ritag Youssef,8 anos, define porque é melhor viver no Brasil: "Aqui não tem guerra". Ela e a irmã Rahab,11 anos, estão há quase três anos no país e hoje dividem um beliche num quartoum condomínio na Vila Carrão, zona lesteSão Paulo. Vindas da Síria fugindo da guerra com seus pais elas estão bem adaptadas aos costumes brasileiros.

A escolha pelo bairro se deu por causa da localização da escola islâmica na qual os pais fazem questão que as meninas estudem. Lá elas mantêm o aprendizado da cultura árabe junto com os costumes brasileiros. As notaseducação física são as mais altas, "eu amo handebol e queimada, muito muito", diz Rahab. Ambas adoram jogar futebol, mas ainda não escolheram nenhum time brasileiro para torcer.

Irmãs Sírias Rahab Youssef e Ritag brincam emcasa no bairro do Carrão

Crédito, Gui Christ / Gringo

Legenda da foto, Irmãs Sírias Rahab Youssef e Ritag brincam emcasa no bairro do Carrão

Uma coisa que chamou atenção das meninas na apostila do colégio foram as fotos dos índios: "Como são diferentes, com aquelas tintas que passam no rosto", diz Ritag passando os dedos pela bochecha. Da comida brasileira o que mais adoram é o feijão e arroz, e o maracujá, uma fruta que não existia na Síria.

Para esse dia 12 elas não pediram nenhum presente ainda. Rahab diz que se pudesse pediria um celular ou um tablet. Ritag quer mais uma Barbie paracoleção. Ela também gostariaviajar com a família, "eu adoro a França, a Turquia e a Rússia".

Os pais acreditam que a decisãovir para o Brasil foi acertada porque aqui podem praticarreligião livremente, "eu posso usar o hijab - tipovéu islâmico - tranquilamente e isso seria um problemaalguns lugares da Europa", explica a mãe. A filha mais velha, quando fizer 15 anos, deverá começar a utilizar o hijab também.

O pai, que na Síria era técnicoum laboratório, agora passa a semana fora trabalhando na feira da madrugada do Brás e só encontra as meninas nos finaissemana. O maior desejoambos é que a guerra acabe na Síria para poder voltar para lá. As meninas já adaptadas ao novo país não têm o mesmo desejo, querem é ficar no Brasil.

' Quero ser médica e morar um pouco no Brasil e um pouco no Haiti '

Em uma igreja no bairro da Mooca encontramos Rachel Betty Edmond,9 anos, acompanhando seu pai. A menina éfamília haitiana, mas nasceu na República Dominicana, e veio com a mãe2011 para o Brasil. O pai tinha chegado um ano antes depois que o terremoto devastou o país. "Ela falava espanhol e criolo quando chegou aqui, agora acho que Rachel nem lembra", fala o pai Edmond Jean Camille,47 anos. De pose altiva e um modo delicadose expressar Rachel fala perfeitamente português que aprendeu com os colegas no colégio desde os 7 anos.

Rachel Betty Edmond

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Legenda da foto, Rachel Betty Edmond voltando da missa na igreja haitiana da Mooca

"Gostobrincar e estudar, quando não tenho liçãocasa eu brincotabuada, a matéria que mais gosto é matemática". A educação física também é uma paixão, Rachel afirma que é rápida e adora apostar corrida com os colegas. "Só tem um amigo que ganhamim". Da comida ela adora o arroz com feijão ebrigadeiro. Religiosa, ela diz que gostamúsica gospel brasileira.

Para o dia das crianças diz que ainda não pediu nada, mas, se pedisse, seria uma boneca. "Não tenho nenhuma", diz. "Eu gosto muitopassear no parque também, mas minha mãe nunca tem tempo, mas quando é diaalguma coisa, normalmente nos levam para algum passeio aqui na igreja".

De seus desejos para o futuro, depoisalguns segundossilêncio, ela levanta o rosto e diz: "quero ser médica e morar um pouco no Brasil e um pouco no Haiti". "Isso é Deus que vai decidir", diz o pai, olhando para ela.