26 mortos, corpos no lixo e nenhuma punição: Corte julga Brasil por chacina dupla no Rio:aposta betano sistema

Cosme Genoveva

Crédito, Arquivoaposta betano sistemafamília

Legenda da foto, Cosme Genoveva é vítimaaposta betano sistemaprocesso que levará o Brasil ao banco dos réus na Corte Interamericanaaposta betano sistemaDireitos Humanos.

A primeira chacina resultouaposta betano sistemauma operação da Polícia Civilaposta betano sistemabuscaaposta betano sistemacarros roubados, armas e drogas,aposta betano sistema18aposta betano sistemaoutubroaposta betano sistema1994. Dias antes, traficantes do complexo do Alemão haviam metralhado a delegacia da região, a 21ª DP.

O Rioaposta betano sistemaJaneiro vivia então uma escaladaaposta betano sistemaviolência, com enfrentamentos constantes entre a polícia e quadrilhas armadas. O governador era Nilo Batista (PDT), vice que assumiu o posto quando Leonel Brizola (PDT) renunciou para disputar a Presidência da República.

A polícia informou que as mortes resultaramaposta betano sistemaconfronto, e o caso foi registrado como "autoaposta betano sistemaresistência". Os laudos cadavéricos mostraram que pelo menos dez das vítimas foram mortas com tiros na cabeça. Uma comissão independente montada pelo governo do Rio apontou sinaisaposta betano sistemaexecução sumária. Três jovens denunciaram que sofreram abusos sexuaisaposta betano sistemapoliciais.

Sete meses depois,aposta betano sistema8aposta betano sistemamaioaposta betano sistema1995, já no governoaposta betano sistemaMarcello Alencar (PSDB), a Polícia Civil fez nova operação na Nova Brasília e,aposta betano sistemanovo, a versão oficial foiaposta betano sistemaque, num tiroteio com traficantes, 13 pessoas morreram - entre elas, Cosme Genoveva. Os corpos foram retirados da favela antes da realização da perícia.

A casaaposta betano sistemaonde foram retirados dez corpos parecia ter sido lavada com sangue, e pedaçosaposta betano sistemamassa encefálica podiam ser vistos nas paredes. À época, um morador, testemunha do tiroteio, disse que as vítimas imploravam para não morrer.

Os dois inquéritos sobre Nova Brasília foram conduzidos para apurar autosaposta betano sistemaresistência e concluídos sem que policiais envolvidos na ação fossem indiciados pelas mortes. Tampouco houve puniçãoaposta betano sistemarelação às denúnciasaposta betano sistemaabuso sexual. Os únicos acusados eram os mortos, apontados como envolvidos com o tráficoaposta betano sistemadrogas.

Beatriz Affonso e irmãaposta betano sistemavítima da segunda chacinaaposta betano sistemaNova Brasília

Crédito, Fernanda da Escóssia

Legenda da foto, Beatriz Affonso, diretora do programa do Cejil para o Brasil, conversa com Y., irmãaposta betano sistemavítima da segunda chacinaaposta betano sistemaNova Brasília

Novas investigações

Em 1995 e 1996, ONGs como Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), Human Rights Watch e Iser (Institutoaposta betano sistemaEstudos da Religião) levaram os casos à Comissão Interamericanaaposta betano sistemaDireitos Humanos da OEA. No Rio, os inquéritos, enviados ao Ministério Público, foram arquivados e assim seguiram por muitos anos.

Em 2011, a Comissão Interamericana pediu ao Brasil informações sobre as mortesaposta betano sistemaNova Brasília e fez algumas recomendações, como reparação do Estado às famílias por danos morais e materiais sofridos, além da realizaçãoaposta betano sistemainvestigações efetivas para a punição dos culpados, entre outras.

Diante da recomendação da Comissão, o Ministério Público do Estado do Rioaposta betano sistemaJaneiro (MPRJ) desarquivou,aposta betano sistemajaneiroaposta betano sistema2012, o inquérito sobre os crimesaposta betano sistema1995, e,aposta betano sistemamarçoaposta betano sistema2013, o relativo à chacinaaposta betano sistema1994.

Em maioaposta betano sistema2013, o MPRJ denunciou quatro policiais civis e dois militares pelos 13 homicídiosaposta betano sistema1994, sendo que maisaposta betano sistema120 participaram da operação na favela. No processo, testemunhas contam que as vítimas foram algemadas pelos policiais, sofreram golpes e depois foram executadas.

Em 7aposta betano sistemamaioaposta betano sistema2015, o Ministério Público optou por arquivar novamente o inquérito sobre a segunda chacina. Entendeu que as mortes decorreram do tiroteio entre policiais e traficantes e reconheceu que algumas vítimas tinham sinaisaposta betano sistemaexecução, mas que não era possível identificaraposta betano sistemaonde haviam partido os disparos.

Prescrição

Passados 20 anos do caso, os 13 homicídios prescreveram sem que ninguém fosse punido. Em maioaposta betano sistema2015, a Comissão Interamericana apresentou o processoaposta betano sistemaNova Brasília à Corteaposta betano sistemaDireitos Humanos.

A ação cobra que o Estado brasileiro reconheça responsabilidade sobre as 26 mortes e faça uma reparação às famílias, tantoaposta betano sistemadinheiro como simbólica. Solicita também medidas destinadas a evitar que o problema se repita, e entre elas está a federalizaçãoaposta betano sistemacrimes cometidos por policiais.

A cientista política Beatriz Affonso, diretora do Cejil para o programa do Brasil, diz que não há expectativa, por parte da acusação nem das famílias, do reconhecimentoaposta betano sistemaque os mortos não eram traficantes - pelo menos alguns,aposta betano sistemafato, estariam envolvidosaposta betano sistemaações criminosas, mas poderiam ter sido presos e não mortos.

A ativista do Cejil, que participará da audiência na Corte Interamericana ao ladoaposta betano sistemaparentesaposta betano sistemaalgumas das vítimas na chacina, aponta, no processoaposta betano sistemaNova Brasília, ações - como constrangimento a testemunhas e os sucessivos arquivamentos - e omissões, como a faltaaposta betano sistemaperícia, que fortalecem a impunidade.

Segundo ela, o processo mostra que os policiais foram elogiados por seus "atosaposta betano sistemaheroísmo" e que faltou acompanhamento constante do caso pelo Ministério Público.

"Essas chacinas não são exceções; pelo contrário, são casos emblemáticos e trazem uma sérieaposta betano sistemagraves violaçõesaposta betano sistemadireitos humanos: execuções sumárias e violência sexual, por exemplo, que ainda hoje se repetem. Quem vai estar sendo julgado por isso é o Estado brasileiro, principalmente os administradoresaposta betano sistemaJustiça, que falharam ao investigar, processar e punir a violência policial nas comunidades", afirma.

O procurador-geralaposta betano sistemaJustiça do Estado do Rioaposta betano sistemaJaneiro, Antônio Carlos Biscaia, já participouaposta betano sistemaaudiência na Comissão da OEA sobre o casoaposta betano sistemaNova Brasília e conhece bem o processo. Disse considerar "pífio" e "injustificável" o primeiro arquivamento dos inquéritos iniciais e, sobre o fatoaposta betano sistemaeles terem ficado muito tempo no MP, afirmou que houve punição para os responsáveis. Destacou que eles foram reabertos no períodoaposta betano sistemaque esteve na assessoria especial criminal do órgão - foi quando os seis policiais foram denunciados pelas mortesaposta betano sistema1994.

Segundo Biscaia, no segundo inquérito, sobre as mortesaposta betano sistema1995, os problemas eram tantos que não restou outra solução a não ser o rearquivamento. Biscaia considerou que, para o Estado brasileiro, será muito difícil defender-se na OEA.

Brasil apresentará plano para eliminar classificaçãoaposta betano sistema"autosaposta betano sistemaresistência"

Na audiência, o Brasil será representado pela Secretariaaposta betano sistemaDireitos Humanos (SEDH), pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério das Relações Exteriores.

Em nota enviada poraposta betano sistemaassessoria, a SEDH informou que, na audiência, o Estado brasileiro pretende apresentar medidas estatais para eliminar a figura dos "autosaposta betano sistemaresistência", alémaposta betano sistemadestacar avanços nas políticasaposta betano sistemasegurança pública do país e do Estado do Rioaposta betano sistemaJaneiro.

Hoje, com variaçõesaposta betano sistemanomenclaturaaposta betano sistemaum Estado a outro, são registradas como autoaposta betano sistemaresistência mortes ocorridasaposta betano sistemasupostos confrontos nos quais o policial afirma ter atirado para se defender.

A SEDH,aposta betano sistemaparticular, defende que o Estado brasileiro reconheça parcialmente a responsabilidade e as falhas para investigar as mortes e punir os responsáveis.

A Secretaria informou também que tem atuado no caso tentando articular,aposta betano sistemaconjunto com instituições federais e do Estado do Rioaposta betano sistemaJaneiro, o cumprimento das recomendações da Comissão,aposta betano sistemaespecial, a reparação indenizatória por danos morais e materiais aos familiares das vítimas.

A Advocacia-Geral da União informou que "o Estado brasileiro confia que a Corte Interamericanaaposta betano sistemaDireitos Humanos proferirá julgamentoaposta betano sistemamaneira justa e imparcial, considerando os preceitos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e as provas produzidas no processo".

O Ministério das Relações Exteriores confirmou que será a primeira vezaposta betano sistemaque o Brasil será julgado por um casoaposta betano sistemaviolência policial, mas não quis comentar o mérito nem os rumos do processo.

O Brasil reconheceuaposta betano sistema1998 a competência da Corte Interamericana para analisar eventuais demandas judiciais relativas aos direitos humanos.

Tecnicamente, o que aconteceu no país antes disso não é da competência da Corte. Por isso, no casoaposta betano sistemaNova Brasília, o que está sendo julgado é o que aconteceu após 1998 - os erros da investigação e a faltaaposta betano sistemapunição aos responsáveis. Se for condenado na Corte, o Brasil teráaposta betano sistemacumprir a decisão.

'Gente não é lixo'

Um dos problemas do processo é justamente a faltaaposta betano sistemainformações às famílias dos mortos.

Irmãaposta betano sistemaCosme Rosa Genoveva, Y. diz que a família jamais recebeu qualquer satisfação oficial sobre a forma como ele foi assassinado. Ela se lembra do irmão mais velho como alguém muito alegre e chora ao se lembrar do jovem que capturava passarinhos. Reitera que ele não tinha ligação com o tráfico, mas sabe que talvez isso não seja mais esclarecido.

Aos 35 anos, mãeaposta betano sistematrês filhos, Y. trabalha como gari da Comlurb. Conseguiu concluir o ensino médio, cursa direito como bolsista numa faculdade particular e quer ser juíza, "para dar mais direitos aos pobres".

Dos tempos da chacina, uma das imagens que não consegue esquecer é a do irmão carregado no carrinhoaposta betano sistemamão e jogado na kombi do lixo. "Todo dia varro lixo na praia. Meu irmão não podia ser tratado daquele jeito. Gente não é lixo."