Brasil lidera índice internacionalnúmeropartidos - o que isso significa para a crise?:
Para efeitoscomparação, considerando números arredondados, Índia tinha 8; Argentina, 7; Alemanha, 6; México, 4; e Estados Unidos, 2, os conhecidos partidos Democrata e Republicano.
Esse índice é o mais usado para fazer comparações internacionais. A partiruma fórmula que levaconta o número totalcadeiras na Câmara dos Deputados e a quantidadeparlamentares por legenda, calcula-se o númeropartidos que têm votos suficientes para influenciar o resultado das votações.
Há consensoque esse número subiu ainda mais nos últimos anos no país. Segundo cálculo do cientista político Michael Gallagher, especialista no tema da Universidade Trinity, na Irlanda, a quantidadepartidos políticos efetivos no Brasil deu um salto na última eleição, tendo passado112010 para 142014.
Segundo o cientista político Sérgio Abranches, o índice costuma ser um bom parâmetro do que se observa na prática sobre quantos partidos têm,fato, poderinfluenciar e bloquear discussões no Congresso.
Um número muito baixopartidos pode indicar um problemarepresentaçãopaíses como grupos sociais diversificados. Já um índice alto indica maior dificuldade para o presidente formar uma base parlamentar que lhe dê governabilidade.
Coalizão cara
Abranches foi quem cunhou, no fim dos anos 1980, o termo "presidencialismocoalizão" para classificar o sistema político brasileiro que nascia com a redemocratização. Ele previa que as grandes desigualdades sociais e regionais do país levariam ao crescimento do númeropartidos, o que obrigaria à legenda vencedora das eleições presidenciais a se aliar com outras para poder governar.
O problema, nota ele, é que as regras eleitorais do país acabaram criando incentivos para a multiplicação dos partidos, levando a uma hiperfragmentação que torna "mais cara" a gestão da coalizão.
"Digo mais cara no sentido técnico da palavra, sem levarconsideração qualquer aspectocorrupção. Exigem-se mais concessões do presidente, tanto no sentidocompartilhar o governo (com cargos), como no sentidoabrir mãoposições programáticas para encontrar uma mediana entre os partidos e implementar um conjuntopolíticas públicas", explica ele.
A necessidadeconciliar muitos interesses e pensamentos diferentes acaba trazendo instabilidade para a coalizão. No caso da presidente afastada Dilma Rousseff, eram constantes os embates entre a base social do PT,geral mais progressista, e partidos aliadosviés mais conservador.
"Isso cria tensões e disputas por espaço. E no caso do governo Dilma tem um outro elemento que é a própria incapacidade, dificuldade da presidentegerenciar essa coalizão. Os ex-presidentes Lula e FHC tiveram uma capacidade maiorfazer isso", afirma a cientista política Denise Paiva, professor da Universidade FederalGoiás.
O presidente interino Michel Temer tem colocado a boa relação com o Congresso como meta primordialseu governo. Ao nomear seus ministros, privilegiou indicações das bancadas parlamentares e usou isso para justificar a ausênciamulheres no primeiro escalão.
Em entrevista à BBC Brasil no iníciomaio, pouco anteso Senado aprovar seu afastamento, Dilma apontou justamente o grande númeropartidos como um elemento que dificultava a governabilidade durante a crise econômica.
"Se você comparar o meu governo com os dois anteriores, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso governava com três, no máximo quatro partidos. Quando começa a expansão do ciclo econômico, não havia partido que desafiasse a popularidade do presidente Lula. Eu já vivo num momentoque o mundo entroucrise. Ora, eu passo a precisar13 partidos, às vezes 14", reclamou.
"E no Brasil você não tem partidos políticos, com exceçãouns três, quatro, que são ideológicos. Os outros partidos formam-se atravésagregação dos interesses os mais diversos. Então eles tendem a se dividir diantefatos concretos", afirmou também.
Mais partidos
Há 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, portanto, com acesso aos recursos do Fundo Partidário e a tempotelevisão para propaganda - ambos bancados com dinheiro público.
E a listanovas siglas a serem criadas é vasta. No momento, há trêsprocesso mais avançado no TSE: o Partido Liberal, o Partido dos Servidores Públicos e Privados e o Muda Brasil. Além disso, há outras 24 "em formação", também segundo o tribunal.
A maior parte do fundo partidário e do tempoTV é distribuída para partidos com parlamentares eleitos, na proporçãosuas bancadas. No entanto, mesmo siglas nanicas, sem representatividade no Congresso, recebem recursos e espaço gratuitopropaganda.
Para especialistas, isso incentiva a criação"legendasaluguel" - partidos sem relevância social mas que ganham poder ao negociar coligações com siglas maiores que buscam ampliar seu tempotelevisão.
"É importante que a pluralidade da sociedade seja representada no sistema partidário. Agora, nesse universo tão grande35 partidos, eles representam muito mais disputa entre elites, partido pequenos que existem para participardeterminadas coligações e dar nacospoder a certos grupos", critica Paiva.
"Isso cria para o eleitor um problemainteligibilidade. Como ele vai entender quais são as clivagens, as diferenças entre 35 partidos? Na verdade, muitas vezes nem existe (diferença)", ressalta a professora.
Reforma política?
A reforma política - uma grande revisão das regras do sistema político brasileiro - é frequentemente apontada por especialistas como caminho essencial para melhorarmos a democracia brasileira. No entanto, os cientistas políticos entrevistados pela BBC Brasil são céticos quanto a essa proposta e acreditam ser mais viável adotar mudanças pontuais e graduais.
Como as alteraçõeslei necessariamente passam pelo Congresso, é muito difícil que parlamentares eleitos pelas atuais regras aprovem mudanças radicais, com impactos muitas vezes imprevisíveis sobre o resultado das eleições seguintes, ressalta Abranches.
Naavaliação, um medida importante para reduzir a fragmentação partidária seria o fim das coligações nos pleitos proporcionais (eleição para vereadores e deputados). Nesse caso, os partidos se unem para aumentar suas chanceseleger ao menos um deputado federal, garantindo acesso ao Fundo Partidário e ao tempoTV.
"Isso tiraria imediatamente incentivo às legendasaluguel que se coligam a um partido grande para poder dar a ele alguns segundostelevisãotrocaum poucofinanciamento e a possibilidadeeleger eventualmente um ou poucos parlamentares", observa.
Outra proposta seria a adoçãouma "cláusulabarreira" - criaçãoum patamar mínimovotos para permitir que o partido eleja parlamentares e tenha acesso ao Fundo Partidário e tempotelevisão.
O Congresso já chegou a aprovar duas vezes na última década um mecanismo do tipo, mas o Supremo Tribunal Federal considerou o limite inconstitucional, já que a Constituição brasileira prevê o princípio do pluripartidarismo.
Abranches nota que essas restrições tendem a acabar com partidos que, embora menores, têm consistência ideológica, como PSOL e Rede. Nesse caso, diz, a tendência seria que se abrigassem como correntes dissidentes dentrolegendas maiores.