Como duas pesquisadoras estão derrubando clichês sobre a política no Brasil:
A pernambucana Nara é pesquisadorapós-doutorado na Universidade Vanderbilt (EUA). Soma um doutorado (Notre Dame, EUA), dois mestradosciência política (Notre Dame e USP), 16 distinções.
Em comum, além da amizade e da paixão pela ciência política, está o interesse das duaspassar a limpo "verdades absolutas" sobre corrupção, comportamento do eleitor e políticas públicas no Brasil.
Eleitor é racista?
O Brasil é um paísdesigualdades raciais - no mercadotrabalho, no acesso à educação e à saúde. Atraída pelo tema desde a graduação, Natália Bueno verificou se isso ocorre também na representação política.
O primeiro passo foi confirmar o que o senso comum já sugeria: há, proporcionalmente, mais brancos eleitos do que na população, e os negros são subrepresentados. Por exemplo, embora 45% da população brasileira (segundo o IBGE) se declare branca, na Câmara dos Deputados esse índice é80%.
E como a diferença foi mínima na comparação entre população e o grupo dos candidatos que não se elegeram, a conclusão mais rasteira seria: o brasileiro é racista e privilegia brancos ao votar.
Para tentar verificar essa questãoforma científica, Natália montou um megaexperimentoparceria com Thad Dunning, da Universidade da Califórnia (Berkeley). Selecionou oito atores (quatro brancos e quatro negros), que gravaram um trecho semelhante ao horário eleitoral. Expôs 1.200 pessoas a essas mensagens, que só variavam no quesito raça.
Resultado: candidatos brancos não tiveram melhor avaliação nem respondentes privilegiaram concorrentes da própria raça nas escolhas.
Mas se a discrepância entre população e eleitos é real, onde está a resposta? No dinheiro, concluiu Natália - ela descobriu que candidatos brancos são mais ricos e recebem fatia maior da verba pública distribuída por partidos e também das doações privadas.
A diferença médiapatrimônio entre políticos brancos (em nível federal, estadual e local) e não brancos foiR$ 690 mil. Eoutra prova do poder do bolso nas urnas, vencedores registraram R$ 650 mil a maispatrimônio pessoal do que os perdedores.
Políticos brancos também receberam,média, R$ 369 mil a maiscontribuiçõescampanha do que não brancos. A análise incluiu dados das eleições2008, 2010 e 2014.
"Se a discriminação tem um papel (na desigualdade racial na representação política), ela passa principalmente pelas inequidadesrenda e riqueza entre brancos e negros que afetam a habilidade dos candidatos negrosfinanciar suas campanhas", diz.
Corruptos estão no poder por que o eleitor é ignorante?
A corrupção é um tema central no debate político atual no Brasil. E se tantos brasileiros percebem a corrupção como problema (98% da população pensa assim, segundo pesquisa2014), porque tantos políticos corruptos continuam no poder?
A partirdadosdiferentes pesquisasopinião - entre elas, dois levantamentos nacionais, com 2 mil e 1,5 mil entrevistados -, a recifense Nara Pavão foi buscar respostas para além do que a ciência política já discutiu sobre o tema.
Muitos estudos já mostraram que a faltainformação política é comum entre a população, e que o eleitor costuma fazer uma troca: ignora a corrupção quando, por exemplo, a economia vai bem.
"Mas para mim a questão não é apenas se o eleitor possui ou não informação sobre políticos corruptos, mas, sim, o que ele vai decidir fazer com essa informação e como essa informação vai afetar a decisão do voto", afirma a cientista política.
A pesquisaNara identificou um fator chave a perpetuar corruptos no poder: o chamado cinismo político - quando a corrupção é recorrente, ela passa ser vista pelo eleitor como um fator constante, e se torna inútil como critériodiferenciação entre candidatos.
Consequência: o principal fator que torna os eleitores brasileiros tolerantes à corrupção é a crençaque a corrupção é generalizada.
"Se você acha que todos os políticos são incapazeslidar com a corrupção, a corrupção se torna um elemento vazio para você na escolha do voto", afirma Nara, para quem o Brasil está preso numa espéciearmadilha da corrupção: quão maior é a percepção do problema, menos as eleições servem para resolvê-lo.
Quem recebe Bolsa Família não critica o governo?
O programa Bolsa Família beneficia quase 50 milhõespessoas e é uma das principais bandeiras das gestões do PT no Planalto. Até por isso, sempre foi vitrine - e também vidraça - do petismo.
Uma das críticas recorrentes pressupõe que o programa, para usar a linguagem da economia política, altera os incentivos que eleitores têm para criticar o governo.
Famílias beneficiadas não se preocupariam, por exemplo,punir um mau desempenho econômico ou a corrupção, importando-se apenas com o auxílio no começo do mês.
Deste modo, governos que mantivessem programas massivostransferênciarenda estariam blindados contra eventuais performances medíocres. Seria, nesse sentido, um arranjo clientelista - trocabens (dinheiro ou outra coisa) por voto.
Um estudoNara analisou dados do Brasil e15 países da América Latina que possuem programas como o Bolsa Família e não encontrou provasque isso seja verdade.
"Em geral, o peso eleitoral atribuído à performance econômica e à corrupção do governo é relativamente igual entre aqueles que recebem transferênciasrenda e aqueles que não recebem", afirma.
A conclusão é que, embora esses programas proporcionem retornos eleitorais para os governantesplantão, eles não representam - desde que sigam regras rígidas - incentivo para eleitores ignorarem aspectos ddo desempenho do governo.
ONGs são ralodinheiro público?
Organizaçõessociedade civil funcionam como um importante instrumento para o Estado fornecer, por meioparcerias e convênios, serviços à população.
Diferentes governos (federal, estaduais e municipais) transferem recursos a essas entidades para executar programas diversos,construçãocisternas e atividades culturais.
Apenasnível federal, essas transferências quase dobraram no período 1999-2010:RS$ 2,2 bilhões para R$ 4,1 bilhões.
Esse protagonismo enseja questionamentos sobre a integridade dessas parcerias - não seriam apenas um meiocanalizar dinheiro público para as mãosONGs simpáticas aos governosplantão?
Com o papel dessas organizações entre seus principaisinteressespesquisa, Natália Bueno mergulhou no tema. Unindo métodos quantitativos e qualitativos, analisou extensas basesdados, visitou organizações e construiu modelos estatísticos.
Concluiu que o governo federal (ao menos no período analisado,2003 a 2011) faz, sim, uma distribuição estratégica desses recursos,olho na disputa política.
"A pesquisa sugere que governos transferem recursos para entidades para evitar que prefeitosoposição tenham acesso a repassesrecursos federais. Outros fatores, como implementaçãopolíticas públicas para as quais as organizações tem expertise e capacidade únicas, também tem um papel importante."
Ela não encontrou provas, porém,eventual corrupção ou clientelismo por trás desses critériosescolha - o uso das ONGs seria principalmente parteuma estratégia político-eleitoral, e não um meioenriquecimento ilícito.
"Esse tipodistribuição estratégicarecursos é próprio da política e encontramos padrõesdistribuição semelhantesoutros países, como EUA, Argentina e México", diz Natália.
Corrupção é difícilverificar, mas a pesquisadora usou a seguinte estratégia: comparou ONGs presentescidades com disputas eleitorais apertadas, checou a proporção delas no cadastroentidades impedidasfechar parcerias com a União e fez uma busca sistemática por notícias e denúncias públicascorrupção.
De 281 ONGs analisadas, 10% estavam no cadastroimpedidas, e apenas uma por suspeitacorrupção.