Neurocientista defende universidades geridas como empresas: 'É preciso demitir quem não produz':jogo das cores blaze

Suzana Herculano-Houzel

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, "O Ministério que cuidava da Ciência agora tem que cuidarjogo das cores blazeComunicação também, e eu francamente não vejo o que é que uma coisa tem a ver com a outra", diz pesquisadora

Apesarjogo das cores blazeter publicado trabalhosjogo das cores blazerepercussão mundial, como o que defende a hipótesejogo das cores blazeque cozinhar alimentos permitiu aos ancestrais do homem sustentarem um cérebro maior, e um estudo, publicado na revista Science, sobre como o córtex cerebral se dobra, Herculano-Houzel, chegou a usar o próprio dinheiro para cobrir despesasjogo das cores blazeseu laboratório. Em 2015, fez uma "vaquinha", uma campanhajogo das cores blazefinanciamento coletivo na internet, para conseguir manter a produção por alguns meses.

Ela critica o que diz ser faltajogo das cores blazemeritocracia nas universidades federais, onde professores têm salários fixos independentemente do que produzem, e afirma que "não dá para ser otimista no Brasil nesse momento".

Confira os principais trechos da entrevista:

jogo das cores blaze BBC Brasil - Em seus artigos sobre a dificuldadejogo das cores blazefazer ciência no Brasil, você menciona não só problemasjogo das cores blazefinanciamento via governo federal e estadual, mas uma certa resistência da universidade onde trabalhavajogo das cores blazeaumentar seu laboratório por achar que você "não precisariajogo das cores blazemais espaço", mesmo após o reconhecimento internacional. A mentalidade nas universidades brasileiras também dificulta a pesquisa?

jogo das cores blaze Suzana Herculano-Houzel - O sistema do funcionalismo brasileiro, que se estende às universidades, encoraja o engessamento e diz a alguns professores: "agora que você chegou até aqui, não precisa se preocuparjogo das cores blazefazer mais nada. Agora que você conquistou esse laboratório grande, vai tê-lo até o fim dos seus dias, não importa que outros pesquisadores mais jovens, recém-contratados ou que produzam mais precisem desse espaço".

Tudo isso porque mérito não importa. Não importa o que você produz, os seus direitos e o seu salário já são garantidos pelas regras do funcionalismo. E isso é mortal. Isso garante os direitosjogo das cores blazequem já está por cima, mas é extremamente frustrante para quem estájogo das cores blazecomeçojogo das cores blazecarreira e interessadojogo das cores blazeproduzir.

É preciso ter um ambiente que estimule a meritocracia e recompense o esforço. Mas para esse ambiente meritocrático funcionar, é preciso que quem não produz seja afastado. Exatamente comojogo das cores blazequalquer empresa. É preciso pensar na possibilidadejogo das cores blazedemitir professores, coisa que as pessoas que hoje têm estabilidade na academia não vão querer nunca.

jogo das cores blaze BBC Brasil - Você já disse que falarjogo das cores blazemeritocracia era mal recebido no ambiente das universidades públicas por ser entendido como defesa da privatização. O que pensa da ideiajogo das cores blazeprivatizar as universidades?

jogo das cores blaze Herculano-Houzel - Me dei contajogo das cores blazeque muitas dessas críticas são falácias dos opositores à ideiajogo das cores blazemeritocracia. Introduzir meritocracia e acabar com a estabilidade (na universidade) não é,jogo das cores blazemaneira alguma, sinônimojogo das cores blazeprivatização, mas os críticos fazem parecer que sim. Qualquer propostajogo das cores blazemudar a estrutura atual da academia do Brasil vai para o balde do "querem privatizar as universidades".

Não estou falandojogo das cores blazeprivatizar a pesquisa nemjogo das cores blazeprivatizar a universidade,jogo das cores blazemodo nenhum. Eu não entendo, francamente, por que universidades não podem continuar sendo empresas federais, mas gerenciadas como empresas - com flexibilidade não sójogo das cores blazecompras e aquisições (de equipamento), mas tambémjogo das cores blazecontratação e afastamento (de pessoal).

jogo das cores blaze BBC Brasil - Você também afirmou que a distribuiçãojogo das cores blazerecursos para regiões menos desenvolvidas do Brasil dificultava a criaçãojogo das cores blazecentrosjogo das cores blazeexcelência, mas muitos pesquisadores fora do Sudeste e do Sul reclamamjogo das cores blazeuma concentraçãojogo das cores blazeinvestimentos nestas regiões. Como garantir uma distribuição justajogo das cores blazerecursos e, ao mesmo tempo, incentivar a pesquisajogo das cores blazeponta?

jogo das cores blaze Herculano-Houzel - Não adianta, a solução é ter mais dinheiro. O que acontece no momento é que o pouco dinheiro que os centrosjogo das cores blazeexcelência nas regiões Sul e Sudeste poderiam receber, que já é insuficiente, se torna ainda menor porque uma parcela desses recursos precisa ser transferida para Norte-Nordeste. O que é uma política perfeitamente válida. O problema é que os recursos são insuficientes.

Então acaba que nem bem você consegue formar centrosjogo das cores blazepesquisa nas regiões Norte e Nordeste - que também precisariamjogo das cores blazemuito mais dinheiro -, nem bem consegue manter o funcionamento dos centrosjogo das cores blazeexcelência já existentes no Sul e no Sudeste. A única maneirajogo das cores blazeresolver o problema é aumentar o investimento.

O problema é para que esse investimento direcionadojogo das cores blazerecursos na região Norte-Nordeste seja realmente efetivo é preciso que o volumejogo das cores blazerecursos seja grande o suficiente para permitir levar pessoas para lá, mas não é.

Como é que você vai atrair expoentes para formar um novo centrojogo das cores blazepesquisasjogo das cores blazeFortaleza, por exemplo, se você não pode oferecer um salário atraente para atrair um pesquisador da Alemanha, da França, da Holanda?

Não precisa nem ser pesquisador estrangeiro, só repatriar um pesquisador brasileiro, por exemplo, que está trabalhandojogo das cores blazeBruxelas com um laboratório maravilhoso e o financiamento da União Europeia. Temos que aumentar o financiamento como um todo e mudar as políticasjogo das cores blazecontratação. Atualmente não é atraente fazer ciência no Brasil.

Cérebros fatiadosjogo das cores blazelaboratóriojogo das cores blazeneurociência coordenado por Herculano-Houzel no Rio

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Apesarjogo das cores blazereconhecimento internacionaljogo das cores blazeseu trabalho com cérebros, Herculano-Houzel teve que fazer "vaquinha" para laboratório

jogo das cores blaze BBC Brasil - Buscar o financiamentojogo das cores blazeempresas para laboratórios e pesquisadores seria uma opção?

jogo das cores blaze Herculano-Houzel - O que eu acho fundamental que exista é investimento privado, sim, masjogo das cores blazeinstituições criadas especificamente para financiar pesquisa. Aqui nos EUA há inúmeras possibilidadesjogo das cores blazeconseguir apoio financeiro para pesquisa dessas instituições privadasjogo das cores blazefomento que são filantrópicas.

O financiamento privadojogo das cores blazeempresas é outra coisa que também existejogo das cores blazealguns países. No Brasil, Campinas é um pólojogo das cores blazebom relacionamento entre a universidade e a indústria local. O risco disso é algumas pessoas usarem o argumentojogo das cores blazeque a ciência no Brasil está falida porque a indústria não investe.

Não, senhor. A ciência no Brasil está falida porque o governo não investe e investimentojogo das cores blazeciência é papel dos governos federal e estadual. Uma vez que exista ciência viável porque governos fizeram os investimentos devidos, aí sim existe a possibilidadejogo das cores blazevocê criar parcerias com empresas e com indústria, o que é muito interessante, mas não deve ser considerado nem a tábuajogo das cores blazesalvação da ciência brasileira, nem a maneira como a ciência deveria ser financiada.

jogo das cores blaze BBC Brasil - O orçamento do Ministériojogo das cores blazeCiência, Tecnologia e Inovação teve cortesjogo das cores blazequase R$ 2 bilhões durante o governo Dilma, e você chegou a criticar o principal programa do governo na área, o Ciência sem Fronteiras. Como vê o futuro da pesquisa científica e do incentivo à pesquisa no Brasil?

jogo das cores blaze Herculano-Houzel - As perspectivas para o setorjogo das cores blazeciência no Brasil são ainda mais sombrias. O Ministério que cuidava da Ciência agora tem que cuidarjogo das cores blazeComunicação também, e eu francamente não vejo o que é que uma coisa tem a ver com a outra.

Não vejo perspectivajogo das cores blazeo orçamento da Ciência e Tecnologia aumentar, o governo só falajogo das cores blazecortes, e ao mesmo tempo a gente vê a aprovaçãojogo das cores blazeaumentojogo das cores blazesalários para o Judiciário e outros.

Não vejo como ser otimista no Brasil neste momento, nãojogo das cores blazerelação à Ciência. O que a gente vê a décadas é uma desvalorização da Ciência por profunda faltajogo das cores blazeconhecimento dos políticos.

jogo das cores blaze BBC Brasil - A estudante da rede pública carioca Lorrayne Isidoro,jogo das cores blaze17 anos, virou notícia ao vencer a Olimpíada Nacionaljogo das cores blazeNeurociência e fazer uma vaquinha, como a que você fez, para participar da competição internacional. O que sentiu ao saber da história dela?

jogo das cores blaze Suzana Herculano-Houzel - Senti tristeza,jogo das cores blazecerto modo. Lorrayne teve a sortejogo das cores blazeestudar num excelente colégio público federal, onde a professora dela certamente é muito mais bem paga do que professoresjogo das cores blazeoutras escolas públicas estaduais e municipais. O (colégio) Pedro 2º é uma escola bem equipada. Isso tudo certamente ajudou muito, sem desmerecer a motivação e a forçajogo das cores blazevontade dela, que são extraordinárias.

Mas o triste é que vejo pessoas como ela chegarem na iniciação científica na universidade e rapidamente desistirem porque as condiçõesjogo das cores blazetrabalho são péssimas.

A perspectiva é que depoisjogo das cores blaze4 anos na universidade eles assinarão um papel que os limita a receber uma bolsajogo das cores blazenão maisjogo das cores blazeR$ 1.200 por dois anos (no mestrado), para depois passarem outros 4 anos com uma bolsajogo das cores blazeR$ 2.200 por mês (no doutorado).

Essa vai ser a renda máxima deles nos próximos seis anos depoisjogo das cores blazeformados, enquanto um engenheiro químico sai da universidade já com um piso salarial estipuladojogo das cores blazeoito salários mínimos. É extremamente desestimulante.

A ciência é muito dependente desses jovens que trabalham nos laboratórios, que fazem os experimentos acontecerem. Aqui nos EUA já se segue a onda que veio da Europajogo das cores blazedar a eles contratosjogo das cores blazetrabalho e pagar salários dignos desde a pós-graduação. E o Brasil está na lanterna.

Eu acho perfeitamente compreensível que os jovens que começam a fazer iniciação científica estejam debandando. É o que eu vi acontecer no meu laboratório e o que eu ouçojogo das cores blazevários colegas.

jogo das cores blaze BBC Brasil - Nas redes sociais brasileiras têm crescido as piadas - e a rivalidade - entre pessoas "de humanas", percebidas como mais à esquerda, menos pragmáticas e mais preguiçosas e pessoas "de exatas", percebidas como mais à direita, superficiais e elitistas. Como vê essa divisão? As áreas estudadas realmente influenciam na orientação política e outras características?

jogo das cores blaze Suzana Herculano-Houzel - "Pessoas disso" ou "Pessoas daquilo" não existem. Existem pessoas, ponto. Estes são estereótipos, que geralmente são nocivos.

Isso tem muito a ver com as expectativas que a gente tem com relação a esses profissionais na sociedade. Se você espera que alunos da áreajogo das cores blazeHumanidades sejam esquerdistas, toda vez que conhecer um vai dizer: "Ahá, tá vendo?". E quando aparecerem os alunosjogo das cores blazeHumanas conservadores, você os ignora como "exceção".

É esse o problema dos estereótipos, eles criam o que a gente chamajogo das cores blazeprofecias autorrealizadas. Você cria uma expectativa com base na percepção daquele estereótipo e você passa a distorcerjogo das cores blazevisãojogo das cores blazemundo para que ela se encaixe nele.

No Facebook ficou fácil demais falar qualquer besteirajogo das cores blazepúblico, e o Facebook é uma máquinajogo das cores blazepropagaçãojogo das cores blazeestereótipos. Você dá "like" no que se encaixa com o que você pensa e ignora o resto.

Mas isso tudo é besteira, conhecimento é conhecimento. Se hoje a gente pode olhar ao redor e ver um mundo organizadojogo das cores blazeque boa parte das pessoas não é apedrejada por seus ideais ou crenças, é tudo graças ao conhecimento. Todo conhecimento é importante.