As fotografias que revelam passado oculto das favelas brasileiras:casino jogos online
Dona Ana, uma senhora negra, guarda os objetoscasino jogos onlineum armário, sem nunca perder o hábitocasino jogos onlinemanuseá-los — ainda hoje, espia as fotografias no fundo daquelas superfícies plásticas.
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Fim do Matérias recomendadas
O ritual evoca uma sériecasino jogos onlinerecordações: seu nascimento,casino jogos online1943; a infância e a adolescência numa fazenda, trabalhando em regime análogo à escravidão; a chegada a Belo Horizonte, no início da vida adulta; os encontros com amigos e familiares; as brincadeiras prediletas dos filhos; e o cotidiano no Aglomerado da Serra, favelacasino jogos onlineque reside há cinco décadas, na zona sul da capital mineira.
Habituada a narrar essas memórias aos netos, Dona Ana as examinaria junto a estudiosos interessados nas suas experiências pessoais.
Uma toneladacasino jogos onlinecocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês
Episódios
Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
Ao receber a visitacasino jogos onlineuma equipe que circulava pela comunidadecasino jogos online2015, colhendo depoimentos dos moradores para um projetocasino jogos onlinehistória oral, a ex-faxineira sugeriu aos integrantes que apreciassem seus tesouros.
Então, o ritual se repetiu. A caixacasino jogos onlinemonóculos foi retirada do guarda-roupa e, os artefatos circularamcasino jogos onlinemãocasino jogos onlinemão, sendo erguidos na direção dos olhos e posicionados contra a luz.
Uma após a outra, as lembranças ganhavam forma: festascasino jogos onlineaniversário; jogoscasino jogos onlinebilhar; torneioscasino jogos onlinefutebol; sete homens numa laje; uma garotinha prestes a chutarcasino jogos onlinebola verde-amarela; José Teófilo, maridocasino jogos onlineDona Ana, tomando cerveja e comendo petiscos num botequim.
“Foi uma epifania”, relata à BBC News Brasil o artista visual Guilherme Cunha.
“Em uma fraçãocasino jogos onlinesegundo, vinte anoscasino jogos onlinepesquisa imagética se passaram como um filme dentro da minha cabeça. Em tudo que eu já havia estudado, não consegui identificar nada que se assemelhasse àquelas imagens.”
Os apetrechos eram janelas para um novo universo pictórico, até então negligenciado por instituições arquivísticas.
“Perguntei à Dona Anacasino jogos onlineonde vinha aquilo tudo, e ela me disse que um grupocasino jogos onlinehomens perambulava com máquinas nas ruas da comunidade, oferecendo retratos aos moradores.”
Adão Serralheiro, fotógrafo indicado pela proprietária dos monóculos, recepcionou a equipe com café e biscoitos; entretanto, já havia abandonado o ofício — e, uma semana antes, jogara no lixo o próprio acervo.
Por indicação dele, Cunha abordaria João Mendes, donocasino jogos onlineum pequeno estúdio na Serra, e seu amigo, Afonso Pimenta. Ambos tinham coleções preservadas.
“Eu me preocupava com as pessoas que vinham aqui”, declara Mendes à reportagem, sentado na mesma banquetacasino jogos onlineque acomoda a clientela para retratos 3x4.
“Às vezes, o cara pedia uma nova cópia da foto que tinha feito comigo, e eu dizia que tudo bem. Era só ir lá no arquivo e caçar os negativos pra ele. Em algum momento, eu acabava achando."
Na casacasino jogos onlinePimenta, dezesseis caixas armazenam todo o seu legado: “Isso se chama zelo profissional”, atesta o fotógrafo.
“Meu cliente se vai, e continuo trabalhando pra família. Trinta anos depois do cara ter morrido, ainda recebo encomenda. Por isso, nunca joguei um negativo fora.”
Estima-se que os acervos contenham ao menos 250 mil retratos, produzidos entre a décadacasino jogos online1960 e o início do século 21 — são cliques intimistas, eternizando matrimônios, batizados, velórios e celebrações.
Em conjunto, as fotografias estabelecem um panorama inédito da história recente brasileira, desnudando o Aglomerado da Serra pelo olhar dos próprios cidadãos que ali viveram.
O registrocasino jogos onlinesuas identidades, lutas e conquistas é também um microcosmo das ânsias e desejos que impulsionam as favelascasino jogos onlinetodo o Brasil.
“Tradicionalmente, essas populações eram retratadas apenascasino jogos onlinedocumentos civis”, afirma Cunha.
“Mas na foto do RG e da carteiracasino jogos onlinetrabalho, os sujeitos se limitam aos papéis exercidos dentrocasino jogos onlineuma hierarquia social.
A obracasino jogos onlineJoão Mendes e Afonso Pimenta se baseia num processo oposto, embora se aproprie das mesmas ferramentas.
Cada retrato deles é uma exaltação do indivíduo,casino jogos onlinesuas dimensões culturais e afetivas”.
Em março, tais imagens serão compiladas no livro Retratistas do Morro (Editora Primata).
O volume, organizado por Cunha, abrange 146 trabalhos e surge na esteiracasino jogos onlineum reconhecimento artístico internacional.
Depoiscasino jogos onlineuma exposição no Sesc Pinheiros,casino jogos onlineSão Paulo, e outra na Fundação Clóvis Salgado, no Centrocasino jogos onlineBelo Horizonte, Mendes e Pimenta chegaram ao Peabody Essex Museum, nos Estados Unidos, e à Aperture Magazine, uma das mais tradicionais revistascasino jogos onlinefotografia do mundo, editadacasino jogos onlineNova Iorque.
Nos últimos meses, a dupla teve obras adquiridas pela Pinacotecacasino jogos onlineSão Paulo, pela Biblioteca Nacional Francesa e por Kenneth Montague, o maior colecionadorcasino jogos onlinearte afrodiaspórica do Canadá.
“Defendemos que essas imagens não se tornem um fetiche”, observa Cunha.
“São visões da realidade brasileira que permaneceram ocultas por séculos. Quando elas vêm à tona, a gente fica paralisado porcasino jogos onlinebeleza, e um grande encantamento inunda todos nós. Mas o apelo visual não é a única dimensão desse trabalho. Os retratos formam um campocasino jogos onlinetorno do qual orbitam inúmeras memórias pessoais. Juntas, elas formam um gigantesco imaginário coletivo.”
O mistério da Kodak
Cercacasino jogos online50 mil pessoas habitam o Aglomerado da Serra, segundo estatísticas da Prefeituracasino jogos onlineBelo Horizonte.
É a maior favelacasino jogos onlineMinas Gerais, tendo surgido no final do século 19, com a chegada dos trabalhadores que ergueram a capital do Estado.
Desde então, uma parcela significativacasino jogos onlineseu contingente populacional é formada por imigrantes.
Eles chegam pelo nortecasino jogos onlineSão Paulo, pelo sul da Bahia ou, como ambos os fotógrafos, pelo interior mineiro.
Afonso Pimenta nasceucasino jogos onlineSão Pedro do Suaçuí, pequeno município no Vale do Rio Doce, e vivecasino jogos onlineBelo Horizonte desde 1963.
Aos 9 anos, assentou-se com a madrinha no Cafezal, uma das oito vilas que compõem a favela.
Por toda a vida, exerceu ofícios paralelos à fotografia: inicialmente, vendia esterco pelas ruas da cidade; depois, foi gari, feirante, metalúrgico, leãocasino jogos onlinechácara, instrutorcasino jogos onlineartes marciais e operário da construção civil.
O primeiro contato com a fotografia se deu na adolescência, quando um colegacasino jogos onlineescola lhe apresentou uma Kodak Instamatic, câmeracasino jogos onlinebaixo custo voltada ao público amador. O rapaz abriu a portinhola do aparelho, deixando seu diafragma à vista. “Nem flash dava para colocar”, lembra Pimenta.
“Mas naquele tempo, quem tinha máquina, fosse qual fosse, era intitulado rei. E como os mistérioscasino jogos onlineDeus são grandes e inexplicáveis, pouco depois conheci um cara que furtava coisas. Ele disse que eu estava muito bonito, na crista da onda, e que ia vender umas roupas para mim.”
A transação envolvia uma jaqueta jeans e três calças bocacasino jogos onlinesino.
“Elas batiam aquicasino jogos onlinecima, cobrindo o umbigo, quase chegando no peito. Mal precisava vestir camisa, só as pantalonas já davam contacasino jogos onlinetodo o figurino. Era uma vermelha, uma amarela e uma preta, a única que servia para o meu tamanho. O cara me garantiu que eu ia ficar boy demais."
Um brinde, contudo, surpreenderia o jovem freguês — uma Kodak idêntica à que vira no colégio.
“Quitei as roupas direitinho, e ele disse que eu podia pegar a máquina para mim. Isso me deixou eufórico, porque o outro rapaz tinha falado que todo fotógrafo ficava milionário, que eles compravam carro, casa, apartamento. E meu maior sonho era dar um bom padrãocasino jogos onlinevida para minha mãe, que ainda estava no interior”.
À noite, Pimenta não conseguiu dormir. Por toda a semana, aguardaria ansiosamente pelo embolso do salário. Nas horascasino jogos onlinefolga, frequentava parques, observando o trabalho dos futuros colegas.
“Eles punham as crianças num burrinho e tiravam fotos, tipo lambe-lambe. Aí, meu filho, eu ia só pensando comigo mesmo... Com essa Kodak aqui, as calças que comprei, bonito do jeito que eu estou, vai ser sucesso!”.
No quinto dia útil, a espera chegou ao fim. Pimenta obteve dois ou três caixotescasino jogos onlinefilme 126mm, e graças a eles um novo hábito se instituiu: andar a esmo com a máquina na mão, apresentando-se como fotógrafo aos transeuntes das avenidas. Ocasionalmente, arranjava serviço na portacasino jogos onlinealguma igreja.
“O pessoal olhava para mim com aquela caracasino jogos onlinequem não gostou, e eu ali, insistindo, até ser contratado. Batia a foto na entrada e marcavacasino jogos onlineentregar depois."
A Kodak Instamatic, explica ele, é uma câmera leve, compacta, ideal para dias ensolarados e retratos ao ar livre. Na faltacasino jogos onlineum tripé, recomenda-se o improviso — muros, postes, árvores e carros são válidos como basescasino jogos onlineapoio.
“O segredo todo tá aí, no enquadramento”, diz. “Tem que segurar a maquininha bem firme, não pode tremer. Para mim, cada pose perdida era um desastre."
Esforços à parte, a fotografia ainda não passavacasino jogos onlineum hobby.
“Eu era da resenha, ficava na 'malocagem'. Saía do expedientecasino jogos onlinevarrição lá na prefeitura e ia direto para esquina, vendo o quecasino jogos onlineerrado eu podia fazer”.
Só então, Pimenta voltava para casa — um barracocasino jogos onlinecômodo único e 48 metros quadrados. Dali a alguns meses, os quinze ocupantes seriam expulsos numa violenta açãocasino jogos onlinereintegraçãocasino jogos onlineposse.
“E nisso, fui acolhido pela mãe do João. A gente já se conheciacasino jogos onlinevista, e aquele cara era uma unanimidade, todo mundo gostava dele. Mas ele não queria estar pertocasino jogos onlineninguém, pois não se misturava com os avacalhados feito eu.”
Mensagem no fusquinha
Filhocasino jogos onlineagricultores, João Mendes nasceucasino jogos onlineIapu, municípiocasino jogos online12 mil habitantes a 250 quilômetros da capital mineira.
Aos 11 anos, mudou-se com a família para a cidadecasino jogos onlineIpatinga, no Vale do Aço — ali, fixaram-se na rua do Buraco, o primeiro núcleocasino jogos onlinepobreza urbana da região.
Mendes subsistia como ambulante, vendendo laranjas e picolés nos arredores da Usiminas, uma das principais siderúrgicas do país.
Em 1965, conseguiu seu primeiro emprego numa lojacasino jogos onlineserviços fotográficos, o Foto Badi. “Foi graças a essas 3x4 que tudo começou”, diz.
“Meu patrão me explicou no estúdio como fazia e tal. Era revelar o filme, botar as fotos na arara e deixar escorrendo, até secar. Aí ele dava umas retocadas e vinha com os negativos. Eu ficava na câmara escura, tentando, tentando. Uma hora, deu certo”.
Os primeiros cliques, porém, ocorreram numa cerimôniacasino jogos onlinecasamento.
“Eu estava na loja, o patrão tinha saído para almoçar. Um cara veio sem avisar, me chamando para bater fotocasino jogos onlinenoiva. Perguntei se era urgente, ele disse que sim, que estava todo mundo na casa do rapaz, o juiz só me esperando para começar aquilo tudo. Tirei 24 chapas e não perdi nenhuma, pois cuidava para focalizar direitinho. Uma foto sem foco não vale nada."
Logo, as tarefas se diversificaram: Mendes era enviado para registrar aniversários, shows, bailes carnavalescos — e gente morta.
“Isso é muito doloroso”, afirma. “O patrão tinha convênio com a delegacia e mandava eu sair com os homens para fotografar os acontecimentos tristes do pedaço. Eu via acidente, batidacasino jogos onlinecarro, arrancava uns caras do fundo do rio. O primeiro cadáver que peguei estava todo acabado, só na pele. Por causacasino jogos onlineum incômodo com o cheiro, o posto médico enviou aquele corpo para o necrotério. Foi lá que tirei as chapas.”
Em 1968, Mendes chegaria a Belo Horizonte. Com dezessete anos e alguma experiência, integrou-se ao Foto Industrial, na região do Barreiro, sudoeste da cidade. Para complementarcasino jogos onlinerenda, oferecia serviços às trabalhadoras da Rua Guaicurus, a maior zonacasino jogos onlineprostituição do estado.
“Eu saía ao deus-dará e acabava fotografando as meretrizes, coisas meio perversas nas boates do centro. Até que baixou a polícia. Os homens estavam querendo descobrir quem é que fazia esses retratos por lá."
Cinco anos depois, pediu demissão e abriu seu próprio estúdio — o Foto Mendes, aindacasino jogos onlinefuncionamento. Trata-se do mais antigo estúdio do gênero nas proximidades da Serra.
“Estou há meio século no mesmo endereço”, diz. “Você não faz nem ideiacasino jogos onlinequanta gente já sentou nesse banco. O cara fica aqui, na parede, e eu do ladocasino jogos onlinelá, com a máquina. Essa favela tinha duas mil famílias segurando meu comércio."
Hoje, as demandas se atrelam à documentação civil — cédulascasino jogos onlineidentidade e carteirascasino jogos onlinetrabalho, principalmente.
Um discreto sorriso costuma brotar no rosto dos fregueses que Mendes fotografa para tais registros.
“Quando chega algum adulto por aqui, sempre pergunto se tirei retrato dele na creche. Quase todos dizem que sim”.
Por décadas, Mendes atendeu às escolas públicas da comunidade, produzindo fotoscasino jogos onlinebeca. Nelas, criançascasino jogos onlinefisionomia alegre ostentam canudos para celebrar o momento da formatura.
“Você bate um papo com o menino, pede para ficar quietinho. O diploma às vezes cai, escorrega, nem todos conseguem segurar na posição certa. Mas a gente vai levando no banho-maria, e o resultado sempre sai bom”.
O esmero e a paciência lhe valeram, durante os anos 1970, solicitações inspiradas no star system da época: as mulheres desejavam se parecer com atrizes do cinema e da TV; Roberto Carlos, Jerry Adriani e outros cantores românticos eram os preferidos da clientela masculina.
“Isso acontecia demais”, explica. “O sujeito vinha aqui e me pedia fotocasino jogos onlineperfil. Eu sentava elecasino jogos onlinelado, o cara ajeitava o cabelinho, as sobrancelhas e o bigode. Daí fazia posecasino jogos onlinegalã, imitando capacasino jogos onlinedisco. Dizia para eu caprichar, que a foto era para a namorada."
Mendes utilizava uma Yashica Mat, câmera japonesacasino jogos onlinepreço mais acessível, e tripés improvisados com sarrafoscasino jogos onlinemadeira; sem dinheiro para comprar refletores, os substituía por tochascasino jogos onlinepapelão.
“O Afonso era meu vizinho, passava sempre por aqui. Tinha um jeitão diferente, cabelo black power. E a polícia não gostava desses caras, né? Aí minha mãe pediu que eu desse uma chance pra ele. Mas o Afonso machucava as fotos tudo, com aquela mão cascuda. Quando trabalhou no primeiro casamento, foi uma amargura danada. Bateu um filmecasino jogos online36 poses, e o padre não saiucasino jogos onlinenenhuma."
A prática, contudo, elevaria a autoestima do jovem assistente.
“Quando me chamavamcasino jogos onlinefotógrafo, eu só faltava botar um ovo”, lembra Afonso Pimenta. “Eu ficava assim, acelerado. E aos poucos, fui percebendo que ganharia minha sobrevivência dignamente, mas rico eu não tinha condiçõescasino jogos onlineficar."
Foi numa igreja, observando um colega mais velho, que a realidade veio à tona.
“O homem devia ter uns 65 anos, e pensei que fosse milionário, depoiscasino jogos onlinetanto tempo mexendo com isso. Quando ele saiu, resolvi espiar do ladocasino jogos onlinefora. Naquela época, o carro melhor que tinha na praça era o Alfa Romeo, o top dos tops. Mas o cara entrou nervoso num fusquinha amarelo, a lataria balançava toda."
Sobre o vidro traseiro do automóvel, um adesivo advertia Pimenta com a seguinte epígrafe: “Mesmo sendo fotógrafo, heicasino jogos onlinevencer”.
Pausando o tempo
À caça da própria clientela, Pimenta largou o Foto Mendes para trabalhar como autônomo.
“Parti pro corpo a corpo”, diz. “Não aguento ficar quieto, esperando. Sou muito ansioso e gostocasino jogos onlinever o resultado acontecer”.
Trazendo a máquina sob o pescoço e uma reservacasino jogos onlinefilmes na bolsa, dirigia-se a botecos, onde clicava partidascasino jogos onlinesinuca — durante o trajeto, era convidado por moradores a fotografar o interiorcasino jogos onlinesuas residências.
Assim, um burburinho se espalhou pela comunidade: donascasino jogos onlinecasa exibiam retratos às amigas, e maridos contratavam o serviço para honrar a gravidez das esposas.
Nessas imagens, mulheres amamentam os filhos, casais se abraçam na cama, famílias inteiras se reúnem na cozinha ou na salacasino jogos onlineestar. Móveis e eletrodomésticos eram propositalmente enquadrados para criar uma atmosferacasino jogos onlineabundância — estantes, vitrolas e aparelhos televisivos são alguns dos elementos mais recorrentes nas composições visuais.
Gradualmente, surgia um modus operandi.
“Procuro conversar com o cliente primeiro, para saber se tem um sorriso preso ou espontâneo, se fotografa melhor do lado direito ou esquerdo. Cabe ao fotógrafo capturar a aura positivacasino jogos onlinecada pessoa, para que ela se torne linda.”
Em 1986, buscando negativos num laboratório, Pimenta encontrou Misael Avelino, fundador da Rádio Favela. Dele, recebeu a incumbênciacasino jogos onlinefotografar bailes black na Pontifícia Universidade Católica (PUC).
Os eventos, promovidos pelo líder comunitário aos sábados, tinham início às 11h da noite e se estendiam até as 5h da manhã, atraindo centenascasino jogos onlinejovens da periferia ao Diretório Central dos Estudantes.
“Aquela música bate forte, ecoa no ouvido”, relata o fotógrafo. “Ficavam as ruas tudo cheiocasino jogos onlinegente, dançando, namorando, e tinha o caminhão que eles punham lá fora para fazer dublagem, desfilecasino jogos onlinemoda, essas coisas.”
Pimenta levava, semanalmente, quatro filmescasino jogos online36 poses, vendendo por três cruzeiros os retratos que produzia ao somcasino jogos onlinefunk, soul e disco music. Logo nas primeiras semanas, dezenascasino jogos onlinegarotas o procurariam para adquirir fotoscasino jogos onlineum sósiacasino jogos onlineMichael Jackson que se apresentara no caminhão. O astrocasino jogos onlineThriller era um dos cantores favoritos do público, quase empatando com James Brown; ao fim da noite, predominavam Tim Maia e Marvin Gaye.
“Aí o DJ punha uma seletivacasino jogos onlinemúsicas lentas, e cada um procurava seu cacho. Era a hora do argumento, né? Os amores nasciam ali, naquela hora dançante. O casal se beijava? Eu batia o primeiro flagra. O cara fazia um passinho bom no meio da pista? Mais um flagra! Hoje, fotografo a quinta geração."
Pimenta sente-se envaidecido ao ser abordado por filhos e netoscasino jogos onlinevelhos clientes. Emcasino jogos onlinememória, permanecem cristalinas as circunstâncias que envolvem certas imagens.
O casamentocasino jogos onlineMariângela, por exemplo, ocorreu num sábado. A noiva, entretanto, quis ser fotografada no domingo, sozinha — já na segunda-feira, devolveria o vestido, e precisavacasino jogos onlineum retrato individual para enviar a familiares no interior.
Ela aparece no centro do quadro, sobre o chãocasino jogos onlineterra batida, a brancura dacasino jogos onlineroupa se opondo ao céu anil. Em meio a cercas e telhas, nove crianças, três mulheres e um vira-lata caramelo a observam.
“Ela casou assim, na parafernália, tudo emprestado”, recorda Pimenta. “Na entrada do beco, falei pra gente ir até o parque, mas ela não quis, pois as cocotascasino jogos onlinefamílias conceituadas estavam lá embaixo e iam ficarcasino jogos onlinegozação. Então, falei que a gente ia tirar a foto ali mesmo."
Também num sábado, Renatinha completou seis anos. Chovia, porém. Maiscasino jogos onlinevinte pessoas se acotovelaram na minúscula salacasino jogos onlineseu barraco, cantando Parabéns a Você, antes que ela soprasse a vela do bolo, ladeado por uma garrafacasino jogos onlineCoca-Cola, outracasino jogos onlineGuaraná Antarctica, e uma porçãocasino jogos onlinepastéis.
Ao redor da mesa, todos parecem felizes — especialmente a aniversariante, com laços azuis no cabelo.
“Desde pequena, a Renatinha tem boa conversa. Ela disse pra mãe oferecer arroz com feijão pros convidados, que todo mundo ia ficar satisfeito. A mãe se sensibilizou, conseguiu um dinheiro e falou pra eu ir lá, que me pagaria depois. Naquela foto, só quem morreu foi o pai dela e as duas avós, que aparecemcasino jogos onlinecanto."
Não é a única imagem a conter visualmente a presençacasino jogos onlinefinados.
Cristina, moça sonhadora que frequentava a casacasino jogos onlinePimenta, morreu aos 16 anos, no parto do primeiro e único bebê. Carmencita, jovem vaidosa que exibia figurinos extravagantes nos bailes black, sucumbiu a um feminicídio. Sônia, criança risonha fotografada no estúdio da Serra, morreria aos 23 anos,casino jogos onlinecirrose hepática, após uma desilusão amorosa.
“A gente sente saudades, fica lembrando das coisas”, declara Mendes. “A cada dia que passa, a vida vai se fechando mais e mais pro lado da morte, até que uma hora chega a nossa vez."
Dona Inês, mãe do fotógrafo, faleceu aos 78 anos; o pai, conhecido como Seu Mundinho, aos 83. Em 1967, o filho adolescente pedira a eles que se sentassem na varanda, apertando o botão da máquina sob o crepúsculo das 17h. De costas para um muro rabiscado, o casal ainda nos observa com olhos fixos e as mãos nos joelhos.
“Se eu falar muito dessa foto, eu engasgo”, confessa Mendes. “A luz está apagando, o Sol indo embora, e meus pais repousam na sombra, muito nítidos naquela tardinha. Parece até que vejo os dois vivos, e bate aquela vontade da gente se encontrar novamente. Agora, é contemplar o retrato que fiz."
Pimenta se manifesta: “Não fossem os pais do João, talvez eu nem estivesse aqui. Eles me domaram, me puseram pra trilhar o caminho certo. Porque o fotógrafo é o único cara abaixocasino jogos onlineDeus que consegue pausar o tempo".
Apartheid simbólico
O ex-assistente do Foto Mendes revive agora um dia indeterminadocasino jogos online1987, quando Tãozinho, assíduo frequentadorcasino jogos onlinebares, e Graça,casino jogos onlineesposa, lhe encomendaram um clique. Eles sorriem num sofá com toalha xadrez, envoltos pela parede cor-de-rosa e por uma farta vegetação. Acanhada ecasino jogos onlinepernas à mostra, a mulher tenta, sem sucesso, esconder-se atrás do marido.
“Ele disse para eu não perder essa foto, que ela circularia o mundo”, lembra Pimenta. “Achei que o cara estava era doido. Quem ia extraviar o retratocasino jogos onlineum candango daquele? Sempre achei que a foto ia ficar ali, parada, pegando poeira no barraco. Mas, para minha surpresa, a premonição veio a se cumprir."
Hoje, a obracasino jogos onlineJoão Mendes e Afonso Pimenta já não se restringe a becos e vielas. Sua descoberta, porém, evidencia um paradoxo: embora tal iconografia pareça insólita aos gestorescasino jogos onlinemuseus, ela traduz um universo familiar, com o qual a maioria dos brasileiros se identifica.
“Aqui, vigora um apartheid simbólico”, declara Guilherme Cunha.
“É necessário que a gente nomeie o fato, pois nossa desigualdadecasino jogos onlinerepresentação imagética é tão profunda quanto a socioeconômica, e obedece a regras similares. Assim como o regimecasino jogos onlinesegregação racial na África do Sul impedia a livre circulação dos corpos negros pelo espaço público, o Brasil obstrui a preservaçãocasino jogos onlinesuas imagens. Historicamente, as produções periféricas têm sido apartadas dos institutos e centroscasino jogos onlinememória. Nesse momento, presenciamos novos esforços para transformar essa realidade."
Segundo o curador, reações emocionais, como choro e alegria, têm sido comuns — sobretudo entre trabalhadores dos espaçoscasino jogos onlineque as obras são expostas.
“A arte pressupõe um movimento sensível”, afirma.
“No caso desses fotógrafos, ela se expressa pela compreensãocasino jogos onlineseus iguais. A grandeza da existência humana é muito clara nas imagens que ambos constroem. É como se, ao fotografar alguém, eles fotografassem a si próprios."
Mendes, no entanto, admite não compreender plenamente a euforiacasino jogos onlinetornocasino jogos onlinesuas criações.
“O pessoal enxerga um montecasino jogos onlinesignificado nesses retratos, mas eu só me preocupava se o cliente ia achar bom ou ruim”, diz. “Procuro executar do jeito certo, bem feitinho, pra dar um ibopecasino jogos onlineacordo, mas nunca achei que fosse ter repercussão. O problema da fotografia é que sinto medocasino jogos onlinelargar e caircasino jogos onlinealgo pior. Mas ainda dá pra segurar a barra, apesar das muitas dificuldades."
Pimenta alega que o serviço está chegando ao fim, abreviado pela disseminação dos smartphones na esfera doméstica. Hoje,casino jogos onlinerotinacasino jogos onlinetrabalho se limita a casamentos e bailescasino jogos onlinedebutantes. Ao migrar para o digital, adquiriu três novas câmeras e cinco cartõescasino jogos onlinememória — nunca utiliza o mesmo equipamentocasino jogos onlineduas festas consecutivas.
“O zelo que o fotógrafo nutre por seu equipamento é o mesmo que ele deve sentir pelo próprio corpo”, diz.
“O tempo passa e você vai se cansando, mas às vezes o colega não sabe que uma Canon tem vida útil. Outro dia, um cara da minha idade estava me falando que se sente tão bem hoje quanto aos vinte anos. Maior conversa fiada!"