Orwelliano ou kafkiano: o que significam estes adjetivos e quem eram os escritores por trás deles:sacar no pixbet

Fotossacar no pixbetOrwell e Kafka
Legenda da foto, O termo 'orwelliano' está relacionado ao poder, ao controle e à vigilância opressiva. 'Kafkiano' se refere a situações desconcertantes e absurdas,sacar no pixbetum sistema complexo e irracional

Além destes esacar no pixbetmuitos outros, os sobrenomessacar no pixbetdois importantes escritores do século 20 também se transformaramsacar no pixbetadjetivos. Suas ideias trazem tanta ressonância para o mundo atual que essas palavras são usadas com muita frequência — e, às vezes, erroneamente.

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Um deles é Franz Kafka (1883-1924), nascido na Boêmia, hoje República Tcheca. O outro é o britânico George Orwell (1903-1950). Os dois escritores forneceram um mapa, um compêndio e uma advertência para este século.

Eles previram a criação do Twitter, do Zoom e dos reality showssacar no pixbetTV, sem falar nos smartphones e na permanente vigilância, além da ansiedade induzida pelo Estado e da crescente sensaçãosacar no pixbetimpotência frente a forças dificilmente identificadas.

Por isso, um século depois da mortesacar no pixbetKafka e maissacar no pixbet75 anos depois da publicaçãosacar no pixbet1984,sacar no pixbetOrwell, os epônimos decorrentes dos dois autores são cada vez mais apropriados para descrever alguns dos piores aspectos dos tempos atuais.

Mas os autores e suas distopias são díspares. E, para não confundir o que é kafkiano com orwelliano, o melhor é consultar os especialistas: Carolin Duttlinger, codiretora do Centrosacar no pixbetInvestigação Kafka da Universidadesacar no pixbetOxford, no Reino Unido, e o escritor David J. Taylor, biógrafosacar no pixbetOrwell.

Os epônimos

Desenhosacar no pixbetum homem sentado esacar no pixbetluto, feito à tinta

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Um dos desenhossacar no pixbetKafka, autor dos livros 'A Metamorfose', 'O Castelo' e 'O Processo'
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Quando dizemos "kafkiano", estamos nos referindo a uma profunda sensaçãosacar no pixbetque algo não está bem,sacar no pixbetculpa e acusações incompreensíveis que não levam a lugar algum.

"Na ponta mais sinistra do espectro, trata-sesacar no pixbetinstituições invisíveis que rastreiam e perseguem você", afirma Duttlinger.

"Mas também acredito que 'kafkiano' tem componentes mais surrealistas e ligeiramente satíricos,sacar no pixbethumor negro: o sentido do absurdo da vida cotidiana."

Ácido ou não, o humorsacar no pixbetKafka é menos óbvio para quem não lê o escritor no original,sacar no pixbetalemão.

"Para mim, é uma lástima que as pessoas pensem que Kafka só tem a ver com pesadelos e histórias realmente obscuras, porque as partes boas são perdidas", lamenta Duttlinger.

"Seu humor talvez seja um gosto adquirido, mas ele certamente está presente no absurdosacar no pixbetum homem que tenta encontrar sentidosacar no pixbetuma situação totalmente incompreensível... isso é muito divertido."

Jásacar no pixbetrelação a Orwell, Taylor afirma que "'orwelliano' pode significar qualquer coisa que você queira que signifique".

Para ele, "Orwell é tão onipresente no nosso mundo atual que a palavra 'orwelliano' pode designar praticamente qualquer pessoa que tenha algum tiposacar no pixbetreclamação contra a autoridade".

"O significado exato que eu daria ésacar no pixbetum mundo ou cenário no qual qualquer tiposacar no pixbetespírito individual é rotineiramente suprimido por uma autoridade vigilante, que tudo vê e é tecnologicamente capacitada."

Por isso, quando qualificamos algo como orwelliano, não nos referimos a toda a obra do escritor britânico, mas a dois livros específicos: a sátira antiutópica A Revolução dos Bichos (1945) e a apavorante distopia 1984 (1949).

'1984 é agora', diz um grafite escritosacar no pixbetvermelho na Alemanha.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, '1984 é agora', diz um grafite na Alemanha

Em relação a 1984, a advertência contra o totalitarismo, que impressionou seus leitoressacar no pixbetforma tão profunda, impregnou o imaginário cultural como muito poucas obras conseguiram até hoje.

"'Orwelliano', aplicado ao mundosacar no pixbet1984, trata da negação da verdade objetiva, da supressão das liberdades individuais pela manipulação da linguagem e do olhar tecnológico — esta espéciesacar no pixbetideia miltonianasacar no pixbetabrir uma janela para as mentes dos homens, quer eles queiram ou não", diz Taylor.

No casosacar no pixbetKafka, seu romance O Processo, publicado postumamentesacar no pixbet1925, contém a essência kafkiana.

O termo se tornou sinônimo das ansiedades, da sensaçãosacar no pixbetalienação da era moderna e da lutasacar no pixbetuma pessoa comum contra uma autoridade irracional e irrazoável.

Caso você tenha esquecido ou não tenha lido os romances, aqui está um rápido resumo das duas obras:

O Processo conta a históriasacar no pixbetum homem chamado Josef K. Ele vivesacar no pixbetPraga, onde é preso e julgado por um crime desconhecido,sacar no pixbetum sistema jurídico absurdo que parece um pesadelo.

1984 é ambientado na Oceania, com um Estado totalitário que fez lavagem cerebral da população, para que ela obedeça irracionalmente seu líder, o Grande Irmão (ou Big Brother). O romance acompanha o protagonista Winston Smith, que tenta se rebelar secretamente contra o regime opressor, que a tudo observa.

O fracasso

É claro que não devemos considerar que Winston Smith – o personagem principalsacar no pixbet1984 – é,sacar no pixbetalguma forma, similar ao seu criador, George Orwell. Mas será que existe algo do próprio Orwell que pode nos ajudar a entender a visão orwelliana?

"Orwell acreditava profundamente no conceitosacar no pixbetfracasso – no seu próprio fracasso pessoal e no fracassosacar no pixbetquem se atravesse a questionar o Estado e as reverências do Estado", responde Taylor. "Por isso, todos os seus romances, incluindo os realistas da décadasacar no pixbet1930, tratamsacar no pixbetpessoas que fracassam."

"Eles têm o herói que se rebela contra o sistema e, por um momento, o sistema absorve um pouco dessas rebeliões para depois o esmagar. Em 1984, Winston Smith é simplesmente submetido pelo sistema."

"Aquele que controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado", neste grafite feitosacar no pixbetLondres, com Orwell e o seu microfone da BBC.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado', diz o grafitesacar no pixbetLondres, mostrando Orwell falando ao microfone da BBC

"O que Orwell quer mostrar é a absoluta inutilidadesacar no pixbetse pensar que é possível conseguir alguma coisa", explica ele. "E acredito que, desde o princípio, o leitor sabe que a rebelião está condenada ao fracasso."

O final do romance é particularmente deprimente, já que não existe uma grande dramatização. Smith simplesmente termina na mesma cafeteria onde começou.

"Como sempre acontece na ficçãosacar no pixbetOrwell, houve um pequeno reajuste", explica Taylor. "Coisas aconteceram, mas você essencialmente volta mais ou menos para onde estava."

"E, para dar este toque biográfico, ele coincide com a visão que Orwell tinhasacar no pixbetsi mesmo", prossegue o estudioso.

"Certa vez, ele produziu um aforismo totalmente deprimente, dizendo que a vida humana,sacar no pixbetforma geral, é uma sucessãosacar no pixbetfracassos e que somente os muito jovens ou muito tolos acreditam no contrário. De forma que a psicologia dos Estados totalitáriossacar no pixbetOrwell, acredito eu, está intimamente relacionada com asacar no pixbetprópria psicologia pessoal."

Tudo isso, mesmo com seu grande sucesso — e não apenas no campo literário.

George Orwell trabalhou na BBC, onde foi muito querido e aclamado como inovador nas suas produções. Ele pediu demissão para voltar a escrever.

No documento oficialsacar no pixbetsua saída, seu chefe disse:

"É impossível exagerar a qualidade do seu caráter ou dos seus sucessos. Sua dignidade moral é única. Seu gosto literário e artístico é infalível. Ele sai por vontade própria, para tristezasacar no pixbettodo o departamento."

Três meses depois, Orwell já havia terminado o primeiro rascunhosacar no pixbetA Revolução dos Bichos.

O sucesso

Voltando agora para Kafka, o que haverá do escritorsacar no pixbetJosef K., o confuso protagonistasacar no pixbetO Processo?

A julgar por algumas das cartas que enviou àsacar no pixbetprometida — a escritora Felice Bauer (1887-1960) —, a visão que Kafka tinhasacar no pixbetsi próprio não era muito favorável. Ele se descrevia como "irritável, triste, taciturno, insatisfeito e doentio".

"Um homem que — e isso irá parecer para você similar à loucura — está aprisionado por correntes invisíveis a uma literatura invisível e grita quando alguém se aproxima porque pensa que estão tocando nessas correntes."

Estaria ele sendo duro demais consigo mesmo?

"Estas cartas são muito interessantes, mas não são evidências confiáveis", afirma Duttlinger.

"Se você ler todas elas, verá que ele começa vendendo a si mesmo — e é, realmente, um homem muito atraente, no sentidosacar no pixbetque ele a ouve, preocupa-se com ela e a incentivasacar no pixbetsuas diversas atividades — até decidir que ela não é a pessoa indicada para ele", diz.

"Mas,sacar no pixbetvezsacar no pixbetromper o compromisso, ele começa a pintar a si mesmo desta forma incrivelmente desfavorável."

Selo com estampa do rostosacar no pixbetFranz Kafka e Praga

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Selo postal da antiga Tchecoslováquia, com a imagemsacar no pixbetFranz Kafka

Kafka escreveu suas obras durante os últimos dias do império dos Habsburgo.

Ele era um corretorsacar no pixbetseguros emaranhadosacar no pixbetuma enorme burocracia, fazia partesacar no pixbetuma família relativamente próspera e tinha um pai autoritário.

"Seus pais eram incrivelmente trabalhadores", diz Duttlinger. "Seu pai havia crescido na pobreza extremasacar no pixbetuma cidade da Boêmia e abriu os caminhos comsacar no pixbetmãe."

"Eles se mudaram cercasacar no pixbetcinco ou seis vezes nos primeiros anos da vidasacar no pixbetKafka, até que,sacar no pixbetPraga, eles tiveramsacar no pixbetprópria loja, onde ambos trabalhavam seis dias por semana", diz. "Quase nunca estavamsacar no pixbetcasa, mas este tiposacar no pixbetespíritosacar no pixbetesforço é encarnado por Kafka,sacar no pixbetgrande parte, e também é observado no seu personagem, Josef K."

Para ela, "é interessante que tenhamos falado do fracassosacar no pixbetrelação a Orwell, pois acredito que Kafka,sacar no pixbetcerto sentido, é obcecado com a noçãosacar no pixbetsucesso".

Mas como seria este sucesso?

"Josef K. é um jovemsacar no pixbetascensão", explica ela. "Não está por cima, mas está comodamente acima da média e gostasacar no pixbetusar o seu poder. Ele faz os clientes esperarem na calçada, existem jogossacar no pixbetpoder com seu chefe imediato e assim por diante."

"Em grande parte, O Processo também é um romance sobre essa psicologia moderna, talvez masculina,sacar no pixbetrivalidade,sacar no pixbetocupar seu lugar etc."

A verdade

Agora, o momento da verdade para os especialistas: qual será a opinião deles sobre os adjetivos "kafkiano" e "orwelliano"?

"Não costumo usar nenhum dos dois", responde Duttlinger.

Mas ela acha interessante que as pessoas façam isso. "Claramente, eles são uma boa formasacar no pixbetcomunicar um estadosacar no pixbetespírito ou experiência específicasacar no pixbetforma sucinta e, neste sentido, são muito úteis."

No casosacar no pixbetOrwell, Taylor indica que o adjetivo é muito usado porque "como as frases têm difusão muito ampla – temos programassacar no pixbettelevisão sobre o Quarto 101 [de 1984] e o Big Brother –, existe uma consciência coletiva sobre ele que transcende qualquer obra que ele tenha escrito".

"Sociedades inteiras conhecem Orwellsacar no pixbetsegunda mão e, se você mencionar seu nome, alguém com formação média sabesacar no pixbetquem você está falando, mesmo que não tenha lido o livro."

Para Duttlinger, "outra razão do grande sucessosacar no pixbetKafka é a incrível simplicidade do seu estilo, a grande clareza com que ele escreve".

Este tiposacar no pixbetprosa direta, que transmite a mensagem da forma mais transparente, também é associada a Orwell. E as visões dos dois autores podem ser consideradas complementares.

Mas não devemos esquecer que,sacar no pixbetum sistema kafkiano, a verdade zelosamente protegida não pode ser alcançada. E existem inúmeros obstáculos criados para impedir o acesso aos fatos.

Um personagem kafkiano pode passar a vida toda envolvidosacar no pixbettarefas inúteis que devem ser completadas, rumo a um objetivo indefinido. E os governos ou organizações kafkianas são comicamente tão ineptos que parecem quase fantásticos.

Jásacar no pixbetuma sociedade orwelliana, a verdade é manipuladasacar no pixbetnome do poder. Um personagem orwelliano é constantemente vigiado — física, social, emocional e intelectualmente.

Os regimes orwellianos são entes poderosos e invisíveis, que impõem rigorosos controles e falsificam a realidade, transformando o livre arbítriosacar no pixbetuma ilusão. Por isso, o líder é adorado, mesmo sendo nefasto.

O kafkiano é absurdo. O orwelliano é uma falácia.

Ouça o episódio "A Batalha dos Adjetivos" (em inglês), da série da BBC Rádio 4 "Orwell vs. Kafka", que deu origem a esta reportagem, no site BBC Sounds.