Nanismo, drogas e religião: a vidaapostas presidente betNelson Ned, um dos cantores brasileiros mais populares no exterior:apostas presidente bet

Nelson Ned no microfone com multidão atrás

Crédito, Acervo pessoal/Monalisa Ned

Legenda da foto, Nelson Ned canta para 80 mil pessoasapostas presidente betBogotá

Praticamente cego e locomovendo-se numa cadeiraapostas presidente betrodas, ele expressaria ao jornalista o desejoapostas presidente betser lembrado como um homem romântico, intenso e amoroso.

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dência africana. As bases operacionais insalub pesqu removidosarcaçãotest1980

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Foi a última entrevistaapostas presidente betsua vida.

"O Nelson já não tinha muita capacidadeapostas presidente betconcentração", afirma Barcinski.

"Aos poucos, ele foi se esquecendo das coisas, dizendo frases desconexas, e a gente encerrou nossa conversa. Uma irmã já havia me avisado que ele vinha sofrendo com problemas neurológicos."

Tamanha vulnerabilidade não condizia com as memórias que o jornalista carregava desde os anos 1970.

"A exemploapostas presidente bettodo mundo que foi criança na época, lembro do Nelson graças aos programasapostas presidente betauditório. Era uma presença visualmente impactante, aquela voz enorme saindoapostas presidente betum corpo tão pequeno. Ele se tornou famoso num tempoapostas presidente betque pessoas com nanismo tinham uma vidaapostas presidente betclausura, escondidas pelos pais."

As filhas do cantor, que também têm nanismo, falaram com a reportagem.

"Láapostas presidente betcasa sempre tinha um monteapostas presidente betartista", lembra a atriz Verônica Ned.

"Eu aprendi a nadar com o Chacrinha, e nossa faxineira era apaixonada pelo Raul Gil. Para a gente, isso tudo era muito natural."

Nelson com os filhos ao ladoapostas presidente betboneco do Mickey

Crédito, Reprodução/Instagram/@nelsonned.oficial

Legenda da foto, Nelson com os filhos na Disney: para reforçar autoestima das crianças, dizia que eram monarcas da Nedlândia, um reino imaginário governado por pessoas pequenas
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Numa viagem a Miami, Verônica e a irmã perceberiam que o pai era um astro.

"O povo não deixava a gente andar", recorda-se a fonoaudióloga Monalisa Ned.

"Os latinos da cidade gritavam,apostas presidente betespanhol, 'saca una foto!'. Quando entramos no hotel, as camareiras enlouqueceram, apertando nosso rosto, dando uns tapas brutos, chamando a genteapostas presidente bet'Ned’s babies'. E meu pai dava risada, dizendo que era famoso pra caramba."

Até meados da décadaapostas presidente bet1980, Nelson Ned foi um dos cantores brasileiros mais populares do planeta, abarrotando qualquer estádio ou aeroportoapostas presidente betque pusesse os pés.

Singles deapostas presidente betautoria eram uma presença constante nas paradas do continente americano, da Península Ibérica e da África lusófona. Ignorado pelas novas gerações, ele figura ainda hoje entre os maiores vendedoresapostas presidente betdiscos na história do mercado fonográfico nacional.

Passados onze anos do fatídico encontroapostas presidente betCotia, Barcinski publicouapostas presidente betnovembro do ano passado o livro Tudo Passará – A Vidaapostas presidente betNelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção (Companhia das Letras).

"Esse cara é tudo que um biógrafo pode querer. Sempre foi uma pessoaapostas presidente betextremos — o extremo da riqueza e da penúria, o extremo da libertinagem e da caretice, um sujeito capazapostas presidente betamar e odiar com o mesmo fervor. Acho um personagem incrível, daqueles casos mais estranhos que a ficção", diz o jornalista.

'Um showapostas presidente betnoventa centímetros'

Capaapostas presidente betdisco mostra Nelson ao ladoapostas presidente betfita métrica

Crédito, Reprodução/Discogs

Legenda da foto, Na capaapostas presidente betseu primeiro disco, Nelson Ned teve a altura exploradaapostas presidente betforma sensacionalista

Nelson Ned D’Ávila Pinto nasceuapostas presidente betUbá, interiorapostas presidente betMinas Gerais, no dia 2apostas presidente betmarçoapostas presidente bet1947. A mãe era soprano e multi-instrumentista; os tios tocavam flauta e violino. Regularmente, a família promovia sarausapostas presidente betmúsica clássica.

"Era meio que um ritual", lembra Verônica. "Meu avô assistia ao Jornal Nacional e desligava a TV. Depois, minha avó se sentavaapostas presidente betfrente ao piano, com todo mundoapostas presidente betvolta, e tocava até as dez da noite. Quando a gente viajava para o sítio, ela ficava no acordeon. Quase todo dia rolava essa seresta."

Nelson foi o primeiro membro da família a nascer com deficiência. Ele sofriaapostas presidente betdisplasia espondiloepifisária, um tipo raroapostas presidente betnanismo, causado por mutações genéticas.

"Meu pai tinha uma caixa toráxica enorme e um pulmão bem forte", explica Monalisa.

"Nossa tendência é sofrer uma escoliose, uma curvatura acentuada na coluna, mas isso não aconteceu com ele, talvez por ter praticado natação durante a juventude. Aí a musculatura acabou formando uma espécieapostas presidente betcolete, e creio que isso tenha favorecido o canto, naquele estilo tenorzão que todo mundo conhece."

Desde pequeno, Nelson chamava a atenção. Aos três anos, teveapostas presidente betestreia na Hora do Guri, programa radiofônico que lançava artistas mirinsapostas presidente betUbá.

Em 1961, já morando na capital mineira, apresentou-se no Showapostas presidente betPrêmios DDE, atração veiculada pela TV Itacolomi, canal 4apostas presidente betBelo Horizonte.

A convite da mesma emissora, interpretaria sucessosapostas presidente betElvis Presley e Chubby Checker no Cirquinho do Bolão, espetáculo infantil patrocinado pela Lacta.

A fábricaapostas presidente betchocolates o empregava também como animadorapostas presidente betrua — ele cantava numa Kombi cheiaapostas presidente betbombons, percorrendo todas as escolas da cidade.

Dois anos depois, mudou-se para o Rioapostas presidente betJaneiro. Ali, foi acolhido por Silvio Santos, Hebe Camargo e Chacrinha.

"Num primeiro momento, a relação dele com a mídia era bastante cordial", observa Barcinski.

"A imprensa estava satisfeita por ter descoberto um menino talentoso, e ainda por cima 'anão', como se dizia na época. As matérias continham várias piadas duvidosas com a altura dele, algo impensável nos diasapostas presidente bethoje."

"Mas, apesar disso, eram simpáticas ao Nelson, retratado sempre como um garoto batalhador, um jovem superando o nanismo através da música."

Em marçoapostas presidente bet1963, a revista O Cruzeiro publicou uma reportagemapostas presidente betduas páginas a seu respeito.

"Ele recebe cumprimentos olhando para cima", dizia o texto. "Sob os refletores, mostra o verdadeiro tamanho do seu talentoapostas presidente betgente grande."

A matéria continha uma manchete sensacionalista, reaproveitada no ano seguinte como título do primeiro álbum do cantor: Um Showapostas presidente betNoventa Centímetros.

Na capa do LP, Nelson aparece ereto, junto a uma fita métrica, vestindo smoking sob a luzapostas presidente betum holofote azul. Sua verdadeira altura, intencionalmente omitida pelos executivos da gravadora Polydor, eraapostas presidente bet1,12 m.

"Eu senti como era pesado o meu corpo pequeno", diria ele sobre essa estratégiaapostas presidente betmarketing. "Eu não tinha cor, forma física, era apenas uma sombra branca para os produtores. Um simples anãozinho grotesco."

O disco, com doze temas românticos, mostrou-se um fracassoapostas presidente betvendas, e o cantor foi dispensado pela gravadora.

'Tudo passará'

Capaapostas presidente betdisco mostra Nelson Ned posando para fotoapostas presidente betsala

Crédito, Reprodução/Discogs

Legenda da foto, Tudo Passará, segundo LPapostas presidente betNelson Ned, marcariaapostas presidente betconsagração mundial. A faixa-título foi o maior sucessoapostas presidente betsua carreira

Nos anos seguintes, Nelson Ned estreitaria laços com Chacrinha.

"Ele foi como um pai para mim", disse. "Um homem respeitador, carinhoso, que acreditou no meu talento."

De temposapostas presidente bettempos, o apresentador convidava Nelson para acompanhá-lo nas gravaçõesapostas presidente betseu programa, veiculado pela TV Excelsior,apostas presidente betSão Paulo.

Nessas viagens, o artista conheceria as boates da cidade, realizando shows durante a noite; ao amanhecer, visitava gravadoras numa tentativaapostas presidente betemplacar seu trabalho.

Assim, conheceu Leonardo Schultz, maestro que o levaria à capital portenhaapostas presidente bet1968, como atração do Festival Buenos Airesapostas presidente betla Canción. Nelson mostrou a ele uma música ainda inédita a ser apresentada no evento: Tudo Passará.

Schultz apossou-se da obra, negando créditos ao brasileiro.

Pouco depois, a balada ganhou uma gravaçãoapostas presidente betespanhol, na voz do britânico Matt Monro, um dos cantores favoritosapostas presidente betFrank Sinatra. Versõesapostas presidente betinglês, francês, turco, búlgaro, alémapostas presidente betinstrumentais, se sucederiam nos meses seguintes — todas citando Schultz como autor.

Nelson, porém, já havia registrado a música e ajuizou um processoapostas presidente betplágio contra o maestro —apostas presidente bet1975, um tribunalapostas presidente betBuenos Aires daria ganhoapostas presidente betcausa ao artista brasileiro.

O veredito determinou o pagamentoapostas presidente bet8 mil dólares como indenização, mais 200 mil pelos royalties retidos.

Genival Melo, empresário do cantor, declarou à imprensaapostas presidente betfevereiroapostas presidente bet1969: "Nossa surpresa maior foi quando vimos aquiapostas presidente betSão Paulo, lançado pela CBS, um discoapostas presidente betCarlos José, vertido do espanhol, sob o título Tudo Passará. Não era outra, senão a cançãoapostas presidente betNelson Ned. Isso é o cúmulo, pois a música é brasileira."

Dois meses depois, por influênciaapostas presidente betGenival, a Copacabana Discos lançou um compacto com a faixa, agora na vozapostas presidente betNelson.

Jáapostas presidente betmaio, essa versão lideraria paradas radiofônicas por todo o país, às vezes superando os Beatles e Roberto Carlos. Imediatamente, a gravadora anunciou o segundo álbum do artista mineiro — também intitulado Tudo Passará.

Ao posar para a capa do LP, Nelson exigiu uma fotografia que ressaltasseapostas presidente betestatura. Na imagem, ele aparece sentado, balançando as pernas sobre um imponente contrabaixo, com partituras ao fundo. O cantor assinava nove músicas do disco.

"São composições autobiográficas", afirma Barcinski.

"Nas entrelinhas, percebemos que abordam a vidaapostas presidente betum homem rechaçado por ser pequeno. É um álbum muito triste e pesado, sobre as angústiasapostas presidente betalguém que não corresponde a certos padrões sociais."

Todas as letras foram escritas na primeira pessoa. Além da faixa-título, inspirada no relacionamentoapostas presidente betNelson com uma prostituta, o disco trazia Camarim, registro confessionalapostas presidente betsua existência solitária, e Tamanho não é Documento,apostas presidente betque o artista discorre explicitamente sobre nanismo.

"Você vive sempre a brincar comigo / Pode judiarapostas presidente betmim, que eu nem ligo / Sou pequeno, mas meu coração é grande / Bem maior do que o seu / Que já não cabe mais ninguém / Tamanho não é documento / Pelo menos tenho sentimento / Mas isso é coisa que você não tem."

O 'cantor do povão'

Fachada anuncia showapostas presidente betNelson Ned

Crédito, Acervo pessoal/Raymundo Vigna

Legenda da foto, A fachadaapostas presidente betum cassino mexicano exibe o epíteto pelo qual o cantor se tornara conhecido: O Pequeno Gigante da Canção

A partirapostas presidente bet1970, emissoras portuguesas levariam músicas do álbum às colônias lusófonas da África. No ano seguinte, Nelson Ned realizou uma turnê por Angola e Moçambique.

"É difícil entender como ele se tornou uma celebridade por lá", explica Barcinski.

"Ainda não existia televisão nesses países, e os jornais locais não publicaram nenhuma reportagem sobre o Nelson. O mais provável é que tenha sido um fenômeno puramente radiofônico. Os africanos ouviamapostas presidente betobra e se apaixonavam, talvez pelo fatoapostas presidente betserem músicas sobre pessoas mal tratadas, que sofriam humilhações na vida."

Nelson desembarcouapostas presidente betLuanda, capital angolana,apostas presidente bet16apostas presidente betabrilapostas presidente bet1971. Na pista do aeroporto, foi cercado por uma multidãoapostas presidente betfãs incrédulos — nenhum deles sabia que o astro tinha nanismo.

Para confirmar a própria identidade, subiu nas costasapostas presidente betseu empresário e cantou Tudo Passará — o público, então, o acompanhouapostas presidente betuníssono. Foi a primeira vez que uma plateia estrangeira demonstrou idolatria por ele.

"Essa é uma das características que levam o Nelson a ser tão popular lá fora", analisa Barcinski.

"Ele fala sempre pela perspectiva dos excluídos. Em suas músicas, indivíduos buscam algo, mas isso gera frustrações e cenasapostas presidente betintenso drama."

"A sensibilidade dele sempre foi muito latina, desbragada, romântica, com forte inclinação ao bolero. Quando ele canta, a gente consegue visualizar claramente um monteapostas presidente betmarmanjos aos prantos, enchendo a caraapostas presidente bettequila numa boate do México."

Na terra dos mariachis, o brasileiro era um fenômeno:apostas presidente bet1984, o programa Globo Repórter noticiou que seus discos estavam entre os mais vendidos pelas lojas mexicanas, perdendo apenas para Michael Jackson e Silvia Tapia, uma cantora pop local.

O cartunista Henfil, que à época residia nos EUA, escreveu: "Nelson Ned é um dos mais importantes cantores do povão porto-riquenho nos EUA".

Da sacadaapostas presidente betum hotel, Nelson Ned acena para multidão na rua

Crédito, Acervo pessoal/Monalisa Ned

Legenda da foto, Da sacadaapostas presidente betum hotel, Nelson Ned acena para fãs

O mineiro tinha 23 anos quando visitou Nova York pela primeira vez, a convite do Festival da Canção Latino-Americana. Sua apresentação, transmitida ao vivo para todo o continente, renderia a ele comparações com o francês Charles Aznavour.

Após o evento, a gravadora americana United Artists lançou Canción Popular, primeiro álbumapostas presidente betNelson Nedapostas presidente betespanhol — e seu passaporte para o mercado internacional.

Em Iñapari, na fronteira da Bolívia com o Peru, o Jornal do Brasil testemunharia: "Os soldados, nessa cidade pacata, tranquila, quase parada, perguntam se temos discosapostas presidente betRoberto Carlos e Nelson Ned. Permanecem o dia inteiro, com uma velha vitrola movida a pilha, ouvindo dois compactos desses cantores."

Em 1973, o cantor aterrissou na Colômbia, apresentando-se para 80 mil pessoasapostas presidente betuma arenaapostas presidente betBogotá.

No ano seguinte, realizou 72 showsapostas presidente betcassinos mexicanos e 22 espetáculosapostas presidente betMiami.

Meses depois, lotaria, por duas noites consecutivas, o Carnegie Hall — a mais importante casaapostas presidente betNova York,apostas presidente betcujo palco João Gilberto e Tom Jobim haviam se revelado aos americanos.

O país dos rótulos

Ligado à bossa nova e casado com Elis Regina, o músico Ronaldo Bôscoli foi o maior detrator públicoapostas presidente betNelson Ned, a quem se referia como um "anãozinho ridículo". O astro não tardou a se manifestar.

"Esse senhor Bôscoli é personalidade fraca. Apesarapostas presidente betser um compositor, ele aparece mesmo é através do nomeapostas presidente betsua mulher. Do que se esquece é que as letras que faço são viris, ao contrário das dele, que são afeminadas. Eu jamais faria um troço parecido com O Barquinho ou Lobo Bobo", disse Ned.

A relaçãoapostas presidente betNelson com a imprensa já não era mais a mesma. O tom paternalista das primeiras reportagens cedera espaço a uma avalancheapostas presidente betataques àapostas presidente betobra: dizia-se que o repertório era brega e que as letras primavam pelo mau gosto; os arranjos seriam cafonas, e a voz, excessivamente sentimental.

Como todos os cantores românticosapostas presidente betsua época, foi acusadoapostas presidente betescapismo e alienação.

"Com alguma diplomacia, o Nelson talvez assegurasse seu lugar na história da música brasileira", afirma Barcinski.

"Mas ele nunca foi um tipo apaziguador. Quando voltava dos EUA ou do México, esfregava o próprio sucesso na cara dos críticos."

"Ele muitas vezes exagerava, mas não deixaapostas presidente betser incrível que um jovem supostamente bronco, nascido no interiorapostas presidente betMinas Gerais, tenha peitado todo o status quo da mídia brasileira. Suas entrevistas eramapostas presidente betuma violência enorme."

Definindo o Brasil como o "país dos rótulos", Nelson Ned partiu para o ataque: "O artista popular da minha linha não tem que se preocupar com a imprensa. Quem tem que se preocupar com a imprensa é Djavan, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque, porque eles vivem da imprensa. Nós, não." apostas presidente bet

"Somos cantoresapostas presidente betrádio AM, somos homens do povo. Eu venho das massas populares, não fui criado nas elitesapostas presidente betIpanema ou do Leblon, nem represento essa bandeira esquerdizante, indefinida sexualmente. Eu represento o homem brasileiro, a passionalidade latino-americana e toda a virilidade que existe no bolero e na balada."

Sobre os medalhões da MPB, enfileirava termos pouco amigáveis: "esquerdalha", "manipuladores do poder", "exploradores do pobre", "cantores da desgraça alheia", "cafetões da miséria brasileira".

"Os metalúrgicos do PT gostam mesmo éapostas presidente betNelson Ned, Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo e Ângela Maria."

Politicamente, mostrava-se conservador, tendo se recusado por toda a vida a fazer showsapostas presidente betCuba.

"Não canto para ditadores", disse.

No entanto, fez turnês por diversos países com regimes autoritáriosapostas presidente betdireita — a Argentinaapostas presidente betJorge Rafael Videla, o Haitiapostas presidente betJean-Claude Duvalier, a Espanhaapostas presidente betFrancisco Franco e a África do Sul nos anos do apartheid.

Ao mesmo tempo, criticava Augusto Pinochet, defendia as Diretas Já e mantinha forte laçosapostas presidente betamizade com o escritor colombiano Gabriel García Márquez — um fã confessoapostas presidente betsua música e apoiador declaradoapostas presidente betFidel Castro.

"Nelson se definia como um homemapostas presidente betcentro", observa Barcinski. "Hoje,apostas presidente betmeio a tanta polarização, seria obviamente jogado na vala dos direitistas. Mas suas letras e declarações públicas não condiziam com essa imagem estereotipadaapostas presidente betsujeito reacionário. Ele sempre defendeu os direitos das minorias."

Para surpresaapostas presidente betmuitos, o cantor abraçava pautas LGBT e denunciava o racismo da sociedade brasileira.

"Sou uma pessoa que aposta no amor eapostas presidente bettodas as suas consequências", disse.

"Inclusive tenho músicas com letras ambíguas, que insinuam o bissexualismo. Acontece que nossa cultura é discriminativa — preto na cozinha, cego na esquina, anão no circo, gay no picadeiro. Ou no banco dos réus, onde a TFP (Tradição, Família e Propriedade, organização civil tradicionalistaapostas presidente betdireita que apoiou a ditadura militar) é o maior carrasco."

Segundo Monalisa, o pai antipatizava com o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Mas,apostas presidente betcostumes, era muitoapostas presidente betesquerda", diz. "Ele sempre respeitou os funcionários, era a favorapostas presidente bettodos os direitos trabalhistas. Um conservador geralmente não dá a mínima para as pessoas, nunca pensaapostas presidente betlavar a própria louça, acha absurdo um empregado tirar licença porque quebrou o pé."

'Nedlândia'

Monalisa e Verônica, filhasapostas presidente betNelson Ned, se acomodam junto ao pai e ao apresentador Chacrinhaapostas presidente betsala

Crédito, Reprodução/Instagram/@nelsonned.oficial

Legenda da foto, Monalisa e Verônica, filhasapostas presidente betNelson Ned, se acomodam junto ao pai e ao apresentador Chacrinha

As filhas garantem que tiveram uma infância suave, apesar da infidelidade paterna. Nelson Ned Junior, o irmão mais velho, nasceuapostas presidente bet1971, e Verônica,apostas presidente bet1973. Monalisa é frutoapostas presidente betuma relação extraconjugal, e veio ao mundo no mesmo ano que o primogênito.

A família morava numa luxuosa mansão no Alto da Boa Vista, zona sulapostas presidente betSão Paulo.

"Meu pai era muito lúdico e contava histórias para a gente", lembra Monalisa.

"Ele vivia falando coisas sobre a Nedlândia, um reino feliz onde só tinha cidadãos pequenos como nós quatro. Meu pai era o rei, eu e a Verônica éramos as princesas, e meu irmão, o príncipe. Pessoas grandes não entravam na Nedlândia, a não ser como bobos da corte, para nos servir. E a gente se achava, por ter um país só nosso."

A estratégiaapostas presidente betNelson proporcionaria autoestima às crianças.

"Eu nem lembrava que tinha nanismo", relata Verônica. "A menos que alguém colocasse objetos numa prateleira muito alta. De resto, a gente tinha uma vida normal. Ninguém ficava parado, pensando nisso. A gente foi viver."

Contudo, as meninas dificilmente viam outras pessoas na mesma condição.

"Hoje, percebo que ficavam todos bem escondidos", diz Monalisa.

Nelson se ausentava oito meses por ano. Longe da esposa e dos filhos, emendava shows internacionais com orgiasapostas presidente betsuítesapostas presidente bethotel. No final dos anos 1970, seu casamento ruiu.

"A separação dos meus pais até que foi tranquila", afirma Verônica. "Mas quando chegamos à adolescência, tudo piorou. Foi quando ele se tornou um cara bêbado e drogado, superagressivo. A gente passava inúmeros perrengues, ia pra cama sem saber se acordaria viva. A vontade dele eraapostas presidente betescurecer a casa na bala."

Nelson vinha sofrendo dores nas costas, provocadas pelas sucessivas viagensapostas presidente betcarro e avião. Para aplacá-las, automedicava-se com morfina — substância que lhe causaria sérios problemas oculares. Em 1976, perdeu a visão do olho direito; logo depois, viciou-seapostas presidente betcocaína.

Cada vez mais obcecado por armas, mantinha emapostas presidente betresidência uma pistola Beretta, um revólver calibre 38 e um Colt 45 banhado a ouro, que ganharaapostas presidente betArturo Durazo Moreno — guarda-costas do então presidente mexicano, José López Portillo, e chefe do Departamentoapostas presidente betPolícia na capital do país.

Nelson Ned, no palco, beija florapostas presidente betfrente a mulher e olhaapostas presidente betforma compenetrada para ela

Crédito, Acervo pessoal/Monalisa Ned

Legenda da foto, Nelson Ned seduz uma fã: Após as apresentações, o cantor realizava orgias nas suítes dos hotéis

O vínculo com governistasapostas presidente betcentro-direita permitiria a Moreno ser nomeado general cinco estrelas, ainda que nunca tivesse seguido carreira militar —apostas presidente betfortuna multimilionária provinha basicamente do narcotráfico, alémapostas presidente betsequestros e assassinatos por encomenda.

Em 1978, ele assistiu a um showapostas presidente betNelson Ned na Cidade do México, enviando uma frotaapostas presidente betcarros oficiais para buscá-lo num resort. Dali, iriam para uma confraternização naapostas presidente betcasaapostas presidente betcampo — uma enorme propriedade com lagos, hipódromo e uma réplica da discoteca nova-iorquina Studio 54.

Na Colômbia, a situação não era muito diferente. Traficantes locais despachavam aeronaves para São Paulo, a bordo das quais o brasileiro se dirigia a mansões particulares.

Quando não cantavaapostas presidente betfestas do crime organizado, Nelson fazia showsapostas presidente betboates gerenciadas pelos cartéisapostas presidente betCali e Medellín — Pablo Escobar esteve presenteapostas presidente betmuitos desses eventos.

Tais excessos se intensificariam a partirapostas presidente bet1980, quando o artista conheceu Cida Rodrigues, a segunda esposa, mortaapostas presidente bet2018. O casal saía todas as noites e voltava apenas pela manhã, ambos sob efeitoapostas presidente betuísque e cocaína.

Durante a ressaca, irrompiam as brigas: Cida punha as roupas do marido no chão e ameaçava queimá-las; Nelson disparava contra o teto da sala.

Num sábado, 9apostas presidente betabrilapostas presidente bet1988, os filhos acordaram com um estampido. "Encontrei o patrão chorando", diria Manoel Antônio Ramos, o motorista da família. "Havia manchasapostas presidente betsangue no hallapostas presidente betentrada e no caminho para a porta."

O jornal O Globo anunciaria emapostas presidente betcapa: "Nelson Ned tenta matar a mulher com tiro no peito".

Últimos boleros

Nelson chegou ao noticiário policial num períodoapostas presidente betintensas transformações do mercado fonográfico.

Naquele momento, o rádio brasileiro encontrava-se dividido:apostas presidente betum lado estavam as emissoras FM, com som estéreo e programação jovem, focadaapostas presidente betpop rock; do outro, o AM, com sinal mais abrangente e ênfase no forró, sertanejo e música romântica.

Aos 40 anos, o cantor saíaapostas presidente betmoda e revelava desconforto com a crescente apatia do público.

"Não quero passar a imagemapostas presidente betressentido, mas é estranho o que acontece", declarou ao Jornal do Brasil.

"Toco nas FMsapostas presidente betNova York,apostas presidente betMiami, do México,apostas presidente bettudo que é grande capital. Menos nas FMs brasileiras. Aqui, me chamamapostas presidente betbrega e boicotam. Ora, são as mesmas rádios que tocam Julio Iglesias e Fábio Jr."

Jáapostas presidente betcasa, mostrava-se aberto ao gosto musical dos rebentos. O quartoapostas presidente betNelson Ned Junior era forrado com pôsteres do Iron Maiden, AC/DC e outros grupos ligados ao heavy metal; Verônica e Monalisa preferiam Menudo.

Quando a boy band porto-riquenha veio ao país,apostas presidente bet1985, Nelson promoveu um encontro das filhas com os rapazes, instalando-as no mesmo hotel que eles.

E, ao avistar Gene Simmons e Paul Stanley no Gallery, extinta casa noturna frequentada por ricaços paulistanos, ordenou a seu motorista que buscasse Junior — era a chanceapostas presidente beto primogênito conhecer pessoalmente os integrantes da banda Kiss.

"Lá pelos dezessete anos, entrei numa fase meio rock and roll e não curtia o som do meu pai", lembra Monalisa.

"Eu achava muito lento, melancólico, músicaapostas presidente betvelho. A gente estava numa outra vibe, ouvindo Blitz, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, que eram mais a cara da nossa geração, e ele super entendia."

Capaapostas presidente betdisco mostra Nelson com olhar sérioapostas presidente betdireção à câmera e roupaapostas presidente betluxo

Crédito, Reprodução/Discogs

Legenda da foto, Lançadoapostas presidente bet1993, El Románticoapostas presidente betAmérica reunia dezoito clássicos do bolero, e foi o último disco secularapostas presidente betNelson Ned. No mesmo ano, o cantor se tornaria evangélico

"Masapostas presidente betdomingo, ele escutava só o que tinha vontade, aí era Frank Sinatra e Tony Bennett o dia todo. A gente sempre achou legal, era a onda do nosso pai, e estava tudo certo", acrescenta Verônica.

Em 1993, Nelson produziu um álbum inteiramente dedicado ao bolero. Lançado pela gravadora independente Movieplay, El Románticoapostas presidente betAmérica continha versões para dezoito clássicos do gênero, como Perfumeapostas presidente betGardenia, Cuando Tu Me Quieras e Perfídia.

O repertório homenageava Javier Solís, Lucho Gatica, Trio Los Panchos e outros artistas hispânicos que marcaramapostas presidente betadolescência.

"Não sei por que ele gravou El Románticoapostas presidente betAmérica", afirma Barcinski.

"Imagino que tenha sido uma tentativaapostas presidente betrecuperar suas vendagens no mercado latino. É um disco que está 'pau a pau' com qualquer obra-prima mexicana."

"Você escuta e acha que foi produzidoapostas presidente betGuadalajara. Mas, para nosso espanto, as gravações ocorreram aquiapostas presidente betSão Paulo, num estúdio da Vila Mariana, com arranjadores, maestros, um coral e instrumentistas brasileiros, todos escolhidos pelo Nelson."

O cantor, no entanto, havia engordado muito. Sem fôlego, mal conseguia permanecerapostas presidente betpé. Sua respiração estava comprometida, e pela primeira vez sentiu a voz falhar. Em frente aos colegas, teve uma criseapostas presidente betchoro.

Outros problemas se sucederam durante as gravações. Nelson cheirava cocaína ininterruptamente, e as desavenças com Cida persistiam.

"Minha casa, uma mansão, era a antessala do inferno", disse ele. "Toda noite havia brigas. Meus vizinhos não dormiam, chamavam a radiopatrulha, eu saía bêbado e insultava os policiais."

Salmos

Os filhos já não residiam no Alto da Boa Vista — expulsos pelo paiapostas presidente betmeio a um surtoapostas presidente betagressividade, espalharam-se por três endereços diferentes.

Entristecidos, buscavam consolo no cristianismo. Hoje, Monalisa e Verônica são evangélicas.

Por indicação da filha caçula, Nelson leria os Salmos da Bíblia, sentindo-se tocado por um versículo que dizia: "Criaapostas presidente betmim, ó Deus, um coração puro, e renovaapostas presidente betmim um espírito reto". Foi o inícioapostas presidente betsua conversão religiosa.

"Isso salvou a vida dele, e toda a nossa família", declara Verônica. "A gente vivia sempre num medo terrível, mas com aquela pontaapostas presidente betesperança. Nossa meta era salvá-lo, pois meu pai tinha apenas três caminhos — cadeia, hospício ou cemitério. A gente orava para ficarapostas presidente betpaz, e por entender que a palavraapostas presidente betDeus faria essa transformação."

Naquele mesmo ano, Nelson Ned assinou contrato com a Line Records, selo gospel da Igreja Universal, lançando o álbum Jesus Está Vivo. Entre as doze canções que integravam o LP, quatro eramapostas presidente betsua autoria: além da faixa-título, compôs Quando eu Faloapostas presidente betJesus, Jesus é a Saída e Para ti, Senhor Jesus.

O cantor nunca mais gravou um disco não religioso.

"Muita gente acha que meu pai renegou a própria obra, mas isso não é verdade", alega Monalisa. "O problema é que ele sempre cantou o que vivia, eapostas presidente betrepente se viu evangélico, apaixonado por Deus, e só conseguia escrever músicas sobre esse outro tipoapostas presidente betamor, que é o amorapostas presidente betJesus."

Apesar da mudança, Nelson orgulhava-seapostas presidente bettodo o seu repertório.

"Nos shows, ele ainda cantava os antigos sucessos", afirma Verônica. "Nunca houve empecilhos, porque não tem 'putaria' nessas músicas, é só dorapostas presidente betcorno. E dorapostas presidente betcorno, todo mundo sente."

Nelson, agora, apresentava-seapostas presidente betcultos e templos, ganhando cachês inferiores e vendendo menos discos.

Boates e casas noturnas evitavam contratá-lo para shows, pois viam nas igrejas uma concorrência desleal.

Para economizar o dinheiro das passagens aéreas, o cantor viajava somenteapostas presidente betcarro, atravessando longas estradas na companhiaapostas presidente betseu motorista. As orquestras e músicosapostas presidente betapoio foram substituídos por bases pré-gravadas, que ele mesmo carregavaapostas presidente betCDs. Quase não recebia propostas no exterior.

Saudadesapostas presidente betsi mesmo

Nelson Ned com palco e usando microfone

Crédito, Silvio Tanaka/Wikimedia Commons

Legenda da foto, Nelson Nedapostas presidente bet2008, duranteapostas presidente betúltima apresentação, na Virada Culturalapostas presidente betSão Paulo. Ele sofria com as sequelasapostas presidente betum AVC

Certa noite, Cida avisou às enteadas que o marido não estava bem.

"Quando entrei no quarto, vi meu pai caído ao lado da cama", relata Monalisa. "Ele não me respondia, nem se levantava. A gente ligou para uma ambulância e ele foi embora, sem planoapostas presidente betsaúde. Depois desse dia, nunca mais voltou a ser o mesmo."

Nelson tivera um derrame cerebral — após um mêsapostas presidente betinternação, o AVC o deixaria com a fala prejudicada e sequelas permanentes no lado esquerdo do corpo.

Sua última apresentação ocorreuapostas presidente betSão Paulo, no dia 26apostas presidente betabrilapostas presidente bet2008, durante o evento Virada Cultural.

Às 19h daquele sábado, visivelmente fragilizado, o artista subiu num palco, esforçando-se para cantar seus clássicos à plateia que se aglomerava no Largo do Arouche.

Daliapostas presidente betdiante,apostas presidente betúnica fonteapostas presidente betrenda seriam os royalties das músicas que compusera ao longo das décadasapostas presidente bet1970 e 80 — uma verba insuficiente para as despesas básicas da casa.

Ao visitá-lo, familiares se assustavam com os arranhões e hematomas que apareciam emapostas presidente betpele. Um dia, a irmãapostas presidente betNelson o resgatou — alegando que o levaria para um passeio, buscou o cantor no Alto da Boa Vista, para nunca mais voltar.

Em programas vespertinos da TV aberta, Cida acusou a famíliaapostas presidente betsequestro. Em 2012, um incêndio destruiu a mansão, reduzindo a cinzas os Discosapostas presidente betOuro que Nelson Ned ganhara ao longo da carreira.

Dois anos depois, Verônica visitou o pai numa clínicaapostas presidente betrepouso. As enfermeiras tentavam reanimá-lo — ele havia sofrido um desmaio, agravado por um quadroapostas presidente betpneumonia. A ambulância o levou para um hospital públicoapostas presidente betCotia (SP), onde morreria nas primeiras horasapostas presidente betum domingo, 5apostas presidente betjaneiroapostas presidente bet2014.

As filhas consideram que esse foi o desfechoapostas presidente betum caminho vitorioso.

"Meu pai levou pontapés e sofreu doresapostas presidente betamor", reflete Monalisa. "Mas também foi uma criança querida e um homem resiliente, mesmo na doença. Ainda acordo com frases dele ecoando dentro da minha cabeça. No fim da vida, ele sempre me perguntava se eu era uma pessoa feliz. E isso é muito bonitinho, sabe?"

Para Verônica, o percursoapostas presidente betNelson Ned deve ser narrado integralmente, sem omissões.

"Acho importante falar sobre drogas, violência e alcoolismo", diz. "Querendo ou não, foi a história dele, é impossível mudar esse fato. E não acho que meu pai tenha morrido feliz, porque ele sentia saudadesapostas presidente betsi mesmo, da própria essência."

"Mas com certeza, ele partiuapostas presidente betpaz. Eu sei para onde ele foi. E acredito que lá, esteja muito melhor do que todos nós aqui."