Por que 'síndromeEstocolmo' pode ter sido criada para disfarçar erros da polícia:
"Jan disse a ele: 'Não vou machucar nenhum osso daperna. Vou só atirar na parte que não irá machucar muito'."
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Analisando o que aconteceu, ela tinha dificuldade para entender a insensibilidade dareação. "Naquela situação, achei que ele estava sendo um tanto covarde, não deixando que fosse atingido na perna", disse ela.
"Acho horrível pensar desta forma e dizer isso, mas também acho que demonstra o que pode acontecer com as pessoas quando estãouma situação tão absurda. É uma situação que causa essa inversão da moral. Realmente sinto vergonha disso."
Olsson não levou seu plano adiante, mas Säfström admitiu posteriormente que também se sentiu agradecido aos seus sequestradores. E precisou se esforçar para lembrar que eles eram criminosos violentos, não seus amigos.
Após o sequestro, a expressão síndromeEstocolmo foi criada pelo psiquiatra e criminologista sueco Nils Bejerot (1921-1988). Ela designa o afeto aparentemente irracional que alguns prisioneiros desenvolvem pelos seus sequestradores.
A teoria chegou ao públicogeral um ano depois, quando a herdeira do setor jornalístico da Califórnia (EUA) Patty Hearst foi sequestrada por militantes revolucionários. A jovem19 anos aparentemente se solidarizou com seus sequestradores e chegou a acompanhá-losum assalto.
Ela acabou sendo capturada e condenada à prisão. Segundo seu advogadodefesa, Hearst havia passado por lavagem cerebral e sofria da síndromeEstocolmo.
Negociação com sequestradores
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A arte da negociação entre a polícia e os sequestradores surgiu na década1970, com os policiaisNova York (EUA) Frank Bolz e Harvey Schlossberg.
A ideia surgiu após o fracassado resgate durante os Jogos Olímpicos1972Munique, na Alemanha. Naquela ocasião, 11 atletas israelenses foram mortos depoisterem sido capturados por membrosum grupo militante palestino.
Em 1980, Bolz e Schlossberg participaram do documentário da BBC Inside Story: Hostage Cops. Eles explicaram que a equipenegociaçãosequestros do DepartamentoPolíciaNova York surgiu devido aos temoresque algo similar pudesse acontecer na cidade.
O objetivo era solucionar situações com segurança, sem invasões com armasfogo, como nos filmesHollywood.
A táticaretardar as negociações permitia que os sequestradores tivessem mais tempo para cometer erros e criava espaço para que eles formassem empatia com os prisioneiros, reduzindo a possibilidadeum final violento.
No final dos anos 1970, cerca1,5 mil forças policiais haviam enviado oficiais para Nova York. Eles foram aprender com a experiência práticaBolzmais200 sequestros.
Suas lições chegaram ainda mais longe quando uma equipeproduçãodocumentários da BBC assistiu a uma aula magistral oferecida por Bolz e Schlossberg, ex-policialtrânsito com doutoradoPsicologia.
Para Schlossberg, a síndromeEstocolmo – ou SíndromeIdentificaçãoSobrevivência – não era um conceito complicado.
"Queríamos simplesmente dizer que, quando duas ou mais pessoas se reúnem, elas formam um relacionamento – é apenas isso", explicou ele. E "é claro que, quanto mais tensa for a situação, mais rápido e intenso será o relacionamento."
"Quando as pessoas estãocrise e não sabem ao certo o que irá acontecer, a única coisaque todos nós temos medo éficarmos loucos. Ou seja, estamos sempre preocupados, será que estamos perdendo o juízo? Isso realmente está acontecendo comigo? O que estou fazendouma coisa destas? Estou passando por isso?"
"E o que fazemos é comparar nossos sentimentos com outra pessoa porque, se aquela pessoa estiver compartilhando esta experiência, estiver vendo as mesmas coisas, não estiver ficando maluca e isso realmente estiver acontecendo, talvez esteja tudo bem."
Schlossberg afirmava que os criminosos costumam colocar os reféns ao telefone para conversar com os negociadores, mas não faz sentido tentar obter deles informações sigilosas.
"O refém irá contar ao criminoso tudo o que você disser a ele", explicava Schlossberg. "Eles são testemunhas terríveis e, quando são libertados, as informaçõesinteligência que eles fornecem podem não ter utilidade."
Bolz explicou que, quando os sequestradores fazem exigências, é importante não descartá-las diretamente. "Você nunca diz não a eles, mas não necessariamente responde sim. É sempre 'vou ver o que posso fazer – vou tentar para você'."
Para Schlossberg, é fundamental que a polícia mantenha o controle da situação. Ele insistia que o sequestrador "irá falar com o nosso negociador ou não falará com ninguém".
"Não queremos advogados, mães, padres – não queremos que eles falem", explicava ele. "A fantasia é que você não vai falar com ninguém, a menos que consiga a pessoa com quem quer falar. A realidade é por quanto tempo você conseguiria se sentar nesta sala e não fazer contato com o mundo exterior?"
Sitiados
Na época do sequestroEstocolmo, a polícia sueca não contava com nenhuma destas lições. Por isso, houve uma sérieerros básicos que não aconteceriam hojedia.
Quando Olsson invadiu o banco Sveriges Kreditbanken, ele exigiu 3 milhõescoroas suecas (R$ 1,6 milhão ao câmbio atual), um carro para fugir e a liberaçãooutro criminoso que estava na cadeia.
Ele não conseguiu o dinheiro nem o carro, mas o psiquiatra Nils Bejerot aconselhou a polícia a atender ao seu pedidoque um dos criminosos mais famosos da Suécia, Clark Olofsson, fosse levado ao banco, na Praça Norrmalmstorg,Estocolmo.
Olofsson recebeu a tarefatrabalhar infiltrado. Em troca,pena seria reduzida.
Bejerot foi responsável por cunhar a expressão síndromeNorrmalmstorg, que depois passou a ser conhecida como a síndromeEstocolmo.
Para alguns, esta teoria foi uma tentativadesviar a atenção dos erros cometidos por ele e por seus colegas policiais durante o sequestro, colocando a culpa nas vítimas.
Ao longo do sequestro, os quatro reféns e dois criminosos começaram a desenvolver uma relação improvável dentro do cofre do banco,meio a aparentes atosbondade dos sequestradores.
Por outro lado, os reféns expressaram mais hostilidaderelação à polícia, temendo que qualquer tentativacolocar fim ao impasse pudesse resultar namorte.
O carismático Olofsson convenceu a refém Kristin Enmark a manter contato telefônico com o então primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme (1927-1986). Ela implorou para poder sair do bancoum carrofuga com os sequestradores.
"Acho que você está sentado jogando xadrez com as nossas vidas", disse ela ao primeiro-ministro.
"Confio plenamenteClark e no assaltante. Não estou desesperada. Eles não fizeram nada conosco. Pelo contrário, eles têm sido muito gentis. Mas, sabe, Olof, o meu receio é que a polícia venha atacar e nos leve à morte."
Em 2016, Enmark declarou à BBC: "Gostaria que aquela chamada telefônica nunca tivesse acontecido porque era uma chamada sem sentido. Eu estava ali, sentada, pedindo pela minha vida. Ele era o primeiro-ministro. O que ele poderia dizer?"
Por vários dias, os reféns foram mantidos dentro do cofre do banco. O prédio estava rodeado por policiais armados.
A polícia acabou decidindo invadir pelo teto e desarmar os sequestradores com gás lacrimogêneo. Os guardas gritaram para que os reféns saíssem primeiro, mas eles se recusaram, acreditando que os sequestradores seriam mortos.
Por isso, enquanto saíam, os criminosos pararam no corredor para abraçar duas das mulheres sequestradas. E Säfström, que havia escapado por poucolevar um tiro na perna, recebeu um forte apertomãos.
Este comportamento surpreendeu grande parte do público sueco, que acompanhava há dias os dramáticos eventos sucedidos no banco.
Bejerot diagnosticou a síndromeEstocolmo sem sequer falar com Enmark, mas a teoria parecia ser uma explicação plausível. Por isso, ela capturou a imaginação da imprensa internacional.
Para os negociadoressequestrosNova York Frank Bolz e Harvey Schlossberg,1980, o conceito da síndrome pode ser considerado uma ferramenta útil para descrever a dinâmica interpessoaluma situação traumática.
Mas este rótulo é uma representação totalmente errônea da experiênciaKristin Enmark, segundo o terapeuta canadense Allan Wade, que manteve extensas conversas com a vítima do sequestro na capital sueca.
Em 2023, Wade declarou à BBC que "a expressão 'síndromeEstocolmo' tem fortes raízes no pensamento psicanalítico europeu".
"Mas, naquele momento, ela foi empregada para silenciar e desacreditar uma jovem furiosa que havia resistido à violência, protegendo a si própria e a outras pessoas por seis dias e meio. Ela foi usada para defender a reação da polícia."
Enmark declarou2016 que manteveamizade com Olofsson, o homem que foi retirado da prisão para atender às exigênciasOlsson.
Wade afirma que, durante o sequestro, o prisioneiro "realmente estava trabalhando para tentar fazer com que algumas das pessoas se sentissem mais seguras."
"Se você tratar Clark Olofsson como se ele fosse simplesmente mais um sequestrador, terá dificuldade para compreender por que Kristin ou os demais poderiam ter alguma espécierecordação positiva sobre ele", explica o terapeuta.
Em entrevista para o programa Sideways, da BBC Rádio 4,2021, Kristen fez uma avaliação incisiva da síndromeEstocolmo. "É besteira, se é que se pode falar isso na BBC. É uma formaculpar a vítima. Eu fiz o que pude para sobreviver."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.