A incrível história da família que sobreviveu 38 dias à deriva no Pacífico:slot r
Douglas Robertson estava apavorado: além do medo ao sentir a água subindo rapidamente até seu quadril - antecipando o inevitável naufrágio do veleiro que servia como casa paraslot rfamília havia maisslot rdois meses - ele só conseguia pensar nas orcas que nadavam sob seus pés.
As mesmas que momentos antes haviam se chocado contra o barco, colocando-os no pesadeloslot rque então se encontravam.
“Ainda me lembro do terror, vimos como as 'baleias assassinas' subiam à superfície. Uma abriu a cabeça e o sangue jorrava no mar”, diz Douglas, lembrando o incidenteslot rentrevista ao programa Outlook da BBC, maisslot r50 anos depois.
Foi assim que começou o naufrágio que,slot r1972, deixou Douglas eslot rfamília à deriva no oceano Pacífico por 38 dias, comendo apenas carneslot rtartaruga e peixes, e racionando a água potável que conseguiam guardarslot rchuvas.
Essa incrível história é contadaslot rum episódio da terceira temporada do podcast Que História!, da BBC News Brasil. Ele pode ser ouvido nas principais plataformasslot rpodcast, como Spotify e Apple Podcasts, e no canal da BBC News Brasil no YouTube.
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O que acabaria virando um pesadelo começou como um sonho do paislot rDouglas, Dougal Robertson, eslot rmulher, Lyn,slot rdar a volta ao mundo com a família num veleiro.
Depoisslot rplanejarem por quase 3 anos, eles venderam a fazenda que tinham na Inglaterra e compraram a Lucette, a escunaslot r13 metrosslot rcomprimento que acabaria indo parar no fundo do oceano.
“Era velha, mas estavaslot rperfeito estado”, diz Douglas.
'A última viagem da Lucette'
Em 1970, o ex-capitão da marinha mercante Dougal Robertson morava com a mulher, Lyn, que era ex-enfermeira, e filhos numa fazendaslot rgado leiteiro na cidade inglesaslot rLeek.
Douglas lembra que a vida na fazenda nunca foi fácil, o que contribuiu com a ideiaslot rembarcarslot ruma viagem ao redor do mundo com a família.
“Vivíamos no meio do nada, bem isolados, e meu pai acreditava que essa viagem seria uma maneiraslot reducar os filhos na universidade da vida”, diz.
Eles tiveram que vender a fazenda e conseguir um barco adequado para fazer a travessia, tudo issoslot rmeio a críticasslot rparentes.
“Mas meu pai insistiu, disse que tínhamos que navegar pelo mundo porque era algo muito diferente da vida que vivíamos”, lembra Douglas.
Assim, Dougal, Lyn e os filhos Anne,slot r19 anos, Douglas, 18, e os gêmeos Sandy e Neil,slot r10, zarparam a bordo da Lucette no dia 27slot rjaneiroslot r1971, partindoslot rFalmouth, na Cornualha.
A primeira etapa da viagem os levou para Lisboa,slot rPortugal, e depois a Tenerife, nas Ilhas Canárias. Para o jovem, que na época da viagem tinha acabadoslot rcompletar 18 anos, o sol das Ilhas Canárias foi o que o fez entender que estavam realmente viajando “ao redor do mundo”.
Nas Ilhas Canárias, eles compraram um pequeno barcoslot rfibraslot rvidro, que batizaramslot rEdnamair,slot rhomenagem às duas tiasslot rDouglas que o bancaram, Edna e Mary. O amarraram à popa do barco e seguiram viagem. Passaram 18 meses velejando por vários portos caribenhos.
Nas Bahamas, Anna, na época com 20 anos, conheceu um homem e decidiu ficar lá com ele.
A família seguiu viagem, agora sem Anna, mas com um novo membro da tripulação, um estudante galêsslot r22 anos chamado Robin Williams.
Passaram pela Jamaica e cruzaram o canal do Panamá.
A próxima parada foi Galápagos e,slot rlá, iniciaram uma travessiaslot r45 dias pelo Pacífico até as Ilhas Marquesas, na Polinésia Francesa.
O ataque
“Eram 10 horas da manhãslot r15slot rjunhoslot r1972 quando o veleiro foi sacudido violentamente por três pancadas: Pá! Pá! Pá!. Não sabíamos o que nos atingiu”, lembra Douglas.
Eles estavam cercaslot r320 quilômetros a oeste das Ilhas Galápagos. Douglas e Neil estavam no convés quando viram um gruposlot rorcas sair da água, uma delas com sangue jorrandoslot rum ferimento aberto na cabeça.
Douglas correu para encontrar seu pai, que estava no convés, com água até os tornozelos. Ele lembra que antes que seu pai pudesse explicar que o navio estava afundando, a água já havia subido atéslot rcintura.
“Foi quando ele disse 'abandonem o barco', mas minha pergunta foi 'abandonar o barco para onde?'”, diz Douglas.
Aos poucos o terror começou a tomar conta do jovem: “Comecei a pensar que tudo era um pesadelo, que eu iria acordar e tudo ficaria bem”.
Douglas correu para inflar o bote salva-vidasslot rborracha do veleiro.
"Botamos coletes salva-vidas e entramos no bote. Fui o último a entrar… Minha mãe começou a rezar o Pai Nosso. Ela era uma cristã devota. Meu pai era ateu. Eu também era ateu. Mas dessa vez pensei: vou rezar o Pai Nosso porque posso precisarslot rDeus a qualquer momento", contou Douglas.
A Lucette afundouslot rquestãoslot rpoucos minutos. A família tinha levado o que podia para o bote inflável e o Ednamair. Um sacoslot rcebolas, uma faca, uma lataslot rbiscoitos, 10 laranjas, seis limões, foguetesslot rsinalização, alguns anzóis e um diárioslot rbordo.
Tinham água para 10 dias e raçõesslot remergência para três. Lyn também trouxe o kitslot rcostura, que tinha uma caneta.
Era o que tinham. Os seis agrupados no boteslot rborrachaslot r2 metros e meio por 2 metros, coberta por uma tendaslot rlona, ligada por uma cordaslot rarames ao barquinhoslot rfibraslot rvidro. Sem mapas, bússola ou qualquer instrumentoslot rnavegação.
E o pior, ninguém sabia sobre o que tinha acontecido com eles.
Dura realidade
Elaboraram um plano. Resolveram rumarslot rdireção ao norte, à chamada Zonaslot rCalmarias Equatoriais, uma faixa ao redor da linha do Equador. É uma áreaslot rbaixa pressão, ventos calmos e muita chuva - que eles precisavam para ter água potável.
Ali também ficava uma rotaslot rnavegação, o que aumentaria as chancesslot rcruzarem com um navio.
Eles prenderam uma vela a um mastro improvisado, feito com remos, no Ednamair, e transformaram o barquinho numa espécieslot rrebocador a remo do boteslot rborracha.
"Seis dias depois, vimos um navio passando longe. Disparamos cinco sinalizadores ao todo, mas ele não nos viu. Foi bem desanimador", relatou Douglas.
"Depoisslot rdez dias, chegaram à Zonaslot rCalmarias, o tempo estava quente e seco, o oposto do que a gente esperava. Fazer o quê… Tivemos que esperar. E cercaslot rdois ou três dias depois,slot rrepente, caiu a maior chuva."
"Ficamos tão felizes que começamos a cantar na chuva.…. e cantar na chuva fazia nossos pulmões vibrarem. Isso era uma formaslot rnos manter aquecidos. Porque a essa altura praticamente não tínhamos mais roupas, elas se desintegraram."
Sobreviver
Outro grande problema era a fome, que eles resolveram,slot rum primeiro momento, comendo os peixes voadores que caíam no bote ou no barquinho. Depois, um réptil passou a dominar a dieta da família Robertson: a tartaruga.
"As tartarugas simplesmente apareciam nadando na nossa direção", contou Douglas. "Na primeira vez, uma apareceu na minha frente, quando eu estava remando o barquinho. Dei um golpe na cabeça dela com a alça do remo, mas ela simplesmente seguiu nadando. A segunda tartaruga que apareceu eu consegui tirar da água, mas como as nadadeiras dela são bem afiadas, me cortei todo e joguei ela pro meu pai, no bote. Mas ele também não conseguiu segurar a tartaruga e ela caiu no mar. Só a terceira tartaruga é que conseguimos pegar."
"Comemos a carne vermelha crua mesmo. Depois passamos a colocar tirasslot rcarne para secar no sol, nos dois barcos, onde houvesse espaço. A carne seca podia ser guardada por vários dias. A gente fazia um estoque. E percebemos que poderíamos beber o sangue da tartaruga. Não era salgado. Seria uma formaslot rsubstituir a água."
Mas chegou um momentoslot rque ficaram sem água alguma. Foi quando Lyn teve uma ideia inusitada. Aslot raproveitar a água suja da chuva misturada com sangue e gordura que se acumulava no fundo do barcoslot rfibraslot rvidro administrando-a diretamente no intestino usando um enema - feito com tubosslot rborracha.
O enema é um dispositivoslot rborracha usado para introduzir água pelo ânus, para fazer lavagem intestinal. Era o único jeitoslot ringerir a água suja, pois as paredes do intestino, quando absorviam a água, funcionavam como uma espécieslot rfiltro.
Além da sede e da fome, outro problema foi que a jangada começou a vazar. Dougal, Robin e Douglas se revezavam assoprando ar para dentro do bote, um trabalho extenuante, que não impedia a águaslot rentrar. Todos tinhamslot rficar sentados na fria água salgada por dias a fio, e isso fez com que todos tivessem feridas espalhadas pelo corpo.
No décimo sétimo dia, o chão do bote se desintegrou e os seis tiveramslot rse mudar para o Ednamair, o barcoslot rfibraslot rvidro, que eles vinham usando como rebocador e para armazenar água e comida.
Eles levaram o que podiam, prenderam um pedaço flutuante do bote na proa do Ednamair e ergueram a tendaslot rcobertura, que também serviaslot rvela. Em meio à vastidão infinita do oceano do céu, eram seis pessoas espremidasslot rum barquinhoslot rdois metros e meio, onde uma mera trocaslot rlugar exigia um cuidadoso planejamento.
Sopaslot rtomate e saladaslot rfrutas
Eles passavam o tempo falando sobre comida. "Alguém contava que fazia uma sopaslot rtomate, por exemplo, e fazia essa história durar 15 minutos. A gente ficava atento a cada palavra. 'Quanta pimenta você colocou?' 'Você colocou manteiga também?' 'Seria pão crocante ou algum outro tiposlot rpão?'."
"Teve uma noiteslot rque eu estava com muita sede, mascando pequenos pedaçosslot relástico, porque isso trazia umidade para nossas bocas, e comecei a viajar, a pensarslot rcomida. Penseislot ruma saladaslot rfrutas frescas que comeriaslot rsobremesa, depoisslot rcomer um bife com ovo e batatas fritas. E isso veio até mim com tantos detalhes que acordei meu pai e disse: ‘pai, acabeislot rter a visãoslot ruma saladaslot rfrutas frescas’. Em vezslot rficar com raiva por ter sido acordado, ele disse: ‘Conta mais, Douglas’. E compartilhei essa visão com ele. E quando terminei, ele disse ‘muito obrigado’ e voltou a dormir."
A boa notícia foi que, por alguns dias, tiveram água e comida suficiente para melhorarem física e mentalmente. Continuavam se alimentandoslot rpeixes e tartarugas. E a partir do 29º dia, tiveram uma novidade no cardápio.
"Tínhamos alguns anzóis, e a gente pescava,slot rgeral, dourados-do-mar", contou Douglas. "Além da carne, a gente aproveitava a água doce nos olhos do peixe e num saco que eles tinham entre vértebras da espinha. E certa vez, estávamos pescando, e um tubarão mako,slot rcercaslot rum metro e meio, um metro e oitenta, tipo dois terços do comprimento do barco, ficou com um anzol preso bem debaixo do olho. Então ele estava ali à nossa mercê. Mas a gente não sabia o que fazer. Como levar pro barco e matar um tubarão?"
"Elaboramos um plano. Puxar a linha até o tubarão ficar no lado do barco, pegá-lo pelo rabo, puxá-lo para dentro do barco, deixando a cabeça para fora. Meu pai tentaria matá-lo, e minha mãe tentaria colocar um remo na boca dele, para ele morder esse remo e não morder ninguém."
"O plano funcionou perfeitamente. Na verdade, foi mais fácil do que a gente esperava, porque o tubarão não consegue se mover quando está fora d'água. A gente achava que ele fosse se debater e ser difícilslot rsegurar, mas ele simplesmente ficou parado, sem se mexer."
A carne desse tubarão os alimentou por nove dias. Até a chegada do dia 38.
A salvo
Choveu muito neste dia. No início da tarde, eles estavam falando sobre comida e um café que conheciam.
"Então, meu pai está falando sobre esse café, olhando para o outro lado do mar eslot rrepente diz: ‘há um navio ali’. E continuou falando sobre o café. Eslot ronde eu estava sentado, não dava pra ver o navio. Eu perguntei ‘você acabouslot rdizer que viu um navio?’ E meu pai: Sim, há um navio ali. Um navio. Um navio!...
"Aí que ele se tocou e disse: Pegue os sinalizadores! Ele acendeu o primeiro facho …nada aconteceu, o navio ainda mantinha seu curso. Passei pra ele então o último sinalizador. Ele acendeu o facho, segurou o sinalizador com firmeza, segurou, segurou…o facho queimandoslot rmão, até ele jogá-lo no mar."
De repente, o navio alterou o seu curso e logo soltou a buzina. Eles estavam salvos.
"Eles nos puxaram para o navio, um navio japonês. E nós, todos sujos e cheiosslot rsangue e gordura, estávamos fedendo! O capitão olhou para a gente e a primeira coisa que disse, num inglês meio ruim, foi: todos para o chuveiro!"
No dia 23slot rjulhoslot r1972, após 38 dias perdidos no mar, eles foram finalmente resgatados por um barco pesqueiro japonês, o Toka Maru II, que estava a caminho do canalslot rPanamá e notou o fachoslot remergência.
A essa altura, os Robertson e Robin Williams tinham viajado 1.200 quilômetrosslot rjangada e barco, e estavam a pouco menosslot r500 kmslot rterra firme.
Quando, dias depois, chegaram ao Panamá, veículosslot rimprensa e mídia do mundo inteiro estavam à espera deles. De noite no hotel, Douglas finalmente visitou seu primeiro restaurante.
"Olhei o cardápio e pedi um brunch, com bife e ovos. Comi três desses. (risos) Quinze minutos depois eu vomitei. Meus olhos estavam maiores que minha barriga!"
A família e Robin estavam anêmicos e desidratados. Eles perderam muito peso, mas, surpreendentemente, nenhum deles precisouslot rtratamento sério. Quando foram liberados pelos médicos, viajarem para casa. Robin pegou um avião para verslot rmãe na Inglaterra. Mas Douglas e o resto da família seguiram um caminho mais lento. Foram para casaslot rnavio. Ali, eles se reencontraram com Anne, a filha mais velha, que tinha ficado nas Bahamas.
Douglas ingressou na Marinha e, mais tarde, fez compra e vendaslot riates.
Anos depois, lançou um livro, A Última Viagem da Lucette, contando a história dos 38 dias perdido no mar.
Para ouvir a entrevista com Douglas Robertson no programa Outlook (em inglês) clique aqui.