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O que aconteceu na Venezuela confirma que Maduro é ditador, diz historiador argentino:
Finchelstein também publicou,agosto, o artigo O aspirante da vez, sobre o presidente argentino Javier Milei, na edição 47 da revista Serrote.
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Em entrevista à BBC News Brasil, Finchelstein disse que Maduro é um ditador típico que "acredita que a violência é necessária para suprimir a política da oposição".
Embora políticos que se identificam comodireita critiquem Maduro, argumenta o historiador, a faltaapreçolideranças como os ex-presidentes americano Donald Trump e brasileiro Jair Bolsonaro pela democracia e a faltarespeito à lei os colocam próximos a populistas que se tornaram ditadores.
Finchelstein vai além e diz que ambos os políticos são o que chama"aspirantes a fascistas".
"São pessoas que por quaisquer motivos — faltadeterminação ou medo etc. — não conseguiram o que eles parecem querer. Estão, eles estão entre o fascismo e o populismo, mais próximos do fascismo", diz o pesquisador.
Leia abaixo trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Em seu trabalho, o senhor diz que o fascismo é composto por quatro elementos que precisam estar presentes ao mesmo tempo. Quais são eles?
Federico Finchelstein - O primeiro é a política da xenofobia, do racismo, do ódio extremo ao outro. O segundo é um modo extremomentira e propaganda política, mentiras totalitárias. Depois existe a violência e militarização da política. E o quarto elemento é a ditadura.
Quando alguém, algum movimento, regime ou ideologia apresenta esses quatro elementos ao mesmo tempo, precisamos ficar atentos, porque podemos estar lidando com o fascismo. Você pode, é claro, ter qualquer um ou maisum desses elementos sem fascismo, mas o fascismo não existe sem esses quatro ao mesmo tempo.
BBC News Brasil - O senhor define políticos como Jair Bolsonaro, Donald Trump e Javier Milei como aspirantes a fascistas. O que significa isso?
Finchelstein - Em meu trabalho, quero tentar entender o que está acontecendo no caso dessas pessoas que não são nem populistas típicos, nem fascistas bem sucedidos. No populismo clássico, você tem tendências autoritárias, mas esses quatro elementos do fascismo não estão presentes ao mesmo tempo ou não estão presentesforma radical. E os aspirantes a fascista como Trump, Bolsonaro e outros como [Narenda] Modi, na Índia, ou [Viktor] Orbán, na Hungria têm diferentes níveisapego a esses quatro elementos.
No casoTrump e Bolsonaro, existiu uma tentativaficar no poder sem terem sido reeleitos — e, por tentativaficar no poder, quero dizer o que a maioria dos estudiosos concordam que foram tentativasdar um golpeEstado.
Populistas normalmente não dão golpesEstado para ficar no poder. O populismo é uma formaautoritarismo dentro da democracia. Mas Trump e Bolsonaro são ditadores fascistas? Não. Eles falharam. Eles estão totalmente comprometidos com a tentativagolpe? Não. Estão, eles são aspirantes. São pessoas que por quaisquer motivos — faltadeterminação ou medo etc. — não conseguiram o que eles parecem querer. Estão, eles estão entre o fascismo e o populismo, mais próximos do fascismo.
E, é claro, o populismo também pode deixarser populismo e virar uma ditadura sem ser fascista — o melhor exemplo é o caso do (Nicolas) Maduro (presidente da Venezuela).
[Nota da redação: Trump e Bolsonaro negam que tenham atuado para manter-se no poder por meioum golpeEstado.]
BBC News Brasil - O senhor diz que o fascismo é sempredireita. Por quê? Maduro não pode ser chamadofascista? Os quatro elementos não estão presentes?
Finchelstein - Em um artigo (no jornal americano) The Washington Post, muitos e muitos anos atrás, já escrevi que Maduro não era mais um populista, mas um ditador. E o que aconteceu agora (na Venezuela) confirma que ele é um ditador.
Mas o fascismo é sempre uma ideologiaextrema direita — na verdade, o mais extremo possível da direita. Está na definição do que é o fascismo. Em Maduro, o que você tem é uma espécieditaduraesquerda. Mas isso não faz dele um fascista.
O fascismo envolve a centralidade da xenofobia. Em Maduro, você tem pequenos, por exemplo,antissemitismo. Mas isso não está no centro dapolítica, não é sobre xenofobia, sobre racismo ou sobre cor da pele.
Em termosviolência, existe violência no regimeMaduro. Mas falo muitomeu trabalho que no fascismo não se trata apenasser violento, maselevar a violência a pontotorná-la um conceito estético.
Se quisermos ser um pouco mais acadêmicos, Max Weber diz que um Estado é poderoso porque tem o monopólio da violência. Em geral, o Estado realmente usa essa violência quando é um Estado fraco. O que significa que um regime que está tendo sucesso usa menos a violência e a repressão do que quando está ameaçado. O Estado autoritário usa a violência como formaespalhar medo,repressão à oposição. Os ditadores autoritários típicos acreditam que a violência é necessária para suprimir a política da oposição, para se manter no poder.
Mas os fascistas acreditam que ser poderoso não é apenas ter o monopólio da violência, mas usá-la. Se você não usa a violência, você é fraco. Os fascistas usam a violência não apenas para espalhar o medo, mas também porque eles acreditam que são homens melhores quando são violentos. Você pode ter, claro, grupos armados e paramilitaresoutros regimes. Mas não é sobre a quantidadeviolência, mas sobre a dimensão qualitativa.
Ou seja, eles realmente acreditam que a violência é o centro da política. É um conceito diferente. É por isso que não podemos dizer que a União Soviética — que foi extremamente autoritária, ditatorial e violenta — foi fascista. O fascismo é algo muito específico. Se você tem uma ditadura violentaesquerda, tem que usar outro termo.
Usando uma metáfora esportiva: se você me disser que alguém está jogando futebol com uma raquete, talvez futebol não seja o termo correto para descrever.
BBC News Brasil - É como se a violência não fosse apenas um meio, mas um fimsi mesmo?
Finchelstein - Espalhar o medo é algo importante no fascismo, mas um elemento mais importante é uma questão que envolve o “eu”. É por isso que o fascismo é uma ideologia tão perigosa, porque pegam ideias extremamente misóginas, racistas e acreditam que você é um homem melhor quando é mais violento.
Meu argumento é que liberalismo, conservadorismo, comunismo — a violência é central para qualquer ideologia. Mas o fascismo é a única que eleva a violência a uma espécieimperativo ético. E isso leva para a militarização da política, essa glorificaçãorevólveres e armas como um elemento central. Você deve lembrar do Bolsonaro fazendo o símbolo da arma com a mão, é a mesma coisatodos os outros. Eles se vestemforma militar, é uma fascinação, uma fusão da política normal com o militarismo.
BBC News Brasil - A militarização está presenteMaduro. Hugo Chávez, antecessor e padrinho políticoMaduro, chegou ao poder com ajuda dos militares.
Finchelstein - Sim, com certeza. Mas a questão é dimensão que, no fascismo, se vai além da violência e da militarização. [No fascismo], a violência é o que te torna melhor.
BBC News Brasil - Qual o nívelameaçacada uma dessas tendências autoritárias no mundo hoje? Quer dizer, estamos vendo um aumento da direita radical pelo mundo. Mas estávamos falandoMaduro, que o senhor definiu como uma ditaduraesquerda. Há quem aponte o mesmo sobre Daniel Ortega, na Nicarágua. Qual o nívelameaça à democracia vindo da direita ou da esquerda hoje?
Finchelstein - A Venezuela não é mais uma democracia. Então, o Maduro é mais do que uma ameaça à democracia, elefato destruiu a democracia no seu país. De um jeito típicoum ditador convencional. Mas ele perdeu o apoio internacional, tem uma capacidademobilização interna muito limitada. Então, ele usa a violência para reprimir e causar medo.
Mas o nívelameaça, isso depende muito. Se você me perguntar qual a maior ameaça à democracia no Brasil? É o Bolsonaro. Qual a maior ameaça na Venezuela? Maduro. Em cada lugar existe uma ameaça específica.
Então, a Nicarágua e a Venezuela não são mais democracias. Mas não existe uma ameaçaditaduraesquerdaoutros países da América Latina. Você não vê isso no Brasil, na Colômbia, no Chile.
Quanto à direita, existe uma tendência internacional, uma ameaça constante desses atores anticonstitucionais que não valorizam o pluralismo, o respeito e outros elementos centrais da democracia. Trump e Bolsonaro tentaram dar um golpe para se manter no poder — isso não é uma hipótese, é o que tentaram fazer.
A propósito, o tipopopulismo que vai se tornando fascismo é uma ameaça grande porque, com frequência, é altamente popular. É o caso do [presidente Javier] Milei hoje na Argentina.
BBC News Brasil - O senhor coloca Milei na mesma categoria que Bolsonaro e Trump?
Finchelstein - É ele que se coloca na mesma categoria (risos). Mas, sim, internacionalmente, as principais afiliaçõesMilei são Bolsonaro, Trump e talvez [Giorgia] Meloni, na Itália. Mas, neste momento, Milei é popular, ele tem tido sucesso, então, ele não tem a necessidadetentar destruir a democracia como Bolsonaro tentou.
Estamos falando sobre um tipoideologia global antidemocrática, que é muito mais extrema do que o populismo. Mas eles estãomomentos diferentes. São pessoas profundamente anti-institucionais.
BBC News Brasil - Milei tentaria dar um golpe se perdesse a eleição ou uma futura reeleição?
Finchelstein - Quando Milei viu pesquisas que apontavam para uma derrota, ele começou a questionar as eleições, sem nenhuma provairregularidade. Mas ele venceu e, então, simplesmente paroufalar sobre isso. Já sabemos que esse é o modus operandi dos aspirantes a fascistas: eles se colocam como candidatos nas eleições e, se ganham, está tudo certo. Mas, se perdem, eles negam o resultado, espalhando mentiras.
BBC News Brasil - Existe entre a direita brasileira a ideiaque haveria o perigouma ditadura comunista no Brasil.
Finchelstein - Isso é claramente apenas propaganda política da direita, mentiras espalhadas por esse tipoaspirante ao fascismo. Claro que podemos criticar os governos, mas você não vê no Chile, no Brasil ou na Colômbia a possibilidade acontecer o que está acontecendo na Venezuela ouCuba.
Então, quando Bolsonaro dizia que se Lula vencesse o Brasil viraria a Venezuela, isso era apenas propaganda. Você pode criticar ou avaliar qualquer aspectodiferentes líderes sem espalhar esse tipomentira.
BBC News Brasil - O senhor diz que Trump e Bolsonaro falharam no que queriam e, por isso, são aspirantes a fascistas. Mas erelação às pessoas que os apoiam? Existem grupos muito diferentes que apoiam Bolsonaro no Brasil. Ele foi eleito , ou seja, teve o apoiomais da metade da população.
Finchelstein - Deve-se ter muito cuidado para não simplificar demais. Não é porque o líder é aspirante a fascista que as pessoas também são. As pessoas têm agência e querem coisas diferentes.
Então, claro, existe uma minoriaapoiadores radicais que são membros da seita, que consideram aquilo como uma religião, que seguem o líder cegamente. Mas isso é uma minoria.
A maioria — historicamente e também nos casos sobre os quais estamos falando — dos eleitores estão frustrados com um ramo específico da política. Eles também podem cairsimplificações feitas por essas pessoasquestões mais complexas.
Mas, na maioria das vezes, eles não colocam a ênfasevotar especificamente no candidato que ameaça a democracia. Às vezes, eles não estão informados sobre isso, ou não estão interessados, ou acreditam nas mentiras políticas.
Mas,geral, eles têmcomum que estão extremamente frustrados com os outros candidatos a ponto que não enxergam os problemas no seu candidato.
Por exemplo, na Argentina, muitas pessoas estavam extremamente frustradas com os governos anteriores que combinaram corrupção com má gestão da economia, populismo, demagogia, etc.. Então, muitas pessoas vão com o “cara maluco”, ele é bizarro, mas não é o que já está lá. E elas não percebem — e, às vezes, vão perceber com o tempo — que, nesses casos, o remédio faz mais mal do que a doença.
Para entender a ascensão e quedaBolsonaro, você precisa observar que nem sempre é sobre ele, mas, às vezes, é sobre as falhas dos outros políticosconsertar situações que afetam a vida das pessoas. Tem a ver com essa falha — ou ao menos percepçãofalha. Porque problemas podem ser por situações externas, como guerras, crises econômicas.
BBC News Brasil - Falando ainda sobre a população, mas mudando um poucopaís. Tivemos situações violentas no Reino Unidosmanifestantes anti-imigração na semana passada nas quais não havia exatamente a figuraum único líder instigando. Como o senhor definiria um movimento como esse?
Finchelstein - Isso é muito interessante, porque houve eleições recentes no Reino Unido, e essas pessoas perderam. A direita perdeu. Então esse é um exemplo perfeitoquão antidemocráticos esses grupos são. De como existe uma mistura alifascismo,extrema direita eoutros grupos que, às vezes, colocam as culpassuas próprias falhas nos outros. O objetivo é destruir a política e criar uma resposta violenta para qualquer coisa que eles não gostam.
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