'Não consigo mais plantar': como seca histórica na Amazônia afeta mulheres indígenas:jogos da triv

Um dos principais indicadores dajogos da trivintensidade é o nível do rio Negrojogos da trivManaus. Na segunda-feira (16/10), a régua que aponta o nível do rio registrou um novo recordejogos da trivbaixa: 13,59 metros. Na quarta-feira (18/10), o rio continuou a secar e o nível baixou ainda mais: 13,38 metros.

Em outros pontos da chamada Amazônia Ocidental, composta por Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre, os efeitos também já começam a ser sentidos.

Em Rondônia, o rio Madeira atingiu níveis históricos e fez com que a Usina Hidrelétricajogos da trivSanto Antônio, uma das maiores do Brasil, tivesse seu funcionamento suspenso temporariamente.

No Amazonas, 59 dos 62 municípios do Estado já decretaram situaçãojogos da trivemergência. Em Brasília, o governo federal anunciou medidas como o enviojogos da trivmantimentos para comunidades isoladas e a dragagemjogos da trivrios para facilitar a navegação.

Mas longe dali, nas comunidades indígenas do Alto Rio Negro, os efeitos desta seca atípica vêm deixando os moradores, especialmente as mulheres, preocupadas.

Rotina alterada

A tradição entre parte dos povos indígenas do Alto Rio Negro é que as mulheres sejam as responsáveis pelo trabalho nos roçados enquanto os homens ficam encarregados da pesca e da caça.

Sob a responsabilidade delas fica a plantação e a colheitajogos da trivculturas como o cará (um tubérculo semelhante ao inhame) e a mandioca, base da alimentação dos indígenas naquela região. Homens também participam do trabalho na roça, masjogos da trivnúmero bastante reduzido.

Virgília e outras mulheres disseram à BBC News Brasil que a seca deste ano fez com que elas tivessem que mudar a forma como vinham trabalhando a roças há diversas gerações.

Uma das principais alterações foi na jornadajogos da trivtrabalho.

Elas contam que, normalmente, as mulheres se encaminham às roças a pé oujogos da trivbarco nas primeiras horas da manhã e ficam trabalhando até o final da tarde. Agora elas afirmam que não conseguem mais suportar o sol escaldante.

"A gente não aguenta mais. Neste ano, a gente tenta fazer o nosso trabalhojogos da triv7h às 9h e depois só depois das 16h, quando o sol já está mais frio. A gente vai até onde aguenta", diz Virgília.

"Do jeito que a gente trabalha, o sol está prejudicando a nossa saúde. Está prejudicando, principalmente, o trabalho da roça. A gente vai só até certo momento porque não conseguimos aguentar mais o sol. Isso está mudando a saúde da gente", disse à BBC News Brasil a agricultora Madalena Fontes, indígena da etnia baniwa e que vive na comunidade Igarapé, no rio Içana, no municípiojogos da trivSão Gabriel da Cachoeira.

O impacto direto dessa mudança é que as roças acabam recebendo menos cuidado que o ideal, propiciando o surgimentojogos da trivpragas ou mesmo diminuindo a quantidadejogos da trivmandioca plantada e colhida, essencial para a segurança alimentar das comunidades.

É a partir da mandioca que os indígenas produzem diversos produtos utilizados tanto no comércio quanto na própria alimentação das suas comunidades. Entre eles está a farinha, a tapioca, a goma e o beiju.

A intensidade da estação seca já preocupa mulheres indígenas como Almerinda Ramosjogos da trivLima, 50, da etnia tariana, que vive no distritojogos da trivIauaretê, tambémjogos da trivSão Gabriel da Cachoeira. Ele diz que os esforços para cultivar mandioca e outras espécies não têm dado certo porque o solo está muito quente e muito seco.

"As sementes não germinam. O solo está muito quente. As manivas ficam todas podres [...] Eu tenho bastante preocupação porque minhas manivas estão todas morrendo. A gente vive disso. É o nosso alimento. É nossa sobrevivência e nossa resistência", disse.

A antropóloga Lorena França explica que a morte das mudas nos roçados no Alto Rio Negro tem um impacto econômico, alimentar, mas também social e afetivo.

"Toda mulher tem uma coleçãojogos da trivmanivas (nome comumente dado à mandioca na região Norte), pimenteiras e outras mudas. Normalmente, elas recebem essas plantasjogos da trivoutras mulheres. Isso significa que esses cultivos, ao final, são resultadojogos da trivuma intensa redejogos da trivrelações", explica.

Fogo sem controle

Outra alteração foi com relação ao uso do fogo nos roçados.

Há séculos, os indígenas utilizam o fogo para "limpar" as áreasjogos da trivque irão cultivar. Essa prática manejada tem o nomejogos da triv"coivara".

O fogo elimina capim ou outras ervas indesejadas e deixa o solo pronto para o cultivojogos da trivdos vegetais que os indígenas querem plantar.

"Nas roças que estãojogos da trivseu primeiro ou terceiro ciclojogos da trivprodução, o capim cresce com facilidade. Elas controlam o capim fazendo pequenas fogueiras. Algumas mulheres dizem que as suas mandiocas gostam do cheirojogos da trivfumaça e que isso joga um adubo na terra", conta a doutorajogos da trivantropologia Lorena França, que estudou as práticas alimentares dos povos do Alto Rio Negro.

Agora, contam as mulheres, a prática ancestral da "coivara" passou a ser evitada. Com a intensidade da atual estiagem, a matéria orgânica presente nas roças ficou muito ressecada e o fogo, antes manejado com cuidado, passou a sairjogos da trivcontrole.

"Não dá mais pra fazer as coivaras porque senão a roça toda vai queimar", disse Almerinda, do distritojogos da trivIauaretê.

"As faíscas vão queimando muito rápido e o fogo se alastra. Uma amiga perdeu toda a roçajogos da trivabacaxi dela. Eu perdi quase todas as minhas pimenteiras", contou Almerinda.

Poços secos

A estiagem prolongada na região não está afetando apenas as roças no Alto Rio Negro. Indígenas que vivem na região relataram à BBC News Brasil que até mesmo poços que abastecem comunidades com água potável secaramjogos da trivmeio à seca.

"Dos 10 poços que abasteciam as comunidades onde eu moro, só sobraram dois. Agora, a gente está tendo que ir ao rio pegar água para beber e fazer comida", conta Almerinda.

A situação foi confirmada à BBC News Brasil por Luiz Brazão dos Santos, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Alto Rio Negro, que atende a regiãojogos da trivSão Gabriel da Cachoeira.

Segundo ele, com os rios mais secos, o riscojogos da trivinfecções causadas pelo consumojogos da trivágua contaminada aumenta.

"As pessoas estão indo ao rio para beber água, mas ele está muito seco. Como os dejetos são jogados no rio pelas comunidades mais acima, as pessoas das comunidades mais abaixo acabam correndo o riscojogos da trivse contaminar", disse Santos.

Ele relata que já há relatosjogos da trivproblemasjogos da trivsaúde como infecções e doençasjogos da trivpele relacionadas ao consumojogos da trivágua contaminada.

"O problema é que com o rio seco, até mesmo o trabalho das equipesjogos da trivsaúde fica prejudicado. Antes, uma remoçãojogos da trivTaracuá, no rio Uaupés, até a sedejogos da trivSão Gabriel (da Cachoeira) levava um diajogos da trivbarco. Agora, com o rio baixo e por conta das pedras e dos bancosjogos da trivareia, a gente está levando maisjogos da trivdois", contou.

Causas da estiagem

Almerinda Ramos diz não ter dúvidas. "Essa seca é culpa da mudança climática", disse a indígena.

"Soujogos da trivum clãjogos da trivlíderes. Meu avô sempre dizia que os tempos iriam mudar e iriam piorar. E que o mundo, com o tempo iria pegar fogo. Naquela época, a gente não sabia o que isso queria dizer. Agora, a gente sabe", completou Almerinda.

Cientistas ouvidos pela BBC News Brasil nos últimos dias, no entanto, são menos categóricos.

Eles explicam que a estiagem prolongada na Amazônia é causada por dois fenômenos climáticos que estão acontecendo ao mesmo tempo e influenciando o regimejogos da trivchuvas na região.

O primeiro deles é o El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico. Esse fenômeno natural, que está ocorrendojogos da trivforma intensa neste ano, dificulta a formaçãojogos da trivchuvas na Amazônia.

O El Niño teria, segundo os cientistas, afetado a estação chuvosa na Amazônia deste ano, que registrou índices pluviométricos abaixo da média.

Com menos chuva, os rios entraram na estação seca com volume menor que o normal.

O segundo fenômeno afetando a Amazônia é conhecido como dipolo do Atlântico, que é o aquecimento anormal das águas do Oceano Atlântico, especialmente nas latitudes mais ao norte, e que também reduz a quantidadejogos da trivchuva na região.

O pesquisador e meteorologista do Centro Nacionaljogos da trivMonitoramento e Alertasjogos da trivDesastres Naturais (Cemaden), Giovanni Dolif, disse à que ainda não é possível atribuir a ocorrência desses dois fenômenos às mudanças climáticas causadas pelo homem, mas a estiagem registrada neste momento seria compatível com os modelos projetadosjogos da trivque há aumento da temperatura do planeta.

"Um único evento atmosférico é uma amostra pequena pra gente atribuir a um fenômenojogos da trivescala global, mas os estudos mostram que um planeta mais quente proporciona eventos extremos sejajogos da trivseca comojogos da trivinundações", disse o pesquisador à BBC News Brasil.

Milharesjogos da trivfamílias vulneráveis

Além da região do Alto Rio Negro, a situação das famílias indígenas vem preocupando autoridadesjogos da triváreas como a calha do Rio Solimões, outro importante rio amazônico.

Nesta semana, o jornal Folhajogos da trivS. Paulo publicou uma reportagem informando que indígenas da etnia kokama que vivem na Terra Indígena Boará/Boarazinho ficaram sem acesso a água potável e tiveram que passar a consumir água contaminadajogos da trivum igarapé.

Em nota enviada à reportagem da BBC News Brasil, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou que o órgão e outras instituições identificaram a existênciajogos da trivpelo menos 35 mil famílias indígenasjogos da trivsituaçãojogos da trivvulnerabilidade no Estado do Amazonasjogos da trivdecorrência da estiagem.

Aindajogos da trivacordo com a pasta, foram identificados os principais fatores que colocam essas populaçõesjogos da trivsituaçãojogos da trivvulnerabilidade: insegurança alimentar, faltajogos da trivágua potável ejogos da trivmedicamentos, impacto na economia local, condições sanitárias precárias e os incêndios florestais.

"Outro problema levantado é o relativo à logística na região devido à seca dos rios, viajogos da trivtransporte essencial para mercadorias, equipesjogos da trivsaúde, técnicos ejogos da trivdeslocamento para a grande parte da população indígena", diz um trecho da nota.

A pasta informou que está previsto o enviojogos da trivpelo menos 20 mil cestas básicas às comunidades indígenas mapeadas e que já foi feito um pedido adicionaljogos da trivoutras 50 mil cestas básicas à Companhia Nacionaljogos da trivAbastecimento (Conab) e ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Já o Ministério da Saúde enviou nota após a publicação da reportagem. A pasta afirmou que a Secretaria Indígena (SESAI) do ministério "acompanha o impacto da estiagem nas comunidades indígenasjogos da triv13 Distritos Sanitários Especiais Indígenas".

"Há um mês, vem coletando dados dos territórios afetados. O maior empenho, no momento, é para garantir a assistênciajogos da trivsaúde, viabilizar a chegada das equipes às aldeias, e o acesso a água potável. O trabalho está sendo realizadojogos da trivparceria com outros ministérios, além das secretarias municipais e estadualjogos da trivsaúde", disse o ministério.

"Portaria publicada esta semana pelo Ministério da Saúde destinou R$ 225 milhões ao Amazonas, com objetivojogos da trivreforçar a estruturajogos da trivsaúde do estado e dos municípios para garantir a assistência à população, além da presença das equipesjogos da trivsaúdejogos da trivtodas as regiões do estado", finalizou.

Para Almerinda Ramos, no entanto, só uma coisa pode resolver a crise: chuva.

"Se essa seca não acabar logo, não sei o que vai acontecer", disse.

Na quarta-feira, o Instituto Nacionaljogos da trivMeteorologia (Inmet) indicava a possibilidadejogos da trivchuvas intensas na região onde Almerinda, Virgília e Madalena moram.