Herói ou assassino? 6 momentos da históriaPancho Villa, líder da Revolução Mexicana morto com 150 tiros há um século:

Pancho Villa

Crédito, getty images

Legenda da foto, Pancho Villa (1878-1923) foi um dos líderes históricos da Revolução Mexicana.

“Um homem tão odiado que, para matá-lo, dispararam 150 tiros sobre o veículo que o transportava – e, três anos depois do assassinato,cabeça foi roubada”, acrescenta Taibo 2º naobraespanhol, intitulada Pancho Villa: Una Biografía Narrativa.

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O mesmo autor reconhece que “às vezes, parece impossível” desvendar suas histórias,tanto que se comenta sobre aquela importante figura da história mexicana.

Mas existem alguns momentos que definem quem foi Doroteo Arango e como ele chegou a ser o lendário Pancho Villa. E a BBC News Mundo – o serviçoespanhol da BBC – selecionou seis desses momentos memoráveis.

1. O dia que marcou avida

Doroteo Arango nasceujunho1878, no seiouma família pobre que moravaum casarioLa Coyotada, no EstadoDurango. O norte do México, para ele, “era toda a vida”.

Arango jogava cartas desde adolescente. É claro que, nem sempre, o jogo lhe era favorável,forma que ele passou a roubar gado para saldar suas dívidas.

“São muitas as histórias que nos levam a crer que, antessetembro1894, o jovem Doroteo Arango teve problemas com a lei e a ordem dos grandes fazendeiros”, explica Taibo 2º.

Doroteo Arango

Crédito, INAH

Legenda da foto, Um dos poucos registros fotográficosDoroteo Arango ainda jovem.
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Mas o dia 22 daquele mês foi marcado por um incidente contadodiferentes formas. Um dos chefes da fazenda Gogorito, da família López Negrete (não se sabe ao certo se foi Laureano, o pai, ou umseus filhos, Agustín), tentou abusarMartina, a irmã mais novaArango.

Quando Doroteo Arango, com 16 anos, chegou à casa e o encontrou, ele procurou uma arma e, sem pensar muito, atirou no fazendeiro: “disparei nele e três balas o atingiram”, contaria Pancho Villa anos depois.

Arango não o matou, mas o ataquedefesa da irmã o condenou a ser inimigo do homem forte do lugar. Ele fugiu para a serraLa Silla para salvar a vida.

Este é considerado um momento fundamental para o jovem Arango. O evento marcoupersonalidade para o resto da vida.

Alguns escritores da época, como Luis Aguirre Benavides e Jesús Vargas, questionam a ideiaque aquele adolescente pudesse ter escapado das pessoas a serviço do fazendeiro. Benavides afirma que esta pode ser uma história criada para esconder seu “passado tumultuado”.

Mas o político Francisco I. Madero (1873-1913) – responsável por lançar, anos depois, o chamado para a Revolução Mexicana, da qual Villa faria parte – também chegou a comentar este episódiodefesa da honra da irmãVilla. Martina tinha apenas 12 anosidade.

“O caso é que a história tem muitas fontes paralelas que tendem a confirmar que,1894, Doroteo Arango definitivamente confrontou-se com o poder da fazenda”, indica Taibo 2º.

2. O surgimento‘Pancho Villa’

Antesingressar na Revolução Mexicana, as andançasDoroteo Arango por diferentes pontos dos Estados mexicanosDurango e Chihuahua são relacionadas ao furtogado e a outras infrações,forma solitária oubando.

“Sua história antes da revolução é conhecida, cheiacrueldade e infâmias. O que ela tempitoresco é a paisagem. O que tematenuante é o sentimentalismo que rege muitos dos seus atos”, escreveu o estudioso Ramón Puente,uma das resenhas da Revolução naquela época.

“Quando me transferi para Chihuahua, tentando apagar minhas pegadas, mudei meu nome para Francisco Villa”, relatou elealguma oportunidade, segundo Taibo 2º. No México, as pessoas com o nomeFrancisco costumam ser apelidadasPancho.

Taibo 2º encontrou uma dezenaversões sobre a origem do nomePancho Villa: seria o nome do seu padrinho,um militar corajoso ou atéum temido ladrão já falecido.

“Seja quem for que ofereceu seu nome, o certo é que, nesta etapavida, ele o usoualguns momentos e,outros, utilizou outros nomes e apelidos, porque uma pessoa é ou não é alguém, tem ou deixater um certo nome, dependendo do local por onde ande”, explica Taibo 2º.

Pancho Villa entrou na luta armada quando já era conhecido no norte do México pelacapacidadeestrategista para liderar os homens. Ele foi protagonistadiversos triunfos do movimentoMadero (um dos primeiros da Revolução Mexicana), comtemida Divisão do Norte, que chegou a reunir cerca30 mil membros.

A tomadaCiudad Juárez,Chihuahua, com o “TremTroia”, que invadiusurpresa aquela cidade fronteiriça, foi uma amostra dasagacidade.

Existem diversas versões sobre a origem da identidadeFrancisco ‘Pancho’ Villa.

Crédito, getty images

Legenda da foto, Existem diversas versões sobre a origem da identidadeFrancisco ‘Pancho’ Villa.

3. A invasão dos Estados Unidos

Um dos episódiostornoVilla como lenda revolucionária foiuma ousadia inimaginável: empreender uma intervenção militar nos Estados Unidos. O território norte-americano não via exércitos estrangeiros desde 1812, quando os britânicos tentaram reconquistar o país.

A “missão delicada”, como descreveu Villa, serviuuma espécievingança contra o governo dos Estados Unidos, que apoiou a campanha bélica do seu inimigo Venustiano Carranza (1859-1917), e também para localizar um fornecedorarmas, Sam Ravel, que vendeu material defeituoso para os mexicanos.

Em março1916, centenascomandadosVilla (os números variamtorno500) cruzaram a fronteiradireção ao povoadoColumbus, no Estado americano do Novo México. E, no dia 9, eles atacaram a cidade, no local onde havia uma guarnição da brigada n° 13 da cavalaria norte-americana.

“Viva Villa!” “Viva o México!” “Ianques filhos da p***!” Estes e outros gritos romperam aquela madrugada.

Os comandadosVilla arrasaram o local, principalmente as propriedadesRavel, que não foi encontrado – mas umseus irmãos, Louis, foi tomado prisioneiro.

Depoisroubar armas e outros objetosvalorColumbus e constatar que a brigada norte-americana que saiudefesa da cidade era mais numerosa do que eles imaginavam, os comandadosVilla partiramretirada para o México. O combate durou cercatrês horas.

Os historiadores discutem as intençõesVilla para a invasão – se ele planejava uma simples vingança por se sentir traído por Washington, que havia feito concessões a ele no passado; ou se era uma grande provocação aos Estados Unidos para que interviesse no conflito armado que se desenvolvia no México. Esta última hipótese é a teoria do historiador austríaco Friedrich Katz.

Sem descartar esta última possibilidade, Taibo 2º acredita que “o ataque foi idealizado como uma incursão e se, por acaso, eles conseguissem dinheiro e munições e trouxessem a cabeçaRavel para o México, tanto melhor”.

A razão que deflagrou o ataque a Columbus foi a entrada do exército americano no norte do México e a buscaVilla por 11 meses, na Expedição Punitiva comandada pelo general americano John J. Pershing (1860-1948). Dela participaram jovens militares como o futuro presidente americano Dwight D. Eisenhower (1890-1969) e o general George Patton (1885-1945), que se destacaria na Segunda Guerra Mundial.

Mas, comhabilidade para esquivar-se, Pancho Villa nunca foi capturado.

Em 1961, Columbus inaugurou o Parque Estadual Pancho Villa, um espaço para relembrar aquele episódio da história da pequena cidade do Novo México.

Nas palavrasTaibo 2º, foi “como se,um lampejoamnésia histórica, os norte-americanos (...) quisessem homenagear o homem que protagonizou a última invasão ao seu território”.

Villa era muito conhecido entre os militares norte-americanos, como o general John J. Pershing (dir.), que passou a persegui-lo tempos depois.

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Legenda da foto, Villa era muito conhecido entre os militares norte-americanos, como o general John J. Pershing (dir.), que passou a persegui-lo tempos depois.

4. O massacreSan Pedrola Cueva

Um dos episódios mais cruéis e obscuros da trajetória armadaPancho Villa foi a execuçãocerca80 homens no povoadoSan Pedrola Cueva, no Estado mexicanoSonora, pouco depois daderrotaPiedras Negras (que levou à intervençãoColumbus).

Na campanha contra as forçasVenustiano CarranzaSonora, um posto avançado das forçasVilla foi atacado no dia 1ºdezembro1915,San Pedrola Cueva, supostamente pelos próprios moradores.

Villa ficou furioso ao saber que seis dos seus homens morreram. E, enquanto buscava explicações sobre o ataque, seu sobrinho Manuel Martínez recebeu um tiro e também caiu morto.

“O que aconteceu por aqui? O que estão fazendo por aqui?”, perguntou Villa.

Sem perdatempo, Pancho Villa “ordenou que os homens do povoado fossem fuzilados”, segundo Taibo 2º.

Mulheres e crianças foram separadas, enquanto os homens foram fuzilados nas primeiras horas da manhã seguinte. Testemunhos indicam que alguns menores também foram executados.

Foi uma cena sangrenta, com dezenaspessoas mortas (alguns relatos chegam a indicar mais100 homens)frente às suas famílias. O episódio fez com que o local passasse a ser chamado“o povoado das viúvas”.

O sacerdote Andrés Avelino Flores quis intervir para que Villa poupasse a vida dos homens – entre eles, o paiFlores. Mas, segundo diversos testemunhos, Villa acabou matando também o sacerdote.

O cronista Alberto Calzadíaz publicou uma fotografia tirada algum tempo depois, com as mulheres e seus filhosfrente ao local do fuzilamento. Cruzes foram pintadas na parede e as manchassangue ainda podem ser vistas na imagem.

Pancho Villa não planejou nem executou adequadamente o ataque a Columbus, segundo o escritor Paco Ignacio Taibo 2º.

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Legenda da foto, Pancho Villa não planejou nem executou adequadamente o ataque a Columbus, segundo o escritor Paco Ignacio Taibo 2º.

5. Assassinato com mais150 tiros

Em 1920, Pancho Villa encerrou suas batalhas e depôs as armas, com a assinaturaum pacto com o governo. Foi concedida a ele a posseuma fazenda, chamada El Canutillo, onde o Centauro do Norte, como era chamado, empreendeu processosprodução e educação.

“Termineilutar. Agora, só quero viver e morrer aquipaz”, declarou ele ao jornalista norte-americano Frazier Hunt.

Mas a influência social que Villa ainda exercia,parte devido ao bom desenvolvimentoEl Canutillo, perturbou os governantesDurango, Chihuahua e o próprio Executivo federal mexicano. Eles temiam que Villa procurasse um pretexto para um levante ou para entrar na política.

Em 1923, houve diversos planosatentados contra Pancho Villa – “perseguições à sombra”, dizia ele. Villa sabia que não contava com o apreço dos políticos, dos militares e das pessoas poderosas da região.

Um conluio entre pessoas que tinham contas pendentes com Villa, lideradas pelo empresário Jesús Herrera, levou a cabo a execução, organizada por um homem chamado Melitón Lozoya. Ele reuniu um grupohomens, que planejaram uma emboscada contra Villauma das suas visitas regulares à cidadeParral, no EstadoChihuahua.

No dia 20julho1923, Villa dirigia seu automóvel Dodge quando,uma ruaParral, começou um tiroteio contra ele. Foram mais150 disparos contra o automóvel.

O Centauro do Norte recebeu 14 tiros e morreu na hora.

“O país ficou abalado e comovido”, afirma Taibo 2º, resumindo as reações causadas pelo assassinato do lendário Pancho Villa. “O governoÁlvaro Obregón (1880-1928) prometeu uma investigação. Mas a investigação nunca foi realizada.”

6. O furto dacabeça

Pancho Villa

Crédito, getty images

Legenda da foto, Pancho Villa foi governador do Estado mexicanoChihuahua por dois meses, entre dezembro1913 e janeiro1914.

Pancho Villa foi enterrado no cemitérioParral, mas seu descanso não foi eterno.

Três anos depois, o coronel Francisco Durazo Ruiz, chefe militarParral, organizou uma operação noturna para decapitar o corpoVilla e roubarcabeça. Taibo 2º afirma que o ato foi possivelmente conduzido como parteuma aposta entre militares outrocauma suposta recompensa.

“O assassinato ainda não havia completado três anos”, conta o escritor. “Todos os jornais noticiaram o fato na primeira página. O escândalo deixou a nação tensa. Os militares sobreviventes do villismo ameaçaram tomar as armas e marchar sobre Parral.”

Começaram a surgir diferentes suspeitos e versões – que os norte-americanos ofereciam recompensas como vingança ou que cientistas dos Estados Unidos queriam estudar a cabeçaPancho Villa. E também que os chefes militares mexicanos haviam feito um acordo para roubá-la.

“A imaginação popular transbordava”, segundo Taibo 2º. “Em Parral, tudo eram boatos.”

O próprio coronel Durazo foi encarregado da investigação, que nunca chegou a uma conclusão. Dentre os diferentes testemunhos e entrevistas nos meses e anos que se seguiram, “quase todos incriminavam o coronel Durazo”.

Supostamente, depoisnão obter nenhum lucro com o trabalho sujo, o coronel teria mandado enterrar a cabeçaVilla nafazenda, El Cairo, nas proximidadesParral.

Seja como for, o paradeiro da cabeça do general Francisco Villa é desconhecido até hoje.

Muito tempo depois,1961, o governo mexicano transferiu os restos mortaisPancho Villa para o Monumento à Revolução, na Cidade do México. É lá que ele repousa hoje, longe do norte do país, que ele tanto amava.