Filha busca Justiça histórica para pai, que matou Euclides da Cunha:dito bet casino

O célebre autordito bet casinoOs Sertões é o homenageado deste ano na 17ª Festa Literária Internacionaldito bet casinoParaty (Flip),dito bet casino10 a 14dito bet casinojulho. A justa homenagem a um dos expoentes da literatura brasileira no evento é, para Dirce, motivodito bet casino"preocupação, aflição e agonia".

"Porque sei que vão falar muito no papai, e falar mal, certamente, porque muita gente não conhece a história como foi", acredita ela. "Toda vez que se toca no Euclides da Cunha, o assassino dele vem à tona."

Dilermando foi amantedito bet casinoAna Emília Ribeiro da Cunha, a mulherdito bet casinoEuclides.

O caso começoudito bet casino1905, durante uma longa expedição do escritor pela Amazônia, chefiando a comissão Mista Brasileiro-Peruanadito bet casinoReconhecimento do Alto Purus, na fronteira entre os dois países.

Já mãedito bet casinotrês filhosdito bet casinoEuclides, Ana,dito bet casino33 anos, se apaixonou por Dilermando, um jovem cadetedito bet casino17 anos. Viveram quatro anosdito bet casinoromance proibido, e tiveram dois filhos fora do casamento.

Em 15dito bet casinoagostodito bet casino1909, o escritor chegou armado à casadito bet casinoDilermando para vingardito bet casinohonra. Travou-se um duelo, e Dilermando levou cinco tiros - mas era campeãodito bet casinotiro, revidou, e matou Euclides da Cunha.

Dilermando foi absolvido por legítima defesa, mas foi condenado pela imprensa da época e pela opinião pública.

O caso se desdobroudito bet casinonovas tragédias, com as mortes posterioresdito bet casinoEuclides da Cunha Filho e do irmãodito bet casinoDilermando, Dinorahdito bet casinoAssis.

Desagravo

Nas últimas décadas, Dirce - que é a única filha do segundo casamento do pai - tem lutado para tirar do nome do pai a alcunhadito bet casino"assassino".

"O que eu mais quero, todo o meu empenho, é tirar essa palavradito bet casinosua biografia, que é tão pesada, tão feia", diz Dirce.

"Ele não é o assassino. Ele matou por legítima defesa. É só isso que eu gostariadito bet casinodeixar definido."

Dirce é escritora, poeta e artista plástica. A saladito bet casinoseu apartamento é povoada por suas pinturas e esculturas, alémdito bet casinoum portar-retrato do pai, ainda moço.

"Ele usava barba para parecer mais velho com a Ana, para não haver muita diferençadito bet casinoidade entre eles. Houve um amor muito grande da parte dos dois, para enfrentar inclusive tudo que eles enfrentaram vida afora, que não foi pouca brincadeira."

Por ocasião da Flip - e das homenagens a Euclides -, seu livro O Pai terá uma nova edição lançada nesta semana (Ateliê Editorial).

"Eu vinha escrevendo esse livro a vida inteira, aos pouquinhos", afirma. "Eu sempre achei que eu tinha que defender o papaidito bet casinoalguma maneira."

Na narrativa autobiográfica, Dirce conta a históriadito bet casinoDilermando a partirdito bet casinoseus olhosdito bet casinofilha, desvelando a tragédia assim como ela a foi descobrindo, aos poucos, na infância,dito bet casinouma casa cercadadito bet casinosegredos.

Na primeira infância, suas lembranças sãodito bet casinoum pai extremamente carinhoso, que a ensinou a escreverdito bet casinoseu colo aos 4 anos, e que a levava para passear, para museus.

Aos 11 anos, a frase que ouviu na escola impôs uma ruptura ao universo que conhecia até então - revelando o segredo que seus pais haviam conseguido ocultar:

"Ela não presta. O pai dela matou um homem", dissedito bet casinocolega. A frase lhe pareceu tão ousada, tão despropositada, que só podia ser verdade.

'Acontecimento terrível da vida brasileira'

Euclides da Cunha foi aclamado como escritor após a publicaçãodito bet casinoOs Sertões,dito bet casino1902, sobre a Guerradito bet casinoCanudos.

Fora enviado como jornalista pelo O Estadodito bet casinoS. Paulo (à época, A provínciadito bet casinoS. Paulo) para acompanhar o primeiro conflito armado da recém-proclamada República, no arraial liderado pelo beato Antônio Conselheiro, no interior da Bahia. No livro, Euclides narrou o confronto entre os soldados e os sertanejos monarquistas, que acabaram dizimados pelas tropas republicanas.

A obra lhe rendeu a consagração no círculo intelectual brasileiro, ingressando na Academia Brasileiradito bet casinoLetras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

No prefáciodito bet casinoO Pai, o crítico literário Antonio Candido descreve a morte do escritor como "um dos acontecimentos mais terríveis da vida brasileira" no século passado.

Sua morte completa 110 anosdito bet casinoagosto e já foi temadito bet casinolivros, peças, uma ópera - Piedade, composta por João Guilherme Ripper - e da minissérie Desejo, da Rede Globo, quedito bet casino1990 estrelou Vera Fischer no papeldito bet casinoAna, e Guilherme Fontes vivendo o jovem Dilermando.

A tragédia da Piedade

O episódio ficou conhecido como "a tragédiadito bet casinoPiedade",dito bet casinoreferência ao bairro no subúrbio do Rio onde Dilermando vivia com seu irmão, Dinorahdito bet casinoAssis - e onde Euclides apareceudito bet casinosurpresadito bet casinoum domingo. Era 15dito bet casinoagostodito bet casino1909.

Ana não apareciadito bet casinocasa desde sexta-feira. Euclides sabia do romance, e o casamento já passara por crises ferozes.

Segundo os autos do processo, reunidos no livro Crônicadito bet casinouma tragédia inesquecível, organizado por Walnice Nogueira Galvão, Dinorah abriu a porta da casa, e Euclides entrou com uma mão no bolso.

Na sala, sacou o revólver que pegara emprestadodito bet casinoum parente, dizendo que precisava matar "um cachorro louco" que rondavadito bet casinocasa.

Ana se escondera na edícula da casa com seu filho caçula Luiz, o Lulu - o segundo filho que teve com Dilermando, louro como o pai. Euclides se referia à criança como "uma espigadito bet casinomilhodito bet casinomeio a um cafezal", no meio da família morena.

Do quarto, segundo relatou nos autos, Ana ouviu Euclides entrar na casa gritando "corjadito bet casinobandidos" e "vim para matar ou morrer!". Em seguida, ouviu os tiros.

No livro Matar para não morrer: A mortedito bet casinoEuclides da Cunha e a noite sem fimdito bet casinoDilermandodito bet casinoAssis (Objetiva, 2009), a historiadora Mary Del Priore resume os eventos que se sucederam:

Euclides foi atrásdito bet casinoDilermando no quarto, onde havia se fechado para vestir o dólmã militar e receber o escritor composto. Entrou atirando, e atingiu Dilermando na virilha e no peito.

Seu irmão, Dinorah, tentou conter Euclides, mas levou dois tiros do escritor. Quando Dinorah se virou para ir atrásdito bet casinouma arma, Euclides o atingiu na espinha.

Euclides voltou-se novamente para Dilermando, que nesse meio tempo alcançaradito bet casinoSmith and Wesson. No duelo que se seguiu, Euclides deu mais três tirosdito bet casinoDilermando, mas o jovem aspirante revidou com três tiros no escritor: no ombro, no braço e a bala fatal - do lado direito do peito.

"Uma hemorragia no pulmão fez o resto. Euclides caiu na porta da frente, entre as escadas e o modesto jardim", descreve Del Priore.

Nos autos do processo, Ana relatou "que depois disso ficou tudodito bet casinosilêncio e Dinorah veio abrir-lhe a porta que foi trancada por fora, dizendo: 'sinh'Aninha, estamos todos mortos, seu marido morreu, assim como Dilermando e eu também vou morrer."

Dinorah e Dilermando sobreviveram. Já Euclides teve o corpo velado na Academia Brasileiradito bet casinoLetras.

'Doloroso dramadito bet casinosangue'

"Hontem à tarde, na cidade molhadadito bet casinoaguaceiros contínuos estalou como um raio, na redação dos jornaes, uma notícia atrós: Euclydes da Cunha foi assassinado!", noticiou o jornal Gazetadito bet casinoNotícias no dia seguinte, conforme a grafia da época. E continuou:

"Era possível prever tudo, menos que Euclydes da Cunha, homemdito bet casinocostumes austeros,dito bet casinovida regularíssima, sem lutas e sem inimigos, cercadodito bet casinoadmiração ao seu formidável saber e ao seu excepcional talento, fosse assim assassinado."

O tomdito bet casinochoque e perda irreparável reverberou pelos jornais da época, trazendo manchetes como "O assassinato do ilustre escriptor" e "Um doloroso dramadito bet casinosangue".

De acordo com a historiadora Mary Del Priore, para além da revolta com a mortedito bet casinoum dos grandes literatos do Brasil naquela época, somou-se o julgamento - e a condenação pública - do polêmico romance extraconjugal, e com 16 anosdito bet casinodiferençadito bet casinoidade, entre Ana e Dilermando.

"Quando a imprensa, que estava se multiplicando e tinha um papel importantíssimo, se abate sobre esse casal, é para arrasar com essa mulher mais velha que se apaixonou por um jovem mais moço, enquanto ele, comdito bet casinojuventude e ingenuidade, é retratado como um aproveitador", aponta a historiadora.

"O que a gente vêdito bet casinocena, e não está dito, é toda essa problemática da honra masculina, que num país machista não atinge só as mulheres, mas atinge os homens também, porque é exigido deles um papel ideal", diz Del Priore. "Marido corneado imediatamente tem que reagir e tem que matar. Então a gente vê aí encenado já uma primeira tragédia shakespeariana,dito bet casinoque você já tem três vítimas."

'Segundo ato' da tragédia

Depois da mortedito bet casinoEuclides, Ana, viúva, se casou oficialmente com Dilermando, e o casal teve mais cinco filhos.

Sete anos depois, a tragédia da Piedade fez mais uma vítima.

Em 4dito bet casinojulhodito bet casino1916, Euclides da Cunha Filho, conhecido como Quidinho, decidiu vingar o pai. Aos 21 anos, o aspirante da Marinha foi atrásdito bet casinoDilermandodito bet casinoum cartório, onde o encontrou debruçado sobre um processo.

Atiroudito bet casinoDilermando pelas costas, dando início "a um emocionante e verdadeiro duelo" ao fim do qual "os dois contendores tombam ensanguentados no chão", conforme descreveu o jornal "A noite".

Euclides Filho acertou quatro tirosdito bet casinoDilermando, que andava armado, conseguiu alcançardito bet casinoarma e revidou, matando Euclides Filho - seu enteado, um dos três filhosdito bet casinoAna com Euclides.

Apesardito bet casinogravemente ferido, Dilermando novamente sobreviveu. E novamente foi condenado pela imprensa.

O jornal "O Paiz" noticiou: "Assassino do pai, matou também o filho", no "2º actodito bet casinouma tragédia emocionante", cometido por ninguém menos que Dilermando - "o nomedito bet casinocriminoso jamais esquecido pelo povo".

O escrutínio público sobre Ana não foi mais generoso, atribuindo-lhe a pechadito bet casinomãe adúltera, mãe culpada, cúmplice do padrasto assassino.

A vítimadito bet casinoquem 'ninguém lembra'

Irmão mais moçodito bet casinoDilermando, Dinorahdito bet casinoAssis era aspirante da Marinha e trilhava uma promissora carreira no futebol - ou "foot-ball", como o esporte recém-importado da Inglaterra era tratado no noticiário.

Mas a bala que ficou cravada na espinha após os tirosdito bet casinoEuclides foram lhe tirando os movimentos pouco a pouco.

No ano seguinte à tragédia da Piedade, ainda conseguiu competir pelo Botafogo, e se tornou campeão carioca - no títulodito bet casino1910 que deu ao time a alcunhadito bet casino"glorioso".

Dinorah acabou ficando paralítico e enfrentou a depressão, o alcoolismo e a mendicância. Após outras tentativas, conseguiu se suicidardito bet casino1921.

"Ele (Euclides) praticamente matou meu tio, que não tinha nada com a história", diz Dirce. "Ele ficou um trapo humano e se suicidou, se jogou no rio Guaíba e se afogou aos 32 anos. Essa é uma historinha que ninguém conta."

Segundo casamento

Depois da mortedito bet casinoQuidinho, Ana e Dilermando ainda ficaram juntos cercadito bet casinodez anos. Separaram-se quando ela tinha 50 anos, e Dilermando se apaixonou por uma mulher mais jovem, Maria Antonietadito bet casinoAraújo Jorge, a Marieta.

A união foi rejeitada pela famíliadito bet casinoMarieta, inicialmente mantidadito bet casinosegredo e cercadadito bet casinovergonha. "A família toda era muito dura com ela", conta Dirce. "Ficar com o Dilermando - imagina!" Nos primeiros anos morando juntos, a mãe mal saíadito bet casinocasa, e nunca o fazia acompanhadadito bet casinoDilermando. Não queriam que soubessem que estavam juntos.

Dircedito bet casinoAssis Cavalcanti é a filha única desta segunda união. "Eles não queriam ter filhos. A minha mãe não queria. Fez uns sete ou oito abortos. Quando engravidoudito bet casinonovo, o médico não deixou que ela fizesse outro, e eu nasci por isso. Estou aqui por acaso", diz. A mãe vivia chorando, lembra.

Já menina, ela percebeu quedito bet casinocasa "não era como a das outras pessoas". Nunca recebiam visitas. O pai se fechava no escritório para atender a telefonemas. "Sempre havia aquele segredo, aquele mistério, e ninguém me dizia nada."

Até então, Dirce tinha paixão pelo pai. Quando ele chegava para buscá-la no internato, orgulhava-se por ser mais forte e mais alto que os pais das outras meninas.

Mas tudo mudou depois da frase que ouviu aos 11 anos. "Ela não presta. O pai dela matou um homem".

Aos 13 anos, quando Dilermando esqueceu a chavedito bet casinosua escrivaninhadito bet casinocasa, Dirce destrancou o armário e descobriu pilhasdito bet casinopastas com documentos e recortes. "Os jornais diziam 'o assassinodito bet casinofulanodito bet casinotal', e a foto do papai". Só depois foi tempo foi entender quem era o Euclides da Cunha", conta.

À medida que foi descobrindo o seu segredo, a menina se fechou.

"A vida inteira eu fui saberdito bet casinouma maneira tremendamente dolorosa", lembra Dirce.

"Fui ficando muito desligada do meu pai. Não porque ele tivesse feito aquilo, não porque tivesse se defendido, como se defendeu. Mas porque nunca tinha me contado", afirma. "Hoje sinto muita culpa."

Marieta e Dilermando só se casaram oficialmente no fim da vida,dito bet casino1951, quando ele já parecia à beira da morte. Ana, com quem era casado no papel até então, falecera meses antes.

"Foi o casamento mais triste que eu já vi", diz Dirce, lembrando que, enquanto a mãe assinou a certidão, o pai, acamado, apenas pôde registrardito bet casinoimpressão digital no documento.

Dirce conta que Dilermando "foi sendo promovido a duras penas" na carreira militar, "sempre o últimodito bet casinosua turma". No fim da vida, conseguiu chegar a general.

Em 1951, o anodito bet casinosua morte, Dilermando publicou A Tragédia da Piedade - Mentiras e calúnias da 'Vida dramáticadito bet casinoEuclides da Cunha'.

O livro é seu manifesto finaldito bet casinoautodefesa, analisando as provas periciais das mortesdito bet casinoEuclides pai e Euclides Filho e trazendo a público adito bet casinoversão dos fatos - a começar por seu "erro dos 17 anos", quando se apaixonou por uma mulher casada.

"A convivência acarretando a intimidade; a faltadito bet casinoexperiência ou malícia permitindo a aproximação mais íntima (...); tudo concorreu para o despertardito bet casinonovos sentimentos", descreveu Dilermando sobredito bet casinoaproximaçãodito bet casinoAna Emília Ribeiro da Cunha.

"E assim, nessa ebriez incontível, imperceptivelmente se consumou o meu crime. Porque é só onde vejo a transgressão à lei: no ter amado, aos 17 anos, uma mulher casada cujo marido não conhecia e se achava ausente,dito bet casinoparagens longínquas, sem ser lembrado sequer por inanimada fotografia."

Euclides na Flip

Apesardito bet casinoo foco da Flip ser sobre a obra literáriadito bet casinoEuclides, o medodito bet casinoque Dilermando apareça nos círculosdito bet casinodebate como "o assassinodito bet casinoEuclides" tem preocupado Dirce.

"Eu gostariadito bet casinoir, mas já estou muito velha. E também, como vou saber onde estarão falando mal dele para ir defendê-lo?", pondera.

"Eu realmente me emociono toda vez que falo dessa história. Fico muito angustiada".

Ela acredita, que aos poucos, a compreensão sobre a mortedito bet casinoEuclides e a históriadito bet casinoseu pai estejam mudando.

"Em determinados círculos, as pessoas já não falam no assassino, mas no homem que matou. E aí vai uma grande diferença."

Para a historiadora Mary Del Priore, a história da morte do Euclides da Cunha deve ser compreendida sob nova luz.

"A desconstrução do Euclides não significa a destruição do Euclides, mas uma compreensão novadito bet casinoum ator histórico importante, mas que esteve enredadodito bet casinoum drama terrível, cujas história tem que ser revista. E nela o Dilermando foi vítima como foi vítima o Euclides, como foi vítima o Dinorah e como foi vítima o Euclides Filho", considera a historiadora.

"Nos dois casos, o papai foi atacado. E mesmo cheiodito bet casinobalas ele conseguiu reagir", diz Dirce. "Só que naquela época, a honra dos maridos era lavada com sangue. E assim foi feito por parte do Euclides da Cunha", diz Dirce.

"Ele sempre dizia que ele preferia que tivesse ele morrido", conta Dirce. "A vida toda ele teve que pagar."

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