Caminhobet364Peabiru: a fascinante rota indígena que conecta o Atlântico ao Pacífico:bet364

Crédito, Paraná Projetos

Legenda da foto, Caminhobet364Peabiru cortava o sul e o sudeste do Brasil e hoje atrai a atenção dos turistas

É fácil compreender por que essa trilha transcontinental cativa a imaginação das pessoas com tanta facilidade — uma fascinação que vem desde o primeiro europeu conhecido por caminhar por toda abet364extensão: o navegador português Aleixo Garcia.

Garcia naufragou no litoralbet364Santa Catarina no anobet3641516, depois do fracassobet364uma missão espanhola que pretendia navegar pelo Rio da Prata. Ele e meia dúziabet364outros navegadores foram acolhidos pelos receptivos indígenas guaranis.

Oito anos mais tarde, depoisbet364ouvir as histórias sobre um caminho que levava até um império nas montanhas, ricobet364ouro e prata, Garcia viajou com 2 mil guerreiros guaranis até os Andes, a cercabet3643 mil quilômetrosbet364distância.

A pesquisadora brasileira Rosana Bond, no livro A Sagabet364Aleixo Garcia: o Descobridor do Império Inca, afirma que Garcia foi o primeiro europeu conhecido a visitar o império incabet3641524 — cercabet364uma década antes da chegada do conquistador espanhol Francisco Pizarro, amplamente conhecido como "descobridor" do povo originário dos Andes peruanos.

As trilhas que vinham do Brasil conectavam-se à redebet364estradas incas e pré-incas através dos Andes, que hoje recebem muitos visitantes, mas o Caminhobet364Peabiru propriamente dito deixou poucos vestígios.

Essa faltabet364evidências físicas não só levou a teorias divergentes nos círculos acadêmicos sobre quem o criou e quando, mas também gerou amplas especulações sobrebet364possível criação pelos vikings ou pelos sumérios — ou mesmo pelo apóstolo Tomé, supostamente vindobet364uma missão evangelizadora na Índia.

Crédito, Flávio Benedito Conceição/Getty Images

Legenda da foto, O nome do caminho ebet364lenda vivem na pequena cidadebet364Peabiru, no interior do Paraná

Algumas teorias afirmam que a trilha databet364cercabet364400 ou 500 d.C., enquanto outras sugerem que ela remonta até 10 mil anos atrás, aos caçadores-coletores paleoindígenas.

"O Caminhobet364Peabiru foi a estrada transcontinental mais importante da América pré-colombiana, que ligava os povos, os territórios e os oceanos", afirma a arqueóloga Cláudia Inês Parellada, que publicou diversos estudos sobre o assunto e coordena o Departamentobet364Arqueologia do Museu Paranaense,bet364Curitiba, onde estão abrigados muitos dos achados das escavações arqueológicas da trilha.

As teorias divergem não apenas sobre a época dabet364criação, mas também o local exato por onde a rota passava. "Sempre teremos várias hipóteses", explica Parellada. "É difícil ter certeza sobre o caminho completo porque ele mudou ao longo do tempo."

Mas o nome e a lenda, pelo menos, seguem vivos na cidadebet364Peabiru, construída na décadabet3641940, onde o governo local e gruposbet364voluntários criaram e demarcaram recentemente trilhasbet364caminhada inspiradas pelo Caminhobet364Peabiru.

Elas são partebet364um plano turístico ambicioso do Paraná lançadobet3642022,bet364mapear um provável trecho do Caminho com até 1.550 quilômetros para ciclismo e caminhada, atravessando o Estado desde o litoral e passando por 86 municípios, até a fronteira com o Paraguai.

Eu viajei até Peabiru para conhecer pelo menos um desses caminhos: uma trilha entre a floresta que inclui sete cachoeiras ao longo do cursobet364um dos rios da região. As margens do rio quase certamente fizeram parte do Caminho, segundo informou meu guia Arléto Rocha enquanto caminhávamos, passando sobre e abaixobet364árvores caídas e depois com as águas frias do rio até os joelhos, tirando as frutas estragadas da sola das minhas botas.

Não contentebet364ter molhado apenas as botas, Rocha mergulhou com roupasbet364uma das cachoeiras. Depois, ele indicou locais onde havia encontrado pontasbet364flechas, argamassa, gravaçõesbet364pedras e outras joias arqueológicas na última década, que agora estãobet364exibição no recém-inaugurado Museu Municipal "Caminhosbet364Peabiru".

Crédito, Gessiane Pereira/Caminhosbet364Peabiru

Legenda da foto, Trilhas entre as florestas levam para rios e cachoeiras por onde se acredita ter passado a trilha transcontinental dos povos nativos sul-americanos

A maior parte da caminhada na floresta, como o restante do caminho ao longo do Paraná, é simbólica — a melhor estimativa possívelbet364onde poderá ter ficado a trilha original, apesar da certezabet364alguns trechos, especialmente onde existem mapas históricos e sítios arqueológicos.

Esta região do sul do Brasil é um localbet364escavações arqueológicas desde os anos 1970,bet364buscabet364restos do Caminhobet364Peabiru. Da mesma forma, ali também havia densa população indígena (estima-se um picobet364cercabet3642 milhõesbet364pessoas, principalmente guaranis, no século 16).

Como muitos outros com quem falei, Rocha é fascinado pelo mistério da trilha e chegou a elaborarbet364dissertaçãobet364mestrado sobre o assunto. Historiadores, astrônomos e arqueólogos também vêm se ocupando desse quebra-cabeça há décadas, reunindo mapas antigos, registros coloniais e histórias orais para tentar entender as origens e o propósito do caminho.

O consenso é que o caminho principal da rede conectava o litoral leste e oeste da América do Sul. Dos seus pontosbet364partida no litoral brasileiro (onde hoje ficam os Estadosbet364São Paulo, Paraná e Santa Catarina), as trilhas se reuniam no Paraná, prosseguindo através do território que hoje forma o Paraguai até a regiãobet364Potosí, na Bolívia, que era ricabet364prata.

Ao chegar ao lago Titicaca (hoje, fronteira entre a Bolívia e o Peru), o caminho seguia até Cusco — a capital do império inca — e,bet364lá, descia até o litoral peruano e o norte do Chile.

Crédito, Denis Ferreira Netto/Sec. Des. Sustentável e Turis

Legenda da foto, Do litoralbet364São Paulo, Paraná e Santa Catarina, o Caminhobet364Peabiru subia a Serra do Marbet364seu trajeto até Cusco, no Peru

"Grosso modo, pode-se dizer que o roteiro 'comprido' do Peabiru era aquele que acompanhava o movimento aparente do Sol, nascente-poente", segundo Bond, na série literária História do Caminhobet364Peabiru, publicadabet3642021.

Nessa série, a autora analisa diversas hipóteses plausíveis sobre as origens da trilha e conclui que a redebet364caminhos provavelmente foi criada e usada por diversos grupos indígenas ao longo dos séculos, masbet364característica principal era o desejobet364conectar o Atlântico ao Pacífico.

"Ou seja, não importa quantos e quais povos construíram os trechos, pois o relevante seria que a estrada, num certo momento, passou a ser vista como um caminho homogêneo e específico, que representava na terra o 'andar' do Sol no céu", segundo ela.

Entre os povos a que Bond se refere, encontram-se os guaranis, uma das maiores populações nativas remanescentes na América do Sul. Eles vivembet364parte do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.

O Caminhobet364Peabiru é uma rota física e espiritual na cultura guarani, que leva a um paraíso mitológico chamado por elesbet364Yvy MarãEy, que fica além da água (o Oceano Atlântico), onde nasce o Sol.

Esse paraíso ("a terra sem mal",bet364tradução livre) é mencionado na tradição oral dos guaranis, nos seus rituais, música, dança, simbologia ebet364nomesbet364lugares. As lendas guaranis chegam a dizer que a redebet364caminhos é um reflexo da Via Láctea na Terra.

Também se acredita que o nome da trilha venha da palavra guarani peabeyú, que significa "caminhobet364grama pisada", entre outras traduções.

Mas, para os colonizadores europeus (como o navegador português Aleixo Garcia), o caminho espiritual dos guaranis para o paraíso tornou-se uma via rápida até as riquezas dos incas nas expedições pelo Novo Mundo, que acabaram por causar a mortebet364massa das populações indígenas da América do Sul pela guerra, pela fome e, principalmente, pelas doenças.

As lendas sobre o Eldorado e a Serra da Prata trouxeram frotasbet364navios espanhóis e portugueses através do Atlântico e alguns grupos indígenas os ajudaram a penetrar no interior do continente, através do Caminhobet364Peabiru, segundo Parellada.

"Conhecer as rotas e trilhas principais através das populações nativas tornou-se uma vantagem estratégica, que amplificou o saque, a destruição e a cobiçabet364novos territórios e riquezas minerais", explica ela.

Ao longo dos séculos seguintes, sucessivas ondasbet364exploradores, catequizadores jesuítas, bandeirantes, comerciantes e colonizadores também fizeram uso do Caminhobet364Peabiru para ter acesso ao interior do continente — pavimentando, ampliando e, às vezes, alterando o curso do caminho.

"Os primeiros registros escritos sobre a trilha datam dos séculos 16 e 17", segundo Parellada. "Eles incluem o relatobet364Ruy Díazbet364Guzmánbet3641612, sobre a mortebet364Garcia nas mãos do grupo étnico Payaguás durante seu retorno do Peru para o litoral [brasileiro]."

Crédito, Gessiane Pereira/Caminhosbet364Peabiru

Legenda da foto, Pesquisadores usam vestígios, sítios arqueológicos e mapas antigos para tentar definir ao máximo possível o local por onde passava o antigo Caminhobet364Peabiru

Para continuar minha pesquisa sobre os vestígios da trilha, viajei para o litoralbet364Santa Catarina, até a Enseada do Brito, no municípiobet364Palhoça - uma baía tranquila onde os historiadores acreditam que Garcia teria morado e dali partido embet364missão até o império inca. Este é o pontobet364partidabet364outra caminhada inspirada pelo Caminhobet364Peabiru — um trajetobet36425 quilômetros que passa por praias, dunasbet364areia no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e uma visita a duas aldeias guaranis.

Durante o aquecimento para a caminhada, tento imaginar Garcia e seu grupobet364náufragos barbudos, a milharesbet364quilômetrosbet364casa, e suas novas acomodações com os guaranis depoisbet364perderem seu navio.

Como na caminhada anterior, a trilha é apenas uma estimativa do local onde poderá ter passado o Caminhobet364Peabiru. Ele foi definido com a pesquisa do empresário local Flávio Santos, que desenvolveu esse projetobet364turismo depoisbet364estudar a história da trilha e os sítios arqueológicos locais.

Como muitos outros, ele vê o potencialbet364atrair turistas o ano inteiro, beneficiando a comunidade local, incluindo as aldeias guaranis próximas, se tudo for feito corretamente.

"Temos esta trilha antiga, então, por que não conectar a história e os povos indígenas locais?", questiona Santos. "É importante que os moradores locais conheçam essa história e saibam como os povos indígenas viviam e como foram dizimados."

Parellada concorda: "Um passeio pelo Caminhobet364Peabiru, aliado a atividades educativas, poderá ser uma ponte para a compreensão total do passado colonial da América do Sul,bet364biodiversidade e o conhecimento dos povos indígenas".

bet364 Leia a versão original desta reportagem bet364 (em inglês) no site BBC Travel bet364 .

- Texto publicado originalmentebet364http://bbc.co.ukhttp://vesser.net/vert-tra-61808692

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