O país com mais10 línguas oficiais:
É um lugar conhecido como Rocklands (algo como "a terra das rochas"), coração da região dominada pela língua africâner, que resultou da interaçãocolonos holandeses com locais e falantesoutras línguas indo-europeias nesta parte do sul da África.
Colonização
Muitos das fazendas nessa região já existiam nos anos 1740 na época dos Trekboers, colonos holandesesfé calvinista que depois virariam apenas bôeres.
Frida, a atendente que me cumprimenta quando retornamos à pousada, trata os visitantes por "you people", como na saudação "oi, pessoas".
"You people" é uma expressão comum na África do Sul, uma tradução direta do africâner "julle mense".
A história do inglês sul-africano está inseparavelmente ligada à do africâner, uma versão moderna do holandês do século 17.
Ambas as línguas também são inseparáveis da própria história africana. Da mesma forma que se influenciam uma à outra, foram enriquecidas pela migração e o contato forçado entre colonizadores e colonizados.
Exprimem a personalidadetodos que passaram por estas terras ao longo dos tempos: são uma colcharetalhosmundos distintos.
Mas nenhuma das línguas coloniais está entre as mais faladas (como primeira língua) nesta nação11 idiomas. No censo2011, o isiZulu apareceu como a língua mais falada pelos sul-africanoscasa, seguida pela xhosa.
O africâner era a primeira língua13,5% dos sul-africanos, enquanto o inglês era a língua nativaapenas 9,6% da população.
Apesar disso, o inglês acabou virando a língua franca do país, amplamente falado e compreendido, às vezesvariantes próximasum dialeto enriquecido pelas línguas nativas da região.
Disputa europeia
Durante o domínio holandês na colônia do Cabo, nos séculos 17 e 18, missionários britânicos,outros países europeus e americanos levaram o inglês às comunidades africanas.
No início do século 19, após a segunda guerra dos bôeres (1899-1902) e a tomada britânica da colônia do Cabo, o inglês se tornou a única língua do governo e do comércio.
Isso marginalizou os falantes do holandês e criou um ressentimento "que ainda se notaalguns gruposfalantesafricâner até hoje", segundo Penny Silva, autorum dos principais estudos da língua inglesa na África do Sul.
Mesmo antes da segunda guerra dos boêres, já havia uma grande desconfiança entre os falantesinglês e africâner na região.
A independência sul-africana,1909, significou a ascendência da cultura e da língua africâner, proclamada língua oficial1925.
Durante o apartheid (literalmente "separação",africâner), entre 1948 e 1994, o inglês foi adotado como língua do partidoNelson Mandela, o Congresso Nacional Africano (ANC, na siglainglês) - e logo visto como a linguagem da liberdade para muitos sul-africanos oprimidos.
Favelas vivendo sob o apartheid tinham acesso a uma educação falha e normalmente transmitidauma das nove línguas africanas que, junto com o inglês e o africâner, formam parte do conjuntolínguas oficiais do país.
Línguagem e política
Em 1996, apenas dois anos após o fim oficial do regimediscriminação, Penny Silva publicouobra que se tornaria uma referência nesse campoestudo: A Dictionary of South African English on Historical Principles, outradução livre, "DicionárioInglês Sul-Africano baseadoPrincípios Históricos".
A obra procurou definir o inglês sul-africano segundo seu contexto histórico e político. Mas criou polêmica, na medidaque as palavras foram, elas mesmas, instrumentosopressão no país.
Silva diz que muito do trabalhopesquisa foi feito nos anos 1970 e 1980, documentando a etimologia da língua usando dezenaslivros proibidos pelo regime.
"Quando publicamos o dicionário,1996, o governo Mandela estava no poder, portanto todos os livros que usamos podiam ser referenciados no dicionário", disse Silva.
"Havíamos guardado citaçõeslugares secretos esperando o diapublicá-las."
Hoje, o africâner ainda é amplamente falado na regiãoCederberg, onde muitos moradores mais velhos sequer falam inglês. Certo domingo,Traveller's Rest, um grupo se reunia para conversar acompanhadoschárooibos, o arbusto local, e falar nalíngua.
Já a geração mais jovem, que abraçou a globalização e está mais interessadacapitalizar nos ganhos do turismo - a região virou um destino para escaladoresrocha -, fala inglês fluentemente.
"Devo admitir que, se não fossem os turistas, estes seriam temposdesespero para os trabalhadores do rancho", diz o proprietárioTraveller's Rest, Charité van Rijswijk. "Estamos na pior seca da região130 anos."
Mistura charmosa
Conversando com van Rijswijk, confesso ter uma certa queda pela charmosa estrutura formal do inglês sul-africano. Como australiana, percebo que as contrações da língua aqui não são tão comuns quanto no inglês da minha terra.
Silva sugere que isso provavelmente se deve ao fatoo inglês ter sigo uma segunda língua por aqui.
A língua é carregadatermosorigem africâner, portuguesa, indiana e malaia, sem contar as influências das línguas nativas.
"Lekker", disse van Rijswijk certo dia, quando o convidei para o almoço. A palavra significa, literalmente, "delicioso", mas seu uso se expandiu tanto que ultrapassou o contexto ligado à comida. Sua conotação é como o "legal" do português brasileiro - termo que também é aplicadomaneira bastante diferente do significado literal.
Meus ouvidos australianos se aguçavam ao ouvir palavras como "bakkie"vez"pick-up truck" (picape); "braai" no lugar"barbecue" (churrasco); "lank" para se referir a uma grande quantidade ("lank braai", por exemplo). Todas palavras emprestadas do africâner.
"Hey bru (brôu): Howzit (como vai)!", cumprimentou-me Doug, durante uma visita ao acampamentoPakhuys para participarum churrasco.
Veio chegando com"dumpie" (cerveja) na mão e espero que não tenha bebido muito e tido uma "babalaas" (ressaca) no dia seguinte.
Geração 'arco-íris'
Assistindo à nova geração da "nação arco-íris" gracejando e fazendo piadas enquanto o churrasco ficava pronto, não pude deixarpensar na relação entre os jovens que nasceram depois1994 e a língua que eles falam.
O dicionárioPenny Silva, nesse contexto, é um instrumentomudança política.
Em certo momento, uma "disputa" surge do outro lado da festa. "Ei, esse é o meu jantar, seu 'skollie'!"
De alguma maneira, o grego skolios (criminoso) também entrou no léxico local.
É um falar tão "arco-íris" quanto a composição étnica e a geografia humana da África do Sul atual.
Os visitantes se deparam com línguas que, no passado, competiam entre si. Mas que hoje se influenciam umas às outras, criando resultados que são únicos do seu tempo e espaço - exclusivamente sul-africanas.
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site da BBC Travel