As pessoas que não conseguem sorrir:x2 na betano
"Faço isso por alguns minutos. Mas tenho que fazer todos os dias."
Ele pratica tanto que, muitas vezes,x2 na betanomandíbula fica dolorida.
Kevin nasceux2 na betanoNova Jersey, nos EUA, com um raro tumor vascular maligno: hemangioendotelioma kaposiforme (HEK), que cobre o lado esquerdo do seu rosto, apertando o olho esquerdo e empurrando o nariz para a direita.
Imediatamente após seu nascimento, os médicos transferiram Kevin para um hospitalx2 na betanooutro estado, o Children's Hospital of Philadelphia. A mãe só pôde ver o filho pela primeira vezx2 na betanoseu oitavo diax2 na betanovida.
A equipe informou aos pais que as chances dele sobreviver eram pequenas. Mas ele conseguiu.
Luta pelo sorriso
A dimensão do tumor e os danos causados pelo tratamento impediram Kevin, no entanto,x2 na betanofazer algo fundamental para as relações humanas: sorrir.
Do pontox2 na betanovista físico, um sorriso é algo bastante evidente. Há 17 paresx2 na betanomúsculos controlando a expressão facial, alémx2 na betanoum individual: o orbicular, uma espéciex2 na betanoanel que envolve a boca.
O sorriso básico, que se curva para cima, é alcançado principalmente por meiox2 na betanodois paresx2 na betanomúsculos, conhecidos como zigomático maior e menor. Eles conectam os cantos da boca às têmporas, puxando os lábios para cima. Em geral, atuam acompanhados do músculo levantador do lábio superior, dependendo das emoções e dos pensamentos.
No entanto, é quando nos distanciamos do campo da fisionomia que o sorriso se torna algo misterioso. Essa contraçãox2 na betanovários músculos faciais deixoux2 na betanomarca ao longo da história, desde os sorrisos arcaicos das esculturas gregas, conhecidas como kouros, feitas há 2,5 mil anos, até os emojis, os pequenos ícones que usamos nas trocasx2 na betanomensagem online para expressar emoções.
Existem diferençasx2 na betanogênero (geralmente, as mulheres sorriem mais) ex2 na betanocultura. Mas o sorriso é definitivamente uma formax2 na betanocomunicação: as pessoas sorriem maisx2 na betanopúblico ou quando estão interagindo com alguém do que quando estão sozinhas.
Os cientistas demonstraram que os sorrisos são muito mais fáceisx2 na betanoreconhecer do que outras expressões. Só não sabem ainda a razão.
"Podemos reconhecer sorrisos muito bem", diz Aleix Martinez, professorx2 na betanoengenharia elétrica e da computação da Universidade Estadualx2 na betanoOhio, nos EUA, onde fundou o Laboratóriox2 na betanoBiologia Computacional e Ciências Cognitivas.
"Mas por que isso acontece? Ainda não temos a resposta. Não sabemos a razão. Eu posso te mostrar uma imagem por apenas dez milissegundos, e você vai me dizer que se tratax2 na betanoum sorriso. Isso não funciona com outras expressões."
Surpreendentemente, são necessários 250 milissegundos para reconhecer a expressãox2 na betanomedo - ou seja, 25 vezes mais demorado do que o sorriso.
"Reconhecer o medo é fundamental para a sobrevivência, enquanto um sorriso...", reflete Martinez.
"Mas é assim que fomos programados."
Função social
Outros estudos mostraram que rostos sorridentes são considerados mais familiares do que os neutros. Alguns cientistas, como Martínez, defendem a teoriax2 na betanoque os sorrisos - assim como franzir a testa e outras expressões faciais - são resquícios da fase pré-linguística da humanidade.
A linguagem humana começou a se desenvolver há cercax2 na betano100 mil anos, mas nossas expressões faciais são ainda mais antigas - é possível que remetam à épocax2 na betanonossos primeiros antepassados.
"Antes que conseguíssemos nos comunicar verbalmente, tínhamos que nos comunicar com os rostos", comenta Martinez.
Interpretar as nuancesx2 na betanoum sorriso é um desafio, seja na história da arte,x2 na betanoencontros interpessoais ou até mesmo na vanguarda da inteligência artificial. Em um estudo realizadox2 na betano2016, por exemplo, milharesx2 na betanopessoas,x2 na betano44 culturas diferentes, foram questionadas sobre oito fotografiasx2 na betanorostos humanos - quatro sorrindo e quatro sem sorrir.
A maioria das pessoas considerou que os rostos sorridentes eram mais sinceros do que aqueles que não estavam sorrindo. Essa diferença foi enormex2 na betanoalguns países, como Suíça, Austrália e Filipinas. Mas pequenax2 na betanooutros, como Paquistão, Rússia e França.
Em países como Irã, Índia e Zimbábue, os resultados mostraram que os sorrisos não agregam nenhum valor extrax2 na betanoconfiança.
Por quê? Essa pergunta também é complicada. Mas,x2 na betanoresumo, os pesquisadores concluíram que tem a ver com o fatox2 na betanoaquela sociedade ser ou não moldada para que seus membros acreditem que outras pessoas estão honestas com eles.
"Níveis altosx2 na betanocorrupção diminuem a confiançax2 na betanorelação aos sorridentes", afirmam os autores do estudo.
Faltax2 na betanoseriedade ou 'iluminação'?
Essa atitude remonta a uma visão muito antiga do sorriso, que se opunha à solenidade religiosa. Quando a devoção era um valor dominante, os sorrisos eram reprovados, tratados como precursores do riso, algo desprezado naquela época. Antes da Revolução Francesa, por exemplo, os sorrisos largos na arte representavam,x2 na betanogrande parte, os lascivos, bêbados e baderneiros das classes mais baixas.
No entanto, religiões orientais costumam associar o sorriso à iluminação espiritual. O nome literal do milenar Sermão da Flor, que descreve a origemx2 na betanoZen Budismo, é: "Pegue a flor, sorriso leve". Buda e várias figuras religiosas foram retratadas com sorrisos serenos, embora os textos budistas originais sejam tão desprovidosx2 na betanosorrisos quanto as escrituras ocidentais. Jesus chora, mas nunca sorri.
Kevin Portillo também não sorri, ou melhor, não totalmente. Já emx2 na betanoquinta semanax2 na betanovida, tevex2 na betanopassar por sessõesx2 na betanoquimioterapia com vincristina, uma droga anticâncer tão potente que pode causar dor óssea e erupções na pele. Os médicos alertaramx2 na betanomãe, Silvia Portillo, que o tratamento poderia causar cegueira, surdez ou deixá-lo incapazx2 na betanoandar.
Seja por causa do tumor ou por conta da medicação, o nervo craniano número 17x2 na betanoKevin atrofiou. Esse nervo, que se origina no tronco encefálico e se ramifica no rosto, é suscetível não só a tumores, como foi o casox2 na betanoKevin, mas também a doenças raras, como a síndromex2 na betanoMoebius - paralisia facial congênita causada pela atrofia ou ausência dos nervos cranianos.
A pessoa não consegue sorrir, franzir a testa ou mover os olhosx2 na betanoum lado para o outro.
"Basicamente, você tem uma máscara no rosto", diz Roland Bienvenu, um texanox2 na betano67 anos que sofre com a síndromex2 na betanoMoebius.
Sem poder sorrir, os outros "podem ter uma impressão erradax2 na betanovocê", assegura.
"Você quase pode ler os pensamentos das pessoas. Elas se perguntam: 'Tem algox2 na betanoerrado com ele? Deve ter sofrido um acidente'? Questionamx2 na betanocapacidade mental, acham que você talvez tenha alguma deficiência intelectual, já que se deparam com um rosto sem muita expressão."
Os desafios decorrentes da faltax2 na betanoum sorriso costumam se acumular. Quando as pessoas têm uma condição médica grave o suficiente para impedi-lasx2 na betanosorrir, outras dificuldades tendem a estar associadas.
"Ele era diferente das outras crianças", diz Silvia, mãex2 na betanoKevin.
"Ele foi alimentado durante quatro anos por meiox2 na betanoum tubo ligado ao seu estômago. Ele não tinha como ter uma vida normal, poisx2 na betanointervalosx2 na betanopoucas horas, nós precisávamos conectá-lo à máquina para que conseguisse se alimentar. Outras crianças, curiosas, olhavam e perguntavam o que estava acontecendo com ele", comenta.
Mas, mesmo quando Kevin foi liberado para comer normalmente, frequentar a escola e desfrutarx2 na betanopassatempos infantis - ele é apaixonado por futebol e toca bateria -, ainda sentia as consequênciasx2 na betanoter um sorriso incompleto,x2 na betanomeio a um mundo moldado pela "perspectiva cultural da perfeição", como Richard Barnett descrevex2 na betanoseu livro The Smile Stealers (Os ladrõesx2 na betanosorriso,x2 na betanotradução livre).
"Eu não conseguia sorrir do lado esquerdo, apenas do direito", conta Kevin. "Meu sorriso era estranho… As pessoas me perguntavam o que tinha acontecido, porque eu era assim. Eu respondia que havia nascido assim."
Busca por laços
A paralisia facial não se apresenta como algo óbvio, como acontece com outras deficiências. Além disso, é rara o bastante para que a maior parte da população não conheça suas causas - sejam congênitas ou adquiridas ao longo da vida.
Uma delas é a paralisiax2 na betanoBell, uma inflamação do revestimento ao redor dos nervos faciais que paralisa metade do rosto, declinando o olho e o canto da boca. Em geral, atinge homens e mulheres entre 15 a 60 anos.
Na maioria dos casos, a paralisiax2 na betanoBell é temporária - costuma desaparecer tão misteriosamente quanto aparece. Os médicos suspeitam que é causada por uma infecção viral.
Há ainda eventos traumáticos - como acidentesx2 na betanocarro ou esportivos - que danificam os nervos e músculos faciais, alémx2 na betanoirregularidades congênitas, como o lábio leporino (ou fenda palatina).
Uma condição comum que também pode afetar o sorriso é o acidente vascular cerebral (AVC). O sorriso assimétrico é um dos três sinaisx2 na betanoderrame e indica, consequentemente, que a pessoa precisax2 na betanoatendimentox2 na betanomédico imediato. Os outros dois são: dormênciax2 na betanoum braço e fala arrastada ou distorcida.
Perder um sorriso é um duro golpex2 na betanoqualquer idade, mas pode ter um impacto maior sobre os jovens, que estão apenas começando a criar laços que vão levar para o resto da vida.
"É um grande problema", diz Tami Konieczny, supervisora do setorx2 na betanoterapia ocupacional do Children's Hospital of Philadelphia.
"Quando você vê alguém, a primeira coisa que enxerga é o rosto,x2 na betanohabilidade ou incapacidadex2 na betanosorrir, oux2 na betanoapresentar um sorriso assimétrico. É o seu mundo social", afirma.
"Se alguém não consegue ler suas expressões faciais, então, é difícil ser aceito socialmente. É extremamente devastador para as crianças. Eu vi algumas retocando suas fotosx2 na betanoprogramasx2 na betanocomputador. Elas tiram fotos do lado bom do rosto, espelham e copiam. Ou seja, manipulam suas próprias imagens antesx2 na betanopostá-las nas redes sociais."
Manipular fotos pode funcionar para as postagens no Facebook. Porém, consertar um sorriso dividido por danos nos nervos e, consequentemente perda muscular, é muito mais complicado. Às vezes, requer cirurgias plásticasx2 na betanovários níveis, ao longox2 na betanoanos.
"É incrivelmente importante poder interagir cara a cara com as pessoas", diz Ronald Zuker, cirurgião plástico canadense, pioneirox2 na betanoprocedimentosx2 na betanoreconstrução facial.
"Se você não tem a capacidadex2 na betanosorrir, você estáx2 na betanodesvantagem. As pessoas não conseguem entender suas emoções internas. E confundemx2 na betanoexpressão com faltax2 na betanointeresse, inteligência oux2 na betanoenvolvimento na conversa."
Ainda assim, alguns pais preferem esperar até que os filhos fiquem mais velhos e possam participar da decisãox2 na betanofazer as intervenções cirúrgicas.
"Se as famílias querem esperar, tudo bem", diz Zuker. "Às vezes, quando uma criança tem nove ou dez anos, ela se olha no espelho e diz: 'Sabex2 na betanouma coisa, eu quero fazer a cirurgia'. Essa é a hora."
Recomeço difícil
Foi o que aconteceu com Kevin. Ele estava indo bem, "mesmo com uma cicatriz no rosto, sempre foi popular na escola", diz a mãe.
"Sempre foi uma criança feliz."
Mas havia crianças que zombavam dele. Um dia, prestes a completar nove anos, chegou muito tristex2 na betanocasa.
"Eu perguntei: 'O que aconteceu'? Ele respondeu: 'Algumas crianças não são minhas amigas. Elas riemx2 na betanomim porque eu pareço engraçado'. Como pais, ouvir isso foi muito difícil", lembra Silvia.
Aos 10 anos, Kevin disse aos seus pais, sem pestanejar, que queria fazer a cirurgia. Ele já sabia que o processo seria longo, doloroso e difícil, mas era o que ele queria.
Em outubrox2 na betano2015, Phuong Nguyen, cirurgião plástico do Children's Hospital of Philadelphia, começou o procedimento.
Ele removeu uma parte do nervo sural do tornozelo direitox2 na betanoKevin e fixou no lado direito do rosto do menino, passando-o por baixo do lábio superiorx2 na betanodireção ao lado esquerdo paralisado. Deixou então crescer por quase um ano. As fibras nervosas avançaram cercax2 na betanoum milímetro por dia (quase 24 mil vezes mais lento que um caracol).
Durante esse período, os médicos avaliavam periodicamente as bochechasx2 na betanoKevin para ver se o nervo estava progredindo.
"Quando está formigando, você sabe que o nervo está crescendo", explica Nguyen.
Remover o nervo fez com que um pequeno pedaçox2 na betanopele do tornozelox2 na betanoKevin ficasse adormecido. Mas como Kevin ainda estava crescendo, essa parte sem sensibilidade começou a diminuir à medida que a rede neural assumiax2 na betanofunção.
Quando Nguyen teve certezax2 na betanoque o nervo enxertado estava no lugar e operante, decidiu passar para o segundo estágio da cirurgia.
Em agostox2 na betano2016, o cirurgião pegou um marcadorx2 na betanotexto roxo e desenhou um parx2 na betanolinhas paralelas no rostox2 na betanoKevin, indicando a localizaçãox2 na betanouma artéria principal e, na sequência, fez uma seta, mostrando como seria o sorriso do menino.
Nguyen removeu um segmento muscularx2 na betanodoze centímetros, junto a uma seçãox2 na betanoartéria e veias, da coxa esquerdax2 na betanoKevin. Na sequência, fixou tudo com um separador feito sob medida para a bocax2 na betanoKevin.
No ano seguinte, Kevin começou a fazer os primeiros movimentos no lado esquerdo da boca.
"É realmente uma coisa mágica", diz Nguyen.
Kevin precisoux2 na betanosessões regularesx2 na betanoterapia ocupacional para avançar no tratamento. Ele pratica diferentes exercícios. Um deles consistex2 na betanosoprar luvasx2 na betanolátex para estimular o interior da bochecha. Em outro, precisa inserir um EMG - sensor retangular preto que lê a atividade elétrica do músculo - na bochecha esquerda, para que possa jogar videogame sorrindo e relaxando.
A reabilitação física é a parte do processo cirúrgico que muitas vezes é negligenciada, mas pode ser a diferença entre os casosx2 na betanosucesso e fracasso.
"A diferença é enorme. Especialmente nos casosx2 na betanoparalisia facial", diz Nguyen. "Você pode realizar cirurgias tecnicamente bem sucedidasx2 na betanodois pacientes e ter resultados completamente diferentes,x2 na betanoacordo com o comprometimentox2 na betanocada um com a reabilitação."
Como Kevin se sente agora ao conseguir sorrir?
"Faço isso automaticamente", diz ele.
"Às vezes, sorrio quando alguém conta uma piada. Na verdade, está ótimo agora. Antes era estranho. Ao sorrir com os dois lados da minha boca ao mesmo tempo, sinto que sou uma pessoa que sorri direito."
A mãe relembra quando viu o sorrisox2 na betanoKevin pela primeira vez.
"Estávamos todos na mesa comendo", diz Silvia. "Então, notamos algo diferente: 'Kevin, você está movendo o outro lado'?"
Como o novo sorriso transformou a vidax2 na betanoKevin?
"Antes, eu era realmente tímido", diz ele. "Agora, sou menos tímido e mais ativo."
"Eu costumava ter dificuldadex2 na betanoexpressar minhas emoções. Agora, as pessoas sabem se estou sorrindo ou dando uma risada. Antes, eu riax2 na betanouma maneira estranha. Mas agora, aos poucos, elas sabem que estou tentando sorrir. Eu rio e sorrio. Quando eu jogo futebol e faço um gol, fico feliz e sorrio para mostrar a todos quem marcou."
*Este artigo foi publicado pela primeira vez pela Mosaic [mosaicscience.com], da editora Wellcome [wellcome.ac.uk], e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.
x2 na betano Leia a versão original x2 na betano desta reportagem (em inglês) no site BBC Future x2 na betano .