O que fazFellini um dos maiores mestres do cinema:

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Legenda da foto, Fellini conquistou quatro Oscarmelhor filme estrangeiro

"Oito e meio sempre foi um marco para mim,muitas maneiras. A liberdade, o sensoinovação, o rigor subjacente, o profundo núcleodesejo, o encantamento, a atração física dos movimentoscâmera e composições." A cada atributo, parece mais difícil superá-lo.

Não é exagero dizer que Fellini proporcionou uma experiência nova.

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Legenda da foto, A obra-prima 'Oito e meio' (1963),Fellini, é um marco para Martin Scorsese, que assiste ao filme uma vez por ano

Ele levou (e continua levando) os espectadores para destinos muito além do mundo anglófono - que não imaginaríamosnossas fantasias mais loucas. Ele criou um estilo própriocinema que misteriosamente se tornou universal.

Críticas duras

E ainda assim - existe sempre um "porém", não é mesmo? - não me alegra dizer que a comunidadecríticos sempre teve um relacionamento complicado com Fellini.

EmresenhaOito e meio, um devaneio autobiográfico lírico e velado sobre um diretor com bloqueio criativo, a americana Pauline Kael pegou seu riflefranco-atiradora e colocou o filme na mira:

"A fantasia da vidaalguém é um material perfeitamente bom para um filme, se ela for imaginativa e fascinante por si só, ou se ilumina a vida realalguma maneira interessante", escreveu. "Mas Oito e meio não é uma coisa nem outra; é surpreendentemente parecido com os sonhos das heroínasHollywood, levado por ideias apropriadasansiedade freudiana e realizaçãodesejos."

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Legenda da foto, Fellini ofereceu aos amantes da sétima arte uma experiência completamente nova

Kael não foimodo algum a primeira críticapeso a rechaçar os filmesFellini, descartando-os como embalagens vazias, cujo simbolismo artístico e surrealismo caricato insinuavam uma profundidade que não mereciam.

Tampouco ela seria a última. Na antologia Have You Seen… ("Você assistiu…?",tradução livre),2008, David Thomson escreveu: "Não é que Oito e meio pode ou deve durar para sempre, só porque parece". E não parou por aí. Em outro trecho do livro, Thomson fala sobre Amarcord (1974). "Fellini pode fazer uma cena enquanto dorme - mas ele precisa?".

Sobre A Doce Vida (1960), ele afirma: "Nada acontece, exceto pelos elementos cenográficos presunçosos, o alcance épico do simbolismo e metáforasencher os olhos d'água". E no capítulo sobre As NoitesCabíria (1957), que apresenta a esposa e musaFellini, Giulietta Masina,uma das performances mais comoventes que já vi, ele escreve: "Pessoalmente, ainda a acho uma atriz sem graça".

Eu argumentaria que Kael e Thomson não estão apenas errados: seus julgamentos sãoum disparate sem tamanho. Com a possível exceçãoDe Sica, cujo filme Umberto D ainda me deixa aos prantos, Fellini sempre foi o cineasta mais introspectivo, mais artístico e, sim, mais profundo do cinema italiano (me perdoem os fãsAntonioni). Ninguém mistura o amargo e o doce com um toque mais leve. E aparentemente eu não sou o único crítico que acha isso.

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Legenda da foto, O neorrealismo inicialFellini foi deixadolado pelo sentimentalismo picaresco'Na Estrada da Vida' (1954)

Na lista da BBC Culture dos 100 melhores filmes estrangeiros, Fellini aparecesegundo lugar entre os diretores com maior númerofilmes na lista. Ele tem quatro, apenas Ingmar Bergman e Luis Buñuel têm mais - cinco cada.

Para aqueles que estão tentando adivinhar, os filmesFellini que estão na lista,ordem decrescente, são: Oito e meio (7ª posição); A Doce Vida (10ª); Na Estrada da Vida (83ª); e As NoitesCabíria (87ª). Amarcord, repletonostalgia, ficou fora da listacorte, na 112ª colocação.

Artistascirco e prostitutas

Nascido1920, na cidade litorâneaRimini, na costa do Mar Adriático (locação a que ele voltariafilmes como Amarcord e Roma), Fellini começoucarreira no cinema como roteirista do clássico neorrealista Roma, Cidade Aberta (1945),Roberto Rossellini.

Uma década e meia depois, seria difícil imaginar alguém virar totalmente as costas para o realismo (neo ouqualquer outro tipo) como Fellini faria. Seus primeiros filmes inspiradosRossellini, como Os Boas-vidas (1953), foram deixadoslado pelo sentimentalismo picarescoNa Estrada da Vida (1954) e As NoitesCabíria (1957), que mostram um senso inquietantehumanidade entre artistascirco e prostitutas.

Em seguida, veio, é claro, A Doce Vida - um vertiginoso passeio na madrugada pela alta sociedade espiritualmente entorpecida da Via Veneto,Roma. Uma grande aula sobre o anseio existencial e hedonismo do pós-guerra, alimentada pelo charme libertinoseu enfadado protagonista Marcello (Marcello Mastroianni) e por um punhadocenas inesquecíveis, como a da estátuaCristo sendo levadahelicóptero pela cidade e o banho noturno sensual da atriz sueca Anita Ekberg na FontanaTrevi. A imagem finaluma menina angelical chamando Marcello na praia e tentando se comunicar, enquanto ele não consegue ouvirvoz, é arrebatadora.

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Legenda da foto, 'Satyricon' (1969) é uma espécievoo lisérgicotapete mágico pela RomaNero

Panteão

A Doce Vida catapultaria Fellini para o rol dos diretores mais famosos do mundo.

Talvez não seja surpreendente que também tenha levado o cineasta a uma crise espiritual e artística (como você dá seguimento ao maior sucessosua carreira?), que se tornou a base narrativa para seu próximo projeto, Oito e meio.

Expressando-se por meioseu alter ego no cinema - Mastroianni mais uma vez -, Fellini transformou Oito e meio emobra mais reflexiva - e um dos seus filmes mais engraçados.

Foi como deixar as páginasum diáriopreto e branco abertas para serem lida por seus fãs, a exumação do fluxoconsciência do passadoum artista na esperançaencontrar a chave para desvendar o futuroalgum lugar dentro desse enigma.

Ele começaria um novo capítulosua carreira, onde a narrativa era secundária ao espetáculo. E que espetáculo! Eu poderia assistir seu voo pagão e lisérgicotapete mágico pela RomaNero,Satyricon (1969), uma vez por ano - e assisto.

Não quero sugerir que todos os filmesFellini do fim dos anos 1970 merecem o mesmo status"clássico". Não é o caso. Mas mesmo os títulos menores que vieram posteriormente oferecem uma variedaderiquezas, se você escutar com atenção as melodias contagiantes do compositor Nino Rota ou observar a magia dos cenários do figurinista Danilo Donati.

Ainda assim, acho que a Academia acertou1993, quando concedeu a Fellini um Oscar honorário pelo conjuntosua obra.

Ao subir no palco para receber a estatueta, menosum ano antessua morte, o homem73 anos foi sincero e direto ao ponto, dizendo grazzie (obrigado) e pedindo aesposa, Giulietta, para pararchorar. O que mais ele precisava dizer? Seus filmes já haviam dito tudo.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture .

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