Investigação desvenda 'entranhas' da 'máquina'sequestros do 'EI':
O grupo que se autodenomina "Estado Islâmico" tem espalhado terror principalmente nas fronteiras da Síria e, nos últimos anos, cresceu investindoum "negócio" que se mostrou bastante lucrativo para os extremistas: os sequestros.
De acordo com uma estimativa da agênciainteligência dos Estados Unidos, os valores recebidos pelo resgate das vítimas renderam US$ 25 milhões (cercaR$ 101,2 milhões) para o grupo extremista no ano passado.
Além disso, os sequestros realizados pelo grupo extremista servem como uma ferramenta poderosapropaganda. Funcionam também como uma verdadeira rede criminosa, incluindo espiões, informantes, sequestradores, carcereiros e os próprios negociadores, que fazem os acordos pela liberação dos reféns.
O jornalista sírio Omar Al-Maqdud foi conhecer algumas das pessoas envolvidas nessa "máquinasequestros" do 'EI' e faz o relato abaixo sobre o que descobriu com a investigação.
Dois anos atrás, um jornalista americano, Steven Sotloff, veio me visitar na minha casa nos Estados Unidos e disse que estava planejando ir para a Síria.
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Eu tentei convencê-lo a mudarideia, mas ele não me ouviu. Três dias depois, ele me mandou um e-mailuma região próxima a Aleppo me pedindo ajuda com contatos. Não muito tempo depois, ele acabou sequestrado.
"Havia três carros. Eu podia vê-los à distância, a uns 500 metros", contou Yusuf Abubaker, um freelancer que trabalhava para Sotloff e que estava viajando com ele.
"Assim que eles viram a gente, saíram dos carros e bloquearam nosso caminho… eu queria tirar minha arma e mirar neles, mas eram cerca10 ou 15 caras armados na nossa frente."
Sotloff e Abubaker foram separados. "Eu tentei gritar por ele, mas eles me diziam para calar a boca", relatou Abubaker, que foi libertado depois15 dias por ter conexões com uma poderosa brigada anti-governo chamada "Free Syrian Army" (FSA).
Um ano depois,setembro2014, o 'EI' divulgou um vídeoSotloff sendo decapitado. Isso aconteceu logo depois do assassinatooutro jornalista americano, James Foley,circunstâncias semelhantes.
No total, 181 jornalistas, jornalistas-cidadãos e blogueiros foram assassinados na Síria desde 2011,acordo com o grupo Repórteres sem Fronteiras. Pelo menos 29, incluindo nove estrangeiros, ainda estão desaparecidos ou são mantidos reféns pelo 'EI' ou outros grupos extremistas armados.
Planejamento
Na cidadeAntakya, conheci um homem sírio, antigo agente do 'EI', que me pediu para chamá-loAbu Huraira. Ele me contou que rastreava jornalistas que cobriam o conflito e ajudava a esquematizar o sequestro deles.
Para isso, ele fingia ser um refugiado sírio e pedia a freelancers da região para apresentá-lo aos jornalistas. Depoisalgumas reuniões, ele sugeria um lugar próximo da fronteira para eles fazerem as filmagens. "Há crianças que vocês podem filmar e vou apresentá-los a algumas pessoas que podem ajudá-los nesse trabalho", era a promessa que ele fazia.
Ele, então, dava os detalhes dos planos dos jornalistas aos sequestradores. "Eu organizava tudo com eles. Só precisava entregar a pessoa… outro iria cuidar do sequestro etodo o resto, eu não precisava fazer nada mais que isso. Ou o sequestrador ainda me sequestraria junto e me liberaria depoisum tempo."
No início do conflito, Abu Huraira havia sido um membro da FSA. Depois, passou um tempo com um grupo local com ligações com a al-Qaeda, antescomeçar a colaborar com o 'EI'. Ele só concordoufalar comigo porque decidiu deixar o grupo.
E Huraira só tomou a decisão depoister recebido um pedido do 'EI' para esquematizar o sequestroumseus amigos.
"Eu não podia perder meu amigo e me sentir responsável por isso. Eu disse a ele: 'Você precisa sair daqui, deixar o país, porque você é o novo alvo deles. Eles querem você e não há desculpas para essas pessoas'". Eu falei com um antigo colega depois para confirmar se isso era verdade ─ e era.
Abu Huraira me mostrou fotosreféns, mensagens e gravaçõesconversas que ele tinha com líderes do 'EI' na provínciaRaqqa, e explicou como os sequestros são bem planejados.
Segundo ele, há muitas pessoas como ele dispostas a ajudar o grupo com infirmações para os sequestradores ─ por motivos ideológicos ou mesmo financeiros.
Eu também estiveAntakya um ano antes e Abu Huraira me disse que estava me monitorando naquela viagem ─ e quase "me vendeu" por alguns milharesdólares. Ele sabia onde eu estava me hospedando, com quem eu estava viajando e detalhes da viagem que eu meus colegas tínhamos planejado por ali.
Ele me disse que passou todas essas informações para seus colegas do 'EI', que até chegaram a fazer um plano para nos sequestrar. Por sorte, nós cancelamos a viagemúltima hora.
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Punição
O 'EI' tem um departamento inteiro dedicado a sequestros chamado "AparatoInteligência",acordo com Abu Huraira. Eles colocam os jornalistas como alvo desde que os repórteres colocam os pés na fronteira da Síria.
Às vezes, porém, o 'EI' sequestra pessoas não pelo dinheiro, mas para punir os jornalistas.
Em janeiro do ano passado, homens mascarados invadiram o escritório do jornalista sírio Milad Al ShihabyAleppo, aparentemente por vingança por causasuas reportagens sobre as atrocidades cometidas pelo grupo extremista. "Eles isolaram todo o equipamento eletrônico no escritório ─ câmeras, laptops, etc ─, me colocaram no porta-malas do carro e me levaram para a base deles, no hospital das crianças", contou ele.
Shihaby foi mantidocativeiro sozinhouma cela por 13 diasum antigo hospitalAleppo. Cercaoutros 200 sírios também estavam presos ali.
"Eu fiquei com os olhos vendados por 10 dias. Eu tinha que rezar com os olhos vendados, tinha que comer com os olhos vendados. Depois desses 10 dias, fiquei mais três com as mãos algemadas ─ e os olhos continuavam vendados. Até quando eu estava rezando eu estava com as mãos algemadas."
Depois, Shihaby foi transferido para um outro quarto maior com outros prisioneiros, agora já sem a venda e as algemas. Segundo ele, alguns dos seus carcereiros tinham sotaques do Iraque e era possível ouvi-los torturando outros reféns.
"Eles penduravam um homem pelas mãos e deixavam suas pernas para baixo ─ e ali ele ficava por duas ou três horas…às vezes eles tinham tantos prisioneiros, que não tinham corda suficiente para pendurá-los, então eles usavam as algemas para isso."
Al Shihaby conta que algunsseus companheiroscela foram executados por não terem se convertido ao Islã. Mas quando os guerrilheiros da FSA tomaram o centrodetenção, alguns militantes conseguiram fugir. Al Shihaby e outros prisioneiros escaparam. Ele havia ficado preso ali por 16 dias.
Quarenta e oito horas depois que ele me levouvolta para a prisão vazia, soubemos que o 'EI' havia retomado o controle da área.
Motivos
Al Shihaby não foi a única pessoa a conseguir se livrar do sequestro ─ alguns jornalistas estrangeiros também foram libertados. Em junho2013, os jornalistas franceses Edouard Elias e Didier François foram sequestrados na Síria ─ e só ficaram livres depois10 meses.
Mas por que alguns reféns são libertados? Há casosque isso só acontece mediante pagamentoaltos valores pela libertação dos reféns, mas no casoElias e François, nenhum resgate foi pago. Em casos assim, o 'EI' sequestra pessoas não por dinheiro, mas para demonstrar poder e espalhar o medo.
E o que mais me chocou não foram apenas os vídeos dos jornalistas sendo assassinados. Mas a forma como sírios comuns foram corrompidos e acabaram se juntando a esse mundo sujo ─ e como amigos meus acabaram entrando nisso também.