Currículo escolar que aceita mudança climática sofre boicote nos EUA:

Crianças na salaaula

Crédito, LG

Legenda da foto, Estados boicotam diretrizes nacionais para o ensino das ciências
  • Author, Pablo Uchoa
  • Role, Da BBC BrasilWashington

O duelo entre os céticos da mudança climática e os defensoresações para conter o aquecimento global está sendo travado também nas escolas americanas.

Estados produtorespetróleo e carvão – jápéguerra por causanovas regras ambientais propostas pela Casa Branca – estão boicotando diretrizes nacionais para o ensino das ciências que estabelecem uma relaçãocausa e consequência entre as atividades humanas e o aumento da temperatura no planeta.

É nesse contexto que o legislativo do EstadoWyoming aprovou, na seção do orçamento estadual sobre educação, uma emenda que proíbe "qualquer gasto" com a "revisão ou adoção das diretrizesciência" para o currículo oficialensino público no Estado.

Foi a primeira unidade da federação que rejeitou oficialmente as diretrizes nacionais para o currículo, que tratam a mudança climática como um fato estabelecido cientificamente.

"Não aceito que a mudança climática seja um fato", disse o diretor do Conselho Estadual para Educação, Ron Micheli, ao jornal local Casper Star Tribune. "As diretrizes são muito tendenciosas contra o desenvolvimento dos combustíveis fósseis".

O autor da emenda, o republicano Matt Teers, criticou o currículo por "tratar o aquecimento global como ciência comprovada". "Há implicações sociais envolvidas nisso, que não são boas para Wyoming", disse.

Efeito no bolso

As diretrizes nacionais levam esse nome porque foram elaboradas por organizações científicas e especialistas26 Estados. Mas a decisão sobre adotar ou rejeitar, total ou parcialmente, as linhas gerais, cabe a cada unidade federativa.

O currículo foi adotado por uma dúziaEstados, incluindo o DistritoColumbia. Porém, encontrou resistêncialocais como Kentucky, Texas e Oklahoma, alémWyoming. Todos devem grande partesua riqueza à indústriacombustíveis fósseis.

Em Kentucky, o governador acabou forçando o currículo goela abaixo do Legislativo. Mas no Texas, o comitêeducação já disse que existe "chance zero"o currículo ser adotado. O legislativoOklahoma aprovou uma proibição às novas diretrizes semelhante àWyoming.

Apesarabrigar uma variedadeáreas ambientais protegidas, como florestas e parques nacionais, entre eles Yellowstone e Grand Teton, Wyoming deve o maior quinhão dareceita à indústriacarvão.

O Estado, que tem 600 mil habitantes distribuídosuma área do tamanho do EstadoSão Paulo, responde por 40%toda a produçãocarvão americana, segundo a AdministraçãoInformaçãoEnergia (EIA,inglês), órgão oficial dos EUA.

Por isso, alémproibir a implementação das novas diretrizes científicas nacionais, o legislativo determinou a elaboraçãoum currículo revisado que ressalte os benefícios da indústriacombustíveis fósseis para o Estado.

'Perplexidade'

A disputatorno do ensinociência nas escolas ilustra como a questão climática é "um tema politicamente sensível" no país, disse à BBC Brasil o professor da UniversidadeWyoming James Barrans, que contribuiu para a elaboração das diretrizes.

"O que me impressiona é que a questão da mudança climática é uma parte muito pequena do currículo", afirmou o professor. "A maioria das diretrizes diz respeito a princípios básicos da ciência".

Outros aspectos do currículo que têm sofrido resistênciaáreas religiosas ou socialmente conservadoras são a teoria da evolução, desenvolvida por Charles Darwin no século 19, e a menção à superpopulação do planeta como uma preocupação dos demógrafos.

Porém, nenhum deles tem o "elemento econômico" ligado à ciência sobre o aquecimento global, observa Barrans.

Os Estados mais poluidores já estãopéguerra com a Casa Branca, principalmente depois que a agência ambiental anunciou metasreduçãocarbono para as fábricas que funcionam à basecarvão - matéria prima usada na geração37% da eletricidade americana, segundo a EIA.

O presidente Barack Obama é acusadoempreender uma "guerra ao carvão" por governadoresEstados como Texas e West Virgínia. Republicanos no Congresso dizem que as medidas impulsionadas pelo presidente serão um "peso econômico".

"Eles só querem criar resistência a qualquer coisa que acreditem que ameace a sobrevivência das receitas do Estado com a indústria", rebate o professor da UniversidadeWyoming.

"Como cientista, às vezes ainda fico perplexo com esta batalha políticatorno da ciência do clima nos Estados Unidos. Porque a verdade científica é bem simples".

Desfecho inevitável

Chaminé usinacarvção
Legenda da foto, O EstadoWyoming responde por 40%toda a produçãocarvão americana

Enquanto a polêmica continua, especialistas apontam que as fábricas americanas já estão substituindo gradualmente o carvão por combustíveis que emitem menos gases causadores do efeito estufa,particular o gás natural, abundante no país.

Em 2007, o carvão alimentava 50% da geraçãoeletricidade americana. O governo estima que a extração do hidrocarboneto subirá levemente até 2030 e depois disso, dependendo da legislação ambiental e dos combustíveis disponíveis, estabilizará.

Para Joseph Romm, pesquisador do Center for American Progress, uma organização liberal baseadaWashington, os dados sugerem que o carvão "não tem muito futuro nos EUA".

Para o especialista, os Estados estão dando murropontafaca ao se opor ao ensino da ciência climática nas escolas. "É uma tentativacontestar uma tendência no mercado e no mundo que é inevitável", opina.

Por outro lado, Romm lembra que, apesarterem reduzido seu consumo doméstico, os EUA continuam sendo um importante exportadorcarvão. E que o governo Obama continua concedendo licenças para novas minasextraçãocarvãoEstados como Wyoming e Montana.

"Mesmo se diminuirmos o consumocarvão neste país, e simplesmente o exportarmos, não estaremos fazendo nada para conter o aquecimento global. O carvão será apenas queimadooutro lugar", diz o ambientalista. "Para o clima do planeta não faz a menor diferença: tudo acaba na atmosfera".