Casoargentina que ficou cegatanto apanhar do marido comove país:

Susana Raquel Gómez (Foto: Mauricio Nievas / Clarin)

Crédito, Mauricio Nievas Clarin

Legenda da foto, 'Fico feliz quando penso que sobrevivi. Outras (mulheres) não sobreviveram", diz Susana
  • Author, Marcia Carmo
  • Role, De Buenos Aires para a BBC Brasil

A Justiça argentina condenou a oito anosprisão um homem que batia tanto na mulher que a deixou cega,um caso que causou grande comoção e ilustra o drama da violência doméstica no país.

O caso ganhou destaque nos jornais não apenas pela brutalidade sofrida por Susana Raquel Gómez,30 anos, como também pelo fatoela ter feito 14 denúnciasagressão do marido antesperder a visão,julho2011.

"Fiquei cega e muda. Eu estavachoque e não podia falar", contou ela à BBC Brasil pelo telefone. "A minha voz voltou, mas só por milagreDeus poderei voltar a enxergar".

Seu marido, Carlos Ariel Goncharuk,37 anos, foi condenado nesta semana. Susana contou que, antesficar cega, tinha fugidocasa com os quatro filhos pequenos e que, com o apoio da mãe, fez plantão num tribunaljustiça até conseguir um refúgio.

"Eu fico feliz quando penso que sobrevivi para contar e que apesarcega, posso falar, me expressar e cuidar dos meus filhos. Outras não sobreviveram", afirmou. Susana mora com os filhos na cidadeLa Plata, na provínciaBuenos Aires. "Só lamento que não vou poder vê-los nunca mais."

Os filhos dela têm hoje 4, 6, 8 e 10 anos. Ela disse que o marido a golpeava diante das crianças. "Ele me jogava contra a parede, batia na minha cabeça e me insultava. Tudo diante dos meus filhos. Eu ficava toda marcada e ele só me deixava sair, com ele do lado, quando as marcas passavam", disse.

Susana e o advogado dela, Darío Witt, contaram que ouviramespecialistas que a cegueira teria sido resultado dos "golpes seguidos".

"Ele ia comigo até ao médico e no caminho dizia que me jogaria do trem se eu contasse que a cegueira podia ser resultado da brutalidade dele. Foi um calvário."

'Pavor'

Eles moraram nove anos juntos. Susana contou que a violência começou sete meses após estarem sob o mesmo teto.

"Não era só medoque outras pessoas soubessem. Não era só medoque ele voltasse a me bater. Era o pavorimaginar como eu sobreviveria com quatro crianças e ele me perseguindo. Acho que mulheres que vivem o que eu vivi não precisam sócoragem para escapar, masmuito apoio", desabafou.

A condenação do maridoSusana a oito anosprisão "foi uma decisão inédita, porque normalmente a Justiça determina quatro anos para casosviolênciagênero", disse Witt.

O advogado é o responsável pela Casa Abierta María Pueblo, refúgio para mulheres que sofrem agressões dos maridos. Segundo ele, a ONG foi criada1996 e já atendeu a 25 mil mulheres, homens e crianças.

Quando perguntada sobre se tem medo do que pode acontecer quando ele sair da prisão, Susana respondeu: "Se eu pensar não vivo, e eu decidir viver, decidi ser feliz e cuidar dos meus filhos."

Ela realizou longo tratamento psicológico e atualmente trabalha como telefonista no tribunalLa Plata, ajudando outras mulheres na ONG que a socorreu.

"Estou cega há quase quatro anos. Tive que me acostumar, não quero me lamentar. Quero viver. Existem tantas pessoas cegas que são advogadas, trabalham e levam uma vida normal. Então, eu também quero uma vida normal."

De acordo com outra ONG, a Casa del Encuentro, foram registradas 295 mortesmulheres por violência2013 na Argentina. Deste total, cerca70% vítimasagressõesmaridos, companheiros ou ex-companheiros.