Polarizado por conflito sectário, Líbano vive riscovácuopoder :
- Author, Kim Ghattas
- Role, Da BBC News
A cada assassinato no Líbano, a lista dos prováveis culpados normalmente é limitada a duas possibilidades: Síria ou Israel.
É assim que pensa a maioria dos cidadãos libaneses, que já perdeu a contaquantas vezes presenciou ou viu na TV compatriotas ou figurões da política nacional mortos ou feridos por ataques inesperados nas ruas das principais cidades do país.
Na semana passada, o ex-ministro das Finanças, Muhammad Shattah, engrossou as estatísticas. Vítimaum ataque com carro bomba, ele foi enterrado neste domingo.
Mas a busca pelas reais motivações desses assassinatos é bem mais complicada e envolve normalmente a seguinte a pergunta: qual é o real propósito desses atentados?
Às vezes, a intenção é apenas aterrorizar. Em outras ocasiões, é privar partidos políticossuas lideranças mais proeminentes.
Com o assassinatoShattah, parece que os dois objetivos convergiramum único: aniquilar um líderpotencial durante um períodoque o país está profundamente dividido quanto à guerra civil na vizinha Síria.
Sunita, Shattah era um dos principais conselheiros do ex-primeiro-ministro Saad Hariri. Ambos se opunham ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, e ao Hezbollah, o grupo radical xiita que, nos últimos meses, vem enviando reforços para o outro lado da fronteira para apoiar o governo sírio.
O atentado revela uma situação peculiar do país. Não há uma resposta conclusiva sobre "quem e o por que" da longa listaassassinatos não resolvidos no Líbano.
Porém, não há dúvidaque Shattah era um cérebro da oposição sunita, que se preparava para alcançar um papel maior no país, enquanto tentava convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do país no conflito armado na Síria.
Polarizado
À BBC, duas fontes confirmaram que Shattah era um dos nomes mais cotados para ocupar o cargoprimeiro-ministro do país, vago há nove meses.
A formaçãoum gabinete requereria o apoio do presidente do país, Michel Suleiman, que é cristão. Suleiman teria dado aval à escolhaum novo premiê, mas ainda não há certeza sobre isso.
Shattah, um político moderado e um ex-ministro da Economia que nunca teve grande destaque na política, parecia, no entanto, um nome pouco provável para o posto.
Por tradição, o primeiro-ministro do Líbano é sempre um sunita.
Masum país profundamente polarizado por um conflito sectário, especialmente devido àlonga história e a seus laços com a Síria, poucos políticos sunitas conquistam o feitoter tanto o apoio das ruas quanto do Hezbollah e dos correligionáriosAssad.
Embora os xiitas rejeitariam o nomeShattah para premiê, seus apoiadores e osSuleiman poderiam unir forçastornoseu nome. Mas até o assassinato dele, não havia qualquer indicativo que isso aconteceria.
De qualquer forma, o atentado contra o ex-ministro das Finanças retira do campo político um estrategista-chave e possivelmente o único político sunita que poderia acabar com a incerteza existente no país.
O assassinato também envia uma mensagem a Hariri e aos opositoresAssad atualmente abrigados no Líbano.
Voz moderada
Especialistas apontam que o Líbano poderia enfrentar um vácuopoder nos próximos meses. As eleições para o Parlamento têmser convocadas até o próximo verão e o mandato do atual presidente se encerramaio.
Suleiman advoga abertamente pela neutralidade do Líbano no conflito da Síria e vem surpreendendo ao criticar abertamente o Hezbollah. Em uma recente entrevista à BBC, ele pediu ao grupo que retire seus militantes da Síria.
Considerado uma voz moderada, Shattah foi embaixador nos Estados Unidos e ainda tinha boas conexõesWashington. Ele também foi um dos principais braços direitos do paiSaad Hariri, Rafik Hariri, que morreu2005 vítimaum atentado com carro bomba, a poucos metros do local onde o ex-ministro das Finanças foi morto.
Após a confirmação da morteShattah, Saad Hariri acusou a Síria e o Hezbollahestarem por trás do ataque.
"Aqueles que assassinaram Muhammad Shattah são os mesmos que assassinaram meu pai; também são os mesmos que querem assassinar o Líbano", disse ele.
O governo da Síria negou envolvimento no atentado enquanto a liderança do Hezbollah condenou o ataque, classificando-o como um "crime hediondo", mas sem fazer quaisquer acusações. Atipicamente, dessa vez, Israel não foi implicado no episódio.
A tensão política no Líbano vem sendo agravada recentemente pela guerra civil na Síria. Mas todas as crises por quais passa o pequeno país estão ligadas, direta ou indiretamente, ao seu vizinho mais poderoso.
Aliados da Síria no Líbano, como o Hezbollah, reivindicam grande parte das cadeiras no Parlamento, enquanto a Arábia Saudita, que apoia Hariri e se opõe a Assad, critica qualquer propostaformaçãoum gabinete que incluiria o Hezbollah, que, porvez, apoia o presidente sírio, Bashar al-Assad.
Cercameia hora antessua morte, Shattah havia tuitado que o "Hezbollah vem pressionando para obter poderes semelhantes tantosegurança quantoquestõespolítica externa que a Síria vem exercendo no Líbano nos últimos 15 anos".
Amigo e aliadoShattah, o parlamentar libanês Bassem el-Shabb acrescentou que o ex-ministroFinanças vinha trabalhando duro para convencer a comunidade internacional a apoiar a neutralidade do Líbano no conflito sírio.
Paz na Síria
Shattah também vinha sendo um principais políticos libaneses a manifestar apoio à realizaçãoum encontro paralelo à conferênciapaz sobre a Síria,janeiro do ano que vem, na Suíça.
Nessa reunião, ele propunha que a comunidade internacional discutisse o futuro do Líbano.
O objetivo do ex-ministro das Finanças seria pressionar o Hezbollah a aceitar um acordo para a retiradasuas tropas da Síria.
Shattah havia escrito uma carta aberta ao presidente do Irã, Hassan Rouhani na qual fazia tal apelo.
Mas o ex-ministro das Finanças morreu antes que pudesse colher assinaturas dos parlamentares do Líbano para levar adiante a proposta.
Fontes ouvidas pela BBC afirmam, entretanto, que Shattah permanecia pouco otimistaque a Arábia Saudita e o Irã, outro aliado do Hezbollah, se sentariam à mesa para discutir a questão.
O Hezbollah, porvez, também vem pagando o preçoseu envolvimento na Síria. Nas últimas semanas, o centro nervoso do grupo, nos subúrbios ao sulBeirute, vêm sendo alvoatentados suicidas.
Acredita-se que grupos rebeldes sírios, opositores do presidente Bashar al-Assad, estariam por trás desses ataques.
O Líbano ainda é assombrado por uma longa sérieassassinatos não resolvidos desde a morte do ex-premiê Rafik Hariri,2005. Um tribunal internacional que investiga o ataque indiciou vários membros do Hezbollah e o governo sírio. Os julgamentos devem começarmeadosjaneiro do ano que vem,Haia, na Holanda.
A maioria desses assassinatos ocorreu antes do início do conflito na Síria,março2011.
O assassinatoShattah parece ser uma continuação dessa tendência e um lembrete violentoque o destino do Líbano está inextricavelmente ligado ao resultado da guerra na Síria.