Como empresas podem ajudar a aliviar o trânsitoSP:

Congestionamento na Marginal Tietê,São Paulo (Reuters)
Legenda da foto, É possível ter impacto quantitativo no trânsito com mudanças promovidas pelo setor corporativo
  • Author, Paula Adamo Idoeta
  • Role, Da BBC BrasilSão Paulo

Ações promovidas por empresas e funcionários podem ter um impacto significativo sobre o trânsitocidades como São Paulo, argumenta um estudo do Banco Mundial que será apresentado nesta quinta-feira na capital paulista.

O estudo acompanhou por um ano um grupoempresas na região da avenida Luis Carlos Berrini (polo empresarial na zona sulSão Paulo) e propôs um planomobilidade que abrangeu 1,5 mil funcionários — incentivando o usotransportes público e alternativo e flexibilizando turnostrabalho.

"O impacto quantitativo ainda não foi tão grande. Mas houve um impacto qualitativovários funcionários", diz à BBC Brasil Andrea Leal, consultora do Banco Mundial e coordenadora do estudo.

Se mais empresas aderirem a iniciativas do tipo, "haverá um efeito maior no trânsito da região", avalia Leal.

"Já vimos algo semelhante nos Estados Unidos,Estados como Washington e Califórnia, onde há dados mostrando reduçãocongestionamentos eviagenscarro por causaprogramasmobilidade corporativos", diz.

"Algumas cidades têm leis obrigando empresas com maiscem funcionários a ter um planomobilidade e metareduzir o númerofuncionários dirigindo sozinhos."

Medidas

O estudoLeal listou algumas iniciativas que podem ser adotadas por empresas e pelo poder público para impactar o trânsito sem a necessidadegrandes obras viárias.

Mesmo com as deficiênciasredestransporte como a paulistana, que tem pontossaturação e notadamente precisamais investimentos, Leal diz acreditar que é possível aproveitar melhor os recursos públicos já disponíveis e evitar viagenscarros.

A seguir, as sugestões aplicadas no projeto do Banco Mundial na Berrini:

1. Estimular o uso do transporte público entre os funcionários, por exemplo oferecendo linhasônibus fretados e eliminando a cobrança6% sobre o salário para custear o vale-transporte.

"Muitas empresas custeiam estacionamento para funcionários, mas cobram os 6% do vale-transporte", opina Leal. "É um desestímulo que parte do pressupostoque que todos preferem ircarro."

A pesquisadora diz que o poder público pode ter papel fundamental nesse ponto, dando incentivos fiscais para empresas que renunciarem da cobrança.

Funcionária do Instituto BrasileiroGovernança Corporativa, uma das participantes do estudo, a assistenteoperações Natalia Sorrentino Silva, 26, trocou o carro pelo ônibus quandoempresa abriu mão da cobrança do vale-transporte.

"O tempoviagemcarro ouônibus é praticamente o mesmo, mas não aguentava mais o trânsito", diz Natalia — lembrando que, na hora do rush, carros levam até 30 minutos para conseguir sair da garagem,tão congestionada que fica a Berrini. "Nos dias que venhocarro, volto mais tarde,horários que não sejampico."

2. Ajudar os funcionários a conhecer suas opçõestransporte. Segundo Leal, o hotel Hilton, outro participante do estudo, conseguiu incentivar o usotransporte público produzindo um documento, entregue aos funcionários novos, detalhando todas as opçõeslinhastrens, ônibus e metrô próximas.

3. Flexibilizar horáriostrabalho, permitindo que funcionários façamjornadaforma a evitar deslocamentoshoráriosrush e possam usar o transporte públicoperíodos menos congestionados.

4. Incentivar o trabalho à distância - algo que não se aplica a todas as empresas e funcionários, mas que pode aumentar satisfação e produtividade, argumenta Leal.

O Banco Mundial custeou parte dos custosum projeto-piloto entre as empresas participantes, ajudando-as a implementar a tecnologia necessária e a definir metas para avaliar o trabalho feito por funcionários remotamente.

MetrôSão Paulo (Reuters)
Legenda da foto, Com pontos saturados no transporte público, é preciso incentivar usohorários alternativos

O Instituto BrasileiroGovernança Corporativa é um dos que estão implementando o trabalho à distância, que até o ano que vem deve ser viabilizado para metade dos 43 empregadossua sedeSão Paulo.

"O funcionário ainda precisa participarreuniões e eventualmente vir ao escritório, mas sem a cargaestressediariamente levar horas para ir e voltar do trabalho", diz Emilio Martos, superintendenteoperações da empresa.

5. Estimular caronas, registrando-sesoftwares e sites como www.caronetas.com.br ou montando páginas no Facebook nas quais funcionários possam organizar caronas entre si.

6. Melhorar a infraestrutura para quem quiser irbicicleta ao trabalho, como vestiários e bicicletários.

"É algo controverso, porque muitos não acham seguro pedalar na cidade", diz Leal. "Mastodas as empresas do estudo, ao menos 40% dos funcionários demonstraram interessepedalar ao trabalho."

No projeto, o jeito foi reduzir os riscos organizando palestras com o grupo Bike Anjos, que disponibiliza ciclistas experientes para acompanhar novatosseu trajeto casa-trabalho, buscar rotas mais seguras e ensinar cuidadossegurança.

7. Políticasemana comprimidatrabalho: algumas empresas permitiram aos funcionários trabalhar uma ou duas horas a mais por dia e folgar um dia por semana ou a cada 15 dias.

8. Pensaralternativas à leipolos geradorestráfego, que prevê que grandes empreendimentos que geram muito trânsito ao seu redor devem oferecer alguma contrapartida para mitigar seu impacto.

"Até hoje, essas contrapartidas são geralmente investimentosobras viárias (novas pontes, acessos etc)", diz Leal.

"Mas isso incentiva o usocarros. Esse dinheiro poderia ser usado para custear um corredorônibus ou ciclovia e outras formastransporte alternativo. É preciso pararpartir do pressupostoque as pessoas terãochegarcarro ao local."

Resistência

O estudo deve fomentar o já aquecido debate sobre o transporte públicoSão Paulo e no Brasil, sobretudo após a ondaprotestosjunho e julho – cujo estopim foi o preço da passagem. Pesquisa recente do Ibope indica aprovação93% às faixas exclusivasônibus ampliadas pela PrefeituraSão Paulo.

Apesar disso, Leal enfrentou resistênciasmuitas empresas para criar um planomobilidade. O estudo do Banco Mundial, que começou com 80 firmas da Berrini, acabou com apenas dez implementando medidas reais.

"Muitas empresas não consideraram isso uma prioridade, ou suas chefias não se envolveram diretamente no projeto", diz ela.

A segunda fase do projeto terá empresas que já têm manifestado interesseimplementar planosmobilidade — algo que, segundo Leal, deve gerar efeito mais prático no trânsito paulistano.

"Defendemos (a necessidade) inquestionávelmais trens e metrôs, mas são soluçõeslongo prazo", argumenta Leal. "É importante que as empresas percebam que, se abrigam muitos funcionários, obviamente terão um impacto no trânsito da região. Elas também têmser chamadas a pensarcomo mitigar esse impacto."

A coordenadora do estudo diz que as conclusões do projeto serão apresentado ao prefeito Fernando Haddad.