Caso Amarildo: Dois meses depois, 'ninguém sabe, ninguém viu', diz esposa:nordeste futebol fut net

  • Author, Júlia Dias Carneiro
  • Role, Da BBC Brasil no Rionordeste futebol fut netJaneiro

nordeste futebol fut net Elizabete Gomes da Silva já perdeu as contasnordeste futebol fut netquantas vezes contou a história, mas dois meses depois, repete como quem está com a vida parada no mesmo dia.

O marido saiunordeste futebol fut netcasa para comprar limão e alho para preparar o peixe. Quando não pescava sábado, pescava domingo. Naquele fimnordeste futebol fut netsemana, a pescaria fora no domingo e o pedreiro Amarildonordeste futebol fut netSouza, seu parceiro dos últimos 27 anos, voltara com dez peixes graúdos.

Amarildo limpou os peixes na escadanordeste futebol fut netentrada do barraconordeste futebol fut netum cômodo que dividia com a mulher e os seis filhos na Rocinha. Guardou-os na geladeira e saiu.

Chegando à birosca onde compraria o alho e o limão, Amarildo foi levado por policiais da Unidadenordeste futebol fut netPolícia Pacificadora da Rocinha "para verificação".

Elizabete o viu pela última vez entrando numa viatura policial. Mais tarde, a UPP informou que Amarildo já tinha sido liberado e estaria voltando para casa.

Mas Amarildo nunca apareceu e a família não teve estômago para comer os peixes que ele pescara. Deu para os vizinhos.

"Meu marido sumiu, ninguém sabe, ninguém viu. Não tenho resposta da Justiça, do prefeito, do governador. A vida que estou vivendo agora, parece que estou vegetando," diz Elizabete, que tem 47 anos e é conhecida por todos como Bete.

Elizabete, esposanordeste futebol fut netAmarildo, com a filha do casal Marina. Foto: Julia Dias Carneiro
Legenda da foto, Há dois meses, Elizabete (na foto com a filha) não tem notícias do marido Amarildo

Dois meses se passaram desde aquele 14nordeste futebol fut netjulho. De lá para cá, o caso motivou protestos Brasil afora com cartazesnordeste futebol fut net"Onde está o Amarildo?", campanhasnordeste futebol fut netentidades como a Anistia Internacional e o Rio da Paz e até um "gritaço" convocado nos últimos dias no Rio, convocando moradores na cidade toda a gritaremnordeste futebol fut netsuas janelas, às 20h da última quarta-feira – "cadê o Amarildo?".

'Sob tutela da polícia'

O desaparecimento do pedreiro está sendo investigado pela Polícia Civil, pelo Ministério Público (MP-RJ) e pela Corregedoria da Polícia Militar (PMERJ).

O caso foi encaminhado à Delegacianordeste futebol fut netHomicídios da Capital da Polícia Civil (DH) no dia 31nordeste futebol fut netjulho, que desde então ouviu depoimentosnordeste futebol fut netfamiliares, vizinhos e amigosnordeste futebol fut netAmarildo, bem comonordeste futebol fut nettodos os policiais militares lotados na UPP da Rocinha.

A investigação estánordeste futebol fut netfasenordeste futebol fut netconclusão, segundo a assessorianordeste futebol fut netimprensa da Polícia Civil. A DH trabalha com duas linhasnordeste futebol fut netinvestigação: a hipótesenordeste futebol fut netque o crime tenha sido cometido por traficantes da favela ou por policiais militares.

De acordo com a UPP, quatro policiais sob investigação foram afastadosnordeste futebol fut netfunções operacionais até que termine o inquérito e estão fazendo trabalho administrativo. A corporação afirma que não há indícios da participaçãonordeste futebol fut netpoliciais no desaparecimentonordeste futebol fut netAmarildo, já que ele teria sido liberado ao fim do interrogatório.

Mas mesmo antes da conclusão da investigaçãonordeste futebol fut netcurso da Polícia Civil, o cientista político João Trajano Sento-Sé afirma que a polícia não pode se eximirnordeste futebol fut netresponsabilidade no caso.

"Independente do que aconteceu, não há como escapar disso. A PM é coautora desse desaparecimento. Ele estava sob tutela da polícia, então e PM tem responsabilidade no episódio", diz Sento-Sé, do Laboratórionordeste futebol fut netAnálise da Violência da Universidade do Rionordeste futebol fut netJaneiro (Uerj).

O pesquisador afirma que o caso envolve "errosnordeste futebol fut netprocedimento" por Amarildo ter sido levado para verificaçãonordeste futebol fut netum posto avançado – a UPP da Rocinha – e nãonordeste futebol fut netuma delegacia, como mandaria a norma. Isso teria colocado o pedreironordeste futebol fut netuma situaçãonordeste futebol fut netvulnerabilidade.

"Ele desaparecenordeste futebol fut netuma circunstâncianordeste futebol fut netque é posto numa situaçãonordeste futebol fut netrisco pela agência do Estado, e não é protegido por ele. Foi visto pela última vez sob a custódia da polícia, então a polícia tem que responder por esse desaparecimento", diz.

Golpe para UPP

Para Sento-Sé, o desaparecimentonordeste futebol fut netAmarildo foi um golpe muito duro – "talvez o mais grave até agora" – na políticanordeste futebol fut netpacificação, uma das marcas do governo Sérgio Cabral.

Famílianordeste futebol fut netAmarildo na sala. Foto: Júlia Dias Carneiro/BBC
Legenda da foto, Famílianordeste futebol fut netAmarildo assiste à participação do seu filhonordeste futebol fut netprogramanordeste futebol fut netTV

"Estamos falandonordeste futebol fut netprofissionais lotados no grande programanordeste futebol fut netsegurança públicanordeste futebol fut netaproximação polícia comunidade, que é a UPP. Isso foi muito ruim para o programa e para a credibilidade da políticanordeste futebol fut netsegurança do Brasil hoje", diz.

No escritório brasileiro da Anistia Internacional, que no mês passado incentivou pessoas do mundo todo a postarem suas fotos na internet perguntando por Amarildo, as preocupações principais são com a segurança da famílianordeste futebol fut netAmarildo e com o empenho das investigações.

Átila Roque, diretor da Anistia no Brasil, diz que a faltanordeste futebol fut netagilidade das investigações e a demoranordeste futebol fut netafastar policiais envolvidos geram dúvidas sobre o interesse efetivonordeste futebol fut netlevar o inquérito às últimas consequências.

Ele critica o fatonordeste futebol fut netque o comandante da UPP, major Edson Santos, só foi afastado um mês e meio após o desaparecimento e não está sendo investigado. No início do mês, a major Pricillanordeste futebol fut netOliveira Azevedo assumiu o comando da UPP da Rocinha, como partenordeste futebol fut netum remanejamento geral do comando das UPPs do Rio.

"A impressão que se dá é que se está constituindo uma espécienordeste futebol fut netblindagem da UPP. É muito importante que o Estado não coloque o interessenordeste futebol fut netpreservar a imagem da UPP acima do interesse da Justiça e das pessoas envolvidas", diz Roque.

"É com transparência e investigaçãonordeste futebol fut netqualquer malfeito que o Estado vai preservar a imagemnordeste futebol fut netuma instância. O Estado sai mais forte se punir do que se ocultar violaçõesnordeste futebol fut netdireito", afirma.

Roque ressalta ainda que o caso ocorreu depoisnordeste futebol fut netdenúncias recebidasnordeste futebol fut netabril pelo Conselho Estadualnordeste futebol fut netDefesa dos Direitos Humanos (CEDDH)nordeste futebol fut netcasosnordeste futebol fut nettortura e usonordeste futebol fut neteletrochoque por policiais para interrogar moradores da Rocinha e obter informações sobre tráficonordeste futebol fut netdrogas no local.

Tais denúncias estão sendo investigadas pelo MP-RJ, que instaurou procedimento para apurar crimesnordeste futebol fut nettortura, ameaça e abusonordeste futebol fut netautoridade por policiais militares da UPP.

'Safada' e 'abusada'

Nas últimas duas semanas, agentes da DH realizaram duas reconstituições como parte das investigações do desaparecimento, a primeira levando cem homens para a Rocinha para traçar os últimos passos do ajudantenordeste futebol fut netpedreiro, e a segunda para refazer o trajeto percorrido pela viaturanordeste futebol fut netque Amarildo entrou ao sair da sede da UPP da Rocinha.

Campanha por Amarildo. Foto: AFP
Legenda da foto, Entidades como a Anistia Internacional fazem campanha cobrando explicações sobre sumiço

Enquanto espera a conclusão do inquérito, Bete e os seis filhosnordeste futebol fut netAmarildo, que têmnordeste futebol fut net6 a 21 anos, estão vivendonordeste futebol fut netum quartonordeste futebol fut netfundos na casanordeste futebol fut netuma das irmãs do ajudantenordeste futebol fut netpedreiro, dormindonordeste futebol fut netuma camanordeste futebol fut netcasal e um colchonete que ela coloca no chão.

Bete não quis ficar na casa onde viva com o marido por diversos motivos: medo, saudade e más condiçõesnordeste futebol fut netmoradia. A casa estavanordeste futebol fut netobras e o marido que faria tudo com as próprias mãos. Agora o materialnordeste futebol fut netconstrução está sem destino.

"Tiraram a coluna da minha casa, que era o meu marido. Ele que trabalhava e botava as coisas dentronordeste futebol fut netcasa, o pão, o leite, tudo, enquanto eu cuidava das crianças. A nossa vida está toda destrambelhada depois do sumiço dele", diz.

Ela diz que vem sendo intimidada por policiais e já foi chamadanordeste futebol fut net"safada" e "abusada" ao passar por eles nas vielas da favela. Ela e os filhos estão evitando sair sozinhos.

"Os policiais não gostaram da atitude que a gente tomou. Porque quantos Amarildos já morreram? Quantas pessoas não morreram dentro do morro, e a família não falou nada por medo? A gente botou a boca no trombone, protestou, fechou bocanordeste futebol fut nettúnel, entrou ao vivo na TV. Estamos gritando e pedindo justiça", diz.

Bete diz que a família só vai pararnordeste futebol fut netgritar quando o corpo do marido aparecer.

"A família não tem nem os ossos para enterrar. Isso é uma coisa muito dolorosa. É uma ferida aberta para sempre no corpo da gente, que nunca se fecha. Pelo amornordeste futebol fut netDeus, cadê o corpo dele? Para a gente enterrar com dignidade! Não é um animal."