ONU quer levar ao Congo experiência brasileira no Haiti:

General Santos Cruz (Foto: Felipe Barra / Ministério da Defesa)
Legenda da foto, Brasileiro comandará a maior missãopaz da ONU

A experiência prévia à frenteoperações militares no Haiti fez o generaldivisão brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz ser convidado pela ONU para comandarmaior missãopaz: a Monusco, na República Democrática do Congo.

Embora se torne responsável por uma tropamais20 mil capacetes azuis,tarefa mais delicada será conduzir uma unidade militar criada há menosum mês,uma forma sem precedentes na história das missões da paz da ONU.

A "BrigadaIntervenção" foi estabelecida com uma "autorização especial" da cúpula da ONU para adotar "qualquer medida necessária" para derrotar o M23 (Movimento 23Março), o FDLR (Forças Democráticas para LibertaçãoRuanda) e o LRA (ExércitoResistência do Senhor), e ao menos outros quatro grupos rebeldes locais e internacionais que operam especialmente no leste do país.

Na prática, isso significa que o DepartamentoMissões da Paz da ONU criou uma estrutura para possibilitar a realizaçãoofensivas militares mais robustas no âmbitouma missãopaz convencional, sem ferir a legislação e os princípios das Nações Unidas.

A brigada, sediada na cidadeGoma, é composta por dois batalhõesinfantaria, umartilharia, umforças especiais e uma companhiareconhecimento. Santos Cruz e um grupooficiais brasileiros comandarão um contingente formado principalmente por soldados africanos.

"Há uma grande variedadegrupos rebeldes no leste do país. Eu me considero pronto para enfrentar até o pior cenário. O objetivo será aliviar o sofrimento da população", disse Santos Cruz à BBC Brasil.

A escolha dele foi motivada pelo papel que exerceu como chefe militar da missãopaz no Haiti entre os anos2007 e 2009, segundo fontes ouvidas pela BBC Brasil.

Na época, o general autorizou seus coronéis e subordinados a planejar e executar açõesforça, que finalizaram o processodesmantelamentogrupos rebeldes e gangues que dominavam a favelaCitè Soleil – o último grande bastião rebelde do país.

Segundo militares ouvidos pela BBC Brasil, assim como seus antecessores, Santos Cruz sofreu grande pressãodiplomatas da ONU para endurecer as ações no Haiti naquela ocasião.

Porém,acordo com diplomatas do Itamaraty, ele teve versatilidade para balancear o uso da força – fazendo com que as operaçõesPorto Príncipe atingissem seus objetivos sem descumprir a legislação internacional ou ferir direitos humanos.

Além disso, o general ganhou a confiança do embaixador Edmond Mulet, que à época chefiou a parte civil da Minustah e hoje é o assistente do secretário-geral da ONU para operaçõespaz.

Ou seja, segundo fontes no Itamaraty, não houve um esforço diplomático brasileiro específico para assumir a missão na RDC, mas um reconhecimento da ONU sobre o papel que o Brasil exerceu na pacificação do Haiti que foi recompensado.

"Trata-seuma homenagem pelo excelente trabalho que ele desempenhou à frente da Minustah e um novo sinalreconhecimento internacional à atuação dos militares brasileiros", disseentrevista o ministro da Defesa Celso Amorim, que ocupava a chancelaria durante a maior parte da permanênciatropas brasileiras no Haiti.

Santos Cruz já havia sido colocado na reserva quando começou a ser sondado para a missão na RDC. Vinculado atualmente a um órgão civil do governo federal, está sendo trazidovolta à ativa no Exército para assumir o cargo internacional.

Ele disse à BBC Brasil acreditar que a percepção e a experiência com situações dinâmicas adquiridas no Haiti serãogrande ajuda na RDC. Porém, afirmou que são missões muito diferentes, principalmenterelação ao tamanho do país71 milhõeshabitantes (o Haiti tem 8 milhões) e da diversidades das forças que disputam o poder.

Crise

Exército no Congo
Legenda da foto, Situação na República Democrática no Congo começou a se agravar1994

A situação na região da RDC começou a se agravar após o genocídioRuanda,1994, quando mais1,2 milhãohutus (muitos deles milicianos envolvidos no massacretutsisRuanda) cruzaram a fronteira leste da RDC, o antigo Zaire –uma área tradicionalmente habitada por tutsis e outras etnias.

Ali, os hutus se aliaram a forças do governo do então Zaireuma campanha militar contra os tutsis congoleses. Mas uma coalizãotropasRuanda e Uganda com forças rebeldes congolesas, lideradas por Laurent Désiré Kabila, invadiu o país e derrotou o Exército do então presidente Mobuto Sese Seko, tomando a capital, Kinshasa,1997 e colocando Kabila no poder. Um ano depois, Kabila enfrentou uma rebelião que também teve a intromissãonações vizinhas.

Em 1999 a ONU promoveu um cessar-fogo entre a RDC e Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda e Zimbábue. Uma forçacapacetes azuis foi então enviada ao país.

Eleições livres foram realizadas, mas conflitos continuaram irrompendodiversas províncias da RDC. Em 2010, a ONU endureceu a missão do país, mas abusosdireitos humanos e violência sexual continuaram a ocorrer.

Um vácuopoder no leste do país possibilitou aos grupos rebeldes ameaçar o governo central. A reação das Nações Unidas foi endurecer ainda mais o mandato da missãopaz e criar as condições para a organização da BrigadaIntervenção.

Essa unidade especial funcionará durante um ano. Santos Cruz ainda não tem uma data definida para assumir o comando. Seu envio dependeuma autorização formal da presidente Dilma Rousseff - que deve ocorrerbreve, segundo analistas.

O Brasil deve então enviar uma equipeoficiais das Forças Armadas à RDC para integrar a equipe do general.

Segundo fontes do Itamaraty não há por enquanto intençãoenviar um contingentemilitares combatentes à RDC. Isso porque a característica principal das tropas que integram a Monusco é uma forte participação africana.

O Brasil participauma sériemissõespaz da ONU. As principais delas ocorrem no Haiti, onde o país tem, além do comando, uma batalhão com cerca1.200 homens e no Líbano, onde o país mantém um contra-almirante que chefia a Força Tarefa Naval da ONU e uma fragata com mais300 tripulantes.