Decisão judicial cria 'paranoia'terremotos na Itália:

Imagemquatro anos atrás, do terremotoÁquila (AFP)
Legenda da foto, Terremoto devastou Áquila quatro anos atrás; agora qualquer tremor resultaevacuações

Passaram-se quatro anos desde o devastador terremotoÁquila, Itália, e seis meses desde que seis cientistas e uma autoridade foram condenados por homicídio culposo (sem intenção), por supostamente terem fracassadocomunicar o tremor à população.

Como consequência, dizem alguns moradores, ordensevacuação são cumpridas rapidamente - talvez rapidamente demais.

"Todo mundo sabe que não dá para prever um terremoto."

A frase éAnne Thornley-Bennett, que mora na cidade italianaBarga. Então por que,31janeiro, ela decidiu abandonarcasa quando as autoridades locais emitiram advertênciasque um grande terremoto se aproximava?

"Recebemos dezenastelefonemas e mensagenscelular, uma dela dizendo apenas 'saia'. Acabamos entrando na onda", ela suspira.

"Se fôssemos apenas eu e meu marido, acho que não teríamos seguido a advertência. Teríamos ficado no piso térreo (da casa)nossos sacosdormir, como já fizemos antes. Mas temos crianças... Se algo acontecesse, nunca me perdoaria."

Pânico para nada

Barga fica na pitoresca - porém sismicamente instável - regiãoGarfagnana, na Toscana. Durante uma semana, seus moradores conviveram com tremores e choques secundários.

"Foi assustador, porque podíamos escutar a terra grunhindo. Um dia, as crianças foram retiradas da escola sem seus casacos", ela ri, explicando que apenasuma emergência séria crianças italianas seriam retiradas da salaaula sem abrigos no inverno.

Garfagnana foi palcoum enorme terremotomagnitude 6,51920; mesmo assim, autoridades locais nunca haviam entradopânico como fizeramjaneiro passado.

Cientistas italianos foram condenadosum julgamento polêmico
Legenda da foto, Cientistas italianos foram condenadosum julgamento polêmico

A decisãoum dos prefeitos locais,evacuar o centro da cidade31janeiro, espalhou medo nos municípios ao redor, onde milharesmoradores foram advertidos a dormirseus carros ouabrigos improvisadosescolas. Hospitais e asilos foram esvaziados.

No final, nada aconteceu. No dia seguinte, todos voltaram para casa.

A Itália não costumava se preocupar muito com pequenos tremores. A mudança parece ter sido consequência direta da polêmica e contestada condenação, no ano passado,sete membros (seis dos quais eram cientistas) da ComissãoAlto Risco da Itália, por homicídio culposo.

Eles foram penalizados por falharcomunicar à população o grande risco do terremotoÁquila.

O veredicto produziu seus próprios choques secundários.

"Alarmismo? (Na verdade), é consequência do veredictoÁquila", diz Franco Gabrielli, chefe da Defesa Civil, no dia seguinte à evacuaçãomoradoresGarfagnana.

Sua porta-voz, Francesca Maffini, diz que cientistas vão ser mais cautelosos a partiragora.

"Não é o veredictosi, mas o fatoeles terem ido a julgamento", diz ela. "Se o risco (estimadoum terremoto) for entre zero e 40%, eles vão te dizer que será40%, mesmo que achem que é mais pertozero. Eles estão se protegendo, o que é compreensível."

Aplicativos e tuítes

O professor Stefano Gresta, presidente do Instituto NacionalGeofísica e Vulcanologia, admite que as condenações dos cientistas tiveram um grande impacto.

Mas ele também acha que houve erros no dia 31janeiroBarga, na forma como a previsãoterremoto foi comunicada entre as autoridades. A escalada do pânico partiuum único tuíte enviado por um conselho local, pedindo que os moradores "dormissem longesuas casas".

No passado, advertências como essa seriam interpretadas e filtradas por órgãos como a ComissãoAlto Risco, a Defesa Civil e autoridades regionais. Hoje, moradores recebem avisos diretamenteseus celulares, com aplicativos como "Terremoti Italia" e "Hai sentito il terremoto?" (Você sentiu o terremoto?).

"Alguns aplicativos te avisam sempre que houver um tremor, inclusive os menores, que sequer podem ser sentidos por humanos", diz um artista irlandês radicado na Itália que se identifica apenas como Keane. "O meu (celular) diz que houve 15 desses hoje na Itália, dois aqui na área. Torna-se uma paranoia."

Esse fenômeno preocupa Gresta. Ele não acha que o alarmismo e as noites passadas nos carros serão a solução para o problema e defende mudançasinfraestrutura.

"É preciso mais conscientização quanto à vulnerabilidade das casas onde moramos e trabalhamos e, se necessário, elas devem se tornar mais seguras", diz ele.

Mas isso custaria caro.

Ao mesmo tempo, Thornley-Bennett diz que os moradoresBarga não se importaramabandonar suas casas no dia 31janeiro.

"Encontramos conhecidos e as crianças brincaram entre si. Por volta2h00 da manhã, autoridades apareceram com centenascadeiras, então sentamos e conversamos. Na manhã, levamos as crianças para tomar café e voltamos para casa."

Ainda que um pouco assustadas pelos tremores, pelo menos naquela noite as crianças se divertiram.