'A casa é o lugar onde nasce a maioria dos monstros do mundo':aposta ganha rodadas grátis

Crédito, Kathy Serrano

Legenda da foto, Com apenas 16 anos, Serrano decidiu morar sozinhaaposta ganha rodadas grátisCaracas. Depois, seguiu até a antiga União Soviética e terminouaposta ganha rodadas grátisLima, no Peru, onde vive desde 1994

Martha se vê confrontada com uma Venezuela atual (embora atemporal) da qual ela tem lembranças, mas à qual não pertence mais. É uma jornada na qual ela também precisa enfrentar os monstros do passado.

A BBC News Mundo, serviçoaposta ganha rodadas grátisespanhol da BBC, conversou com a autora do livro durante a divulgação do Hay Festival Arequipa, evento realizado entre 3 e 6aposta ganha rodadas grátisnovembro na cidade peruana.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - A ideia desse romance já rondava aaposta ganha rodadas grátiscabeça havia tempo, certo?

aposta ganha rodadas grátis Kathy Serrano - Escrevi o primeiro capítuloaposta ganha rodadas grátis2018,aposta ganha rodadas grátisum voo para o Equador, mas sem dúvidas há algo que vemaposta ganha rodadas grátistoda a vida.

Eu tenho um irmão violento. E quando cheguei a Caracas escrevi uma peçaaposta ganha rodadas grátisteatro sobre a relaçãoaposta ganha rodadas grátisuma mulher com um irmão com essas características.

Logo começou a obsessão com o tema do retorno. Escrevi sobre isso, mas minha casa foi assaltada e perdi tudo o que havia escrito. Tenho cinco contos que não acredito que publicarei.

Há cinco anos me dedico somente a escrever e,aposta ganha rodadas grátisnovo, surgiu essa obsessão do retorno, com a ideia do caminho percorrido, da infância.

E esclareço: não é uma autobiografia, só por precaução. Eu não me apaixonei pelo meu irmão (risos).

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Ainda assim, há muitas semelhanças entre a protagonista, Martha, e você. Ambas saemaposta ganha rodadas grátiscasa cedo, a questão do irmão violento, ambas acabam morandoaposta ganha rodadas grátisLima e não voltam para a Venezuela, inclusive evitam isso. O que há da Marthaaposta ganha rodadas grátisvocê e vice-versa?

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Há muito. Às vezes eu sinto que definitivamente nos apegamos às coisas que vivemos. Como artistas, pegamos as coisas que nos marcaram, que nos quebraram.

Lar, infância e família permanecem emaposta ganha rodadas grátisalma,aposta ganha rodadas grátisseu corpo. São eles que nos nutrem, nos quebram e nos deixam cicatrizes.

Há muitas coisas que absorviaposta ganha rodadas grátismim para criar Martha. Não é muito comum que aos 16 anos você vá morar sozinhoaposta ganha rodadas grátisuma cidade como Caracas. Sou migrante desde os 16 anos e isso marcou meu jeitoaposta ganha rodadas grátisser, minha alma.

Conheço a violência desde criança e vi e vivenciei coisas fortes e não só minhas, masaposta ganha rodadas grátisoutras pessoas. Vi a violência refletidaaposta ganha rodadas grátisoutras famílias,aposta ganha rodadas grátisoutras mulheres,aposta ganha rodadas grátisamigas.

Poraposta ganha rodadas grátisvez, Martha tem coisas que eu gostariaaposta ganha rodadas grátister. Como conhecer a fotografia ou o tipoaposta ganha rodadas grátisforça interior que você tem. Ela vemaposta ganha rodadas grátismeus próprios medos e minhas próprias experiências.

Crédito, Editorial Planeta

Legenda da foto, A capa do livro 'El doloraposta ganha rodadas grátisla sangre'

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Em 2012 você iria dirigir uma peçaaposta ganha rodadas grátisum dramaturgo peruano. É curioso, porque também tinha a palavra "sangue" no título.

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Nessa época, havia 10 anos que eu não voltava à Venezuela.

Quando termineiaposta ganha rodadas grátisler a obra, sem falar com ninguém, me levantei da cama, coloquei um moletom esportivo e fui a uma agênciaaposta ganha rodadas grátisum shopping e comprei uma passagem para a Venezuela.

Além do irmão que, infelizmente, é violento, tenho outro que me adora. E pedi que ele me acompanhasse no meu périplo à minha cidade natal.

Eu precisava ir, voltar e enfrentar. Nãoaposta ganha rodadas grátisum planoaposta ganha rodadas grátisraiva, mas com a minha vulnerabilidade, com as lembranças agradáveis e as desagradáveis. Confrontar essas recordações para poder chegar mais leve ao Peru.

Foi uma jornadaaposta ganha rodadas grátisfazer as pazes internamente com uma sérieaposta ganha rodadas grátismemórias e coisas que nos tocam. Agora falam mais sobre a violência contra as mulheres, mas essa violência sempre existiu.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - O romance é envoltoaposta ganha rodadas grátisviolência, não somente física, mas uma ampla e sutil gamaaposta ganha rodadas grátisviolência.

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Me interessa como ser humano e como artista tocar no tema da violência, que me obceca. Falar sobre ela e torná-la visível. É transversal à nossa existência, como mulheres e também para as crianças.

Me interessava falar desse espaço fechado que é a casa, que é a família. Desde que me lembro, dizem que ela é a base da sociedade, o lugaraposta ganha rodadas grátisque deveria estar absolutamente seguro, onde não deveria acontecer nada que possa prejudicá-lo fisicamente ou psicologicamente.

Mas acredito que esse é o lugar onde nasce a grande maioria dos monstrosaposta ganha rodadas grátistodo o mundo.

Pense, reflita, compartilhe. Vamos falar sobre essa violência.

Crédito, Kathy Serrano

Legenda da foto, Kathy Serrano viveaposta ganha rodadas grátisLima, no Peru, desde 1994

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - No livro também aparece a violência contra o migrante, não só pelo paísaposta ganha rodadas grátisacolhimento, mas também pelos compatriotas que permanecem no país natal...

aposta ganha rodadas grátis Serrano - A minha migração foi diferente dos meus compatriotas, mas vivi a faltaaposta ganha rodadas grátisemprego ouaposta ganha rodadas grátisespaço por ser estrangeira. É algo dissimulado e você descobre depois, mas acontece.

Você decide ficaraposta ganha rodadas grátisum país, mas nunca vai pertencer a ele porque não nasceu ali.

Mas quando você volta, como eu fiz na Venezuelaaposta ganha rodadas grátis2012, te dizem coisas como "você não é mais daqui, você não esteve na família". Isso foi o que uma irmã me disse. Você não é mais.

Outras pessoas me dizem que já não falo mais, não me mexo, não me visto como uma venezuelana. E há outra sensação, uma que não tem palavras, na qual sentia que não havia lugar pra mim, que não te mostram esse lugar. Cheguei a sentir medo do país.

Amo a Venezuela e amo o Peru, mas sinto que não sou exatamenteaposta ganha rodadas grátisnenhum dos lados.

É um não pertencer doloroso, não poder se sentir totalmente aceitaaposta ganha rodadas grátisnenhum dos lados. É um não ser.

Então, a Venezuela veioaposta ganha rodadas grátismim e me dei contaaposta ganha rodadas grátisque por anos havia reprimido a minha 'venezuelanidade' para me adaptar ao lugar onde estava vivendo. Agora estou deixando fluir.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Martha passa por um processo curioso com as palavras. Ela esquece como algumas coisas são ditas na Venezuela e diz à maneira do Peru. Palavras, são esquecidas e colocadasaposta ganha rodadas grátisum canto para não se lembrar ou sobreviver no novo lugar?

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Acho que são as duas coisas. Há muitas coisas que esqueci como mecanismoaposta ganha rodadas grátisdefesa. Esquecer é uma formaaposta ganha rodadas grátissobrevivência.

Por exemplo, deixei escapar um "estoy arrecha" (estou com raiva) e no Peru isso significa outra coisa (estou excitada). As pessoas me olhavam surpresas. Quando cheguei a Limaaposta ganha rodadas grátis1994, quase não havia venezuelanos. Lima era outra. Agora que as coisas mudaram.

São palavras, tonsaposta ganha rodadas grátisvoz, modoaposta ganha rodadas grátisfalar. Nós, venezuelanos, falamos mais diretamente, frontalmente. No Peru é diferente e eu também modifiquei isso. Você tem que se adaptar.

Eu fui adormecendo a minha identidade venezuelana.

Não sei se era para me encaixar ou por preferir assim, para imitar (os peruanos) para sobreviver.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Parte da ação do livro escrito por Kathy ocorreaposta ganha rodadas grátisCaracas, na Venezuela

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Mas você diz que logo a "Venezuela caiuaposta ganha rodadas grátiscima"...

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Quando acontece na Venezuela (a crise dos últimos anos) começo a sentir no peito que algo racha, quebra.

Falava com a minha família e dizia para eles o que havia visto e vivido quando estudava na União Soviética e me diziam que não, que algo assim não aconteceria.

Então as pessoas logo começaram a migrar e caminhar por estradas, pessoas com seus filhos nos braços... Tudo foi extremamente doloroso pra mim. E me vi confrontada comigo mesma quando chegaram a Lima.

É como se rompesse um ovo e dentro dele saísse uma borboleta colorida.

A Venezuela caiuaposta ganha rodadas grátiscimaaposta ganha rodadas grátismim para que a minha 'venezuelanidade' voltasse à tona, fosse mais livre. Sou uma peruana que nasceu na Venezuela. É doloroso.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Há uma cena,aposta ganha rodadas grátisuma cafeteriaaposta ganha rodadas grátisCaracas,aposta ganha rodadas grátisque tudo é incrível. Até que uma simples pergunta desencadeia demôniosaposta ganha rodadas grátistodo o mundo.

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Eu queria que uma palavra explodisse tudo. É o que está embaixo e há camadas e camadas.

Por trás da alegria, do belo e do incrível está a dor, a tragédia. E, o fatoaposta ganha rodadas grátissermos assim,aposta ganha rodadas grátis"ficaremos bemaposta ganha rodadas grátistodas as maneiras", perpetuou essa situação por tantos anos.

Isso pinta um retrato exaustivo da Venezuela, bastante detalhado para quem a conhece, com luzes e sombras.

Mas nos colocaaposta ganha rodadas grátisum tempo indeterminado, não sabemos o ano, quem governa.

Eu não estava com vontadeaposta ganha rodadas grátiscontar isso, esse é outro romance no qual eu teria que me trancar, estudar e ser muito meticulosa.

O que mostro é uma Venezuela híbrida. Estou mais interessada na sutileza.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - A mãe e a avóaposta ganha rodadas grátisMartha são colombianas. Em um ponto do livro, reflete-se a rejeição da migração colombiana pelos venezuelanos...

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Isso tem a ver com a minha família. Minha avó, mãe e bisavó eram colombianas. Elas eram muito pobres e chegaram à Venezuela caminhando. Queria usar isso (no livro).

Quando eu era menina,aposta ganha rodadas grátisTáchira (Estado fronteiriço entre Venezuela e Colômbia), todos eram estrangeiros: portugueses, alemães, turcos, chineses... Mas havia algo doloroso que era a luta dos colombianos. No tratamento, os apelidos, o medo que eles tinham.

Para o romance, fiz uma extensa investigação e conversei com diferentes pessoas sobre isso. Essa coisaaposta ganha rodadas grátisida e volta. Hoje eu te maltrato e amanhã você me maltrata. Não aprendemos nada.

O venezuelano viveu uma épocaaposta ganha rodadas grátisouro com muita abundância, muitos migrantes chegaram e fizeram fortunas, mas outros infelizmente receberam rejeição.

Agora é o contrário, esse povo que teve tanto, que não estava acostumado a migrar, a não ser para férias ou estudos, teve uma lição muito dura. Eles vão para outros lugares e os recebemaposta ganha rodadas grátisportas abertas, mas também há rejeição.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Este livro te ajudou a se curar e a se redimiraposta ganha rodadas grátissua própria história?

aposta ganha rodadas grátis Serrano - O atoaposta ganha rodadas grátisescrever pode servir muito para te libertar, para transformar aquela parte da história que te machuca, que te causa dores e você tem guardadaaposta ganha rodadas grátissi.

Há algumas cenas (no livro) que são fortes. Eu não queria fazer autoficção, por isso transformo as coisas.

aposta ganha rodadas grátis BBC News Mundo - Dentro dessa limpeza, dessa redenção e cura (com o livro), também há uma demonstraçãoaposta ganha rodadas grátisamor ao país natal, Venezuela. Tudo está cheioaposta ganha rodadas grátiscomida, música e cheiros do país.

aposta ganha rodadas grátis Serrano - Foi algo que surgiu. E nasceu da viagem que fizaposta ganha rodadas grátis2012 com dois dos meus irmãos, onde voltei a sentir os sabores e cheiros do país. Eu sinto que isso é parte do amor.

Sinto muita beleza e muito amor. Eu queria fazer uma misturaaposta ganha rodadas grátisamor, beleza e violência.

Este artigo é parte da versão digital do Hay Festival Arequipa, um encontroaposta ganha rodadas grátisescritores e pensadores entre os dias 3 a 6aposta ganha rodadas grátisnovembro na cidade peruana.

- Este texto foi publicadoaposta ganha rodadas grátishttp://vesser.net/internacional-63493291