Por que Ucrânia acusa Lulafazer propaganda para Rússia na guerra:

Crédito, Ricardo Stuckert/Biblioteca da Presidência

Legenda da foto, O ex-presidente Lula durante encontro com Vladimir Putin, então primeiro-ministro da Rússia,Moscoumaio2010

Em entrevista à revista Time publicadamaio deste ano, Lula disse que Zelensky seria tão responsável pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir Putin.

"Às vezes, fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudidopé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado", afirmou o ex-presidente.

Especialistasrelações internacionais ouvidas pela BBC News Brasil afirmam que as declaraçõesLula podem não ser as únicas explicações por trás da inclusão do petista na lista.

Entre os motivos apontados por elas estão o temor pela Ucrâniaum eventual novo governo petista se reaproximar da Rússia e a suposta ligaçãosetores do governo ucraniano com facçõesextrema-direita. Isso, segundo elas, explicaria a não-inclusão do presidente Jair Bolsonaro (PL), que, assim como Lula, também fez declarações críticas a Zelensky nos últimos meses.

"O povo [ucraniano] confiou num comediante o destinouma nação. Ele [Volodymyr Zelensky] tem que ter equilíbrio para tratar dessa situação aí", disse Bolsonarofevereiro.

A BBC News Brasil enviou questionamentos à embaixada da Ucrânia e à assessoriaimprensa do ex-presidente Lula. Nenhum dos dois enviou respostas.

Aproximação com a Rússia

A doutoraestudos estratégicos internacionais e diretorapesquisa do Instituto Sul-AmericanoPolítica e Estratégia (Isape), Larlecianne Piccolli, avalia que inclusão do nomeLula na lista possa ter a ver com o histórico das relações entre o Brasil e a Rússia durante os governos do PT, especialmente, durante os governos do ex-presidente Lula, entre 2003 e 2010.

Segundo a especialista, naquele período, o governo brasileiro defendeu uma ordem internacional multipolar como uma alternativa à hegemonia norte-americana.

Crédito, Instituto Lula

Legenda da foto, Lula2009 com líderes dos BRICS, bloco então formado por Brasil, Rússia, Índia e China, que ganharia2011 a adesão da África do Sul

Uma das formas encontradas para isso foi o incentivo à formaçãoblocos como os BRICS, composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Por essa lógica, um novo governo do petista poderia enfraquecer os esforços feitos pela Ucrânia para isolar a Rússia no cenário internacional.

"Me parece que a Ucrânia pode estar olhando para o futuro e vendo o que um eventual novo governoLula pode significartermosfortalecimento da Rússia. Acho que eles estão vendo a liderançaLula nas pesquisas e avaliando quais os impactos disso para a Ucrânia", assinala.

Para a doutoraRelações Internacionais e professora da Escola SuperiorGuerra (ESG) do Ministério da Defesa Mariana Kalil, a atual posição do presidente Jair Bolsonarorelação ao conflito é considerada menos relevante que uma eventual reaproximação do Brasil com a Rússiaum novo governo petista.

Sob Bolsonaro, o governo brasileiro condenou as agressões russas à Ucrâniareuniões na Organização das Nações Unida (ONU), mas o país não aderiu as sanções econômicas aplicadas por países como os Estados Unidos e da Europa.

Bolsonaro diz que seu governo é "neutro"relação ao conflito, apesar de, poucos dias antes da invasão russa, ter feito uma visita a Putin na qual elogiou o presidente russo e o chamouum "homempaz".

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Poucos dias antes da invasão russa à Ucrânia, Bolsonaro fez visita a Putin, na qual elogiou o presidente russo e o chamouum 'homempaz'

"No governoBolsonaro, o Brasil adotou noções pró-Ocidente que são interessantes hoje à Ucrânia. Um eventual governo Lula não teria essa mesma visão e isso pode estar preocupando os ucranianos", diz Mariana Kalil.

Ligações com a extrema-direita

Mariana Kalil também destaca uma outra razão pela qual os ucranianos teriam incluído o nomeLula: a ligaçãosetores do governo ucraniano com movimentosextrema-direita.

Segundo ela, isso explicaria por que Lula foi mencionado enquanto Bolsonaro, que se assume como políticodireita e que também já fez declarações críticas a Zelensky, não foi incluído.

"Esse movimento [inclusão do nomeLula] faz sentido quando sabemos que existe uma inserçãoZelensky dentro da extrema-direita global. Assim, faria sentido o governo mencionar Lula, que é um políticoesquerda, e não Bolsonaro", opina a especialista.

A lista ucraniana não cita, porém, apenas políticos e intelectuaisesquerda. Ela cita, por exemplo, a líder do partidodireita radical Rassemblement National (Reunião Nacional), a francesa Marine Le Pen. Ela ficou conhecida por defender pautas anti-imigração na França e na Europa.

As ligações entre o governo ucraniano e movimentosextrema-direita são frequentemente citadas pelo governo russo como um dos motivos que levou à invasão da Ucrânia pelos militares do país.

O tema é considerado sensível. A Rússia, por exemplo, disse que um dos objetivossua invasão à Ucrânia era "desnazificar" o país. O presidente Zelensky, no entanto, é judeu.

Em entrevista à BBC News Brasilmarço, o professor aposentadoHistória da UniversidadeAlberta, no Canadá, John-Paul Himka, disse que os níveistolerância política com a movimentosextrema direita na Ucrânia são semelhantes aos encontradosoutros países do mundo.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Existe uma inserçãoZelensky dentro da extrema-direita global. Assim, faria sentido o governo mencionar Lula, que é um políticoesquerda, e não Bolsonaro', diz Mariana Kalil

"Temosolhar o contexto global mais amplo da tolerância da Ucrâniarelação à extrema direita. Eu vivo no Canadá. Recentemente, os postosfronteira e a capital foram cercados pelo movimentoextrema direita dos comboios", disse o especialista.

Larlecianne Piccolli, porém, concorda com Mariana Kalil.

"Éconhecimento público que há laçossetores do governo ucraniano com movimentosextrema-direita. Se você soma isso a um possível temor sobre o que podem representar as eleições no Brasil para a estratégia ucraniana, é possível entender melhor o que pode ter motivado a entradaLula nessa lista e a ausênciaBolsonaro", diz Larlecianne.

Em entrevista à TV Globo veiculada nesta semana, Zelensky negou a existênciagruposextrema direita atuando no leste da Ucrânia contra a invasão russa.

Apesar das declarações, há evidênciasque gruposextrema direita como o Batalhão Azov, que luta contra a ocupação russa desde a invasão da Crimeia,2014, mantém relações com o governo ucraniano.

Mariana Kalil diz que inclusão do nomeLula nessa lista acontece, ainda,meio à proximidadeum exercício militar que será realizado pela Rússia, China e Irã na Venezuela, previsto para agosto deste ano.

"No Brasil, um dos argumentos usados pela direita radical contra a esquerda é o suposto riscovenezuelização do país. Considerando o contexto do exercício militar, ligar o nomeLula à Rússia pode ressuscitar esse tema", assinala a especialista.

Recado a americanos

Mariana Kalil aponta um terceiro motivo para a inclusãoLula na listasupostos disseminadorespropaganda russa: pressão sobre os americanos.

Segundo ela, à medidaque a Ucrânia veria um governo petista mais próximo da Rússia que oBolsonaro, a menção a Lula teria o objetivopressionar os americanos sobre o que pode acontecer no Brasil a partir2023.

"Acho que eles querem dizer o seguinte: 'Americanos, olhem para o que pode acontecer no Brasil. Isso não será bom para nós'", conclui a especialista.

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