A saga dos americanos negros impedidosbetesporte pagina principalimigrar para o 'paraíso racial' do Brasil nos anos 1920:betesporte pagina principal

Crédito, Biblioteca do Congresso dos EUA

Legenda da foto, Alguns americanos negros planejavam deixar os EUA rumo a países africanos ou da América Latina,betesporte pagina principalbuscabetesporte pagina principalum lugar onde pudessem desfrutarbetesporte pagina principalcidadania plena; na foto, uma famíliabetesporte pagina principalagricultoresbetesporte pagina principalOklahoma

Esse episódio é um entre vários analisados pelo historiador Ousmane Power-Greene, professor da Clark University, no Estadobetesporte pagina principalMassachusetts,betesporte pagina principalum livro que vai abordar as experiênciasbetesporte pagina principalamericanos negros que deixaram os Estados Unidos entre o fim do século 19 e o início do século 20 para se instalarbetesporte pagina principaloutros países.

"Alguns estudos se dedicam aos americanos negros que emigraram para a Libéria, outros aos que foram para o Canadá, ou México, ou Haiti. Mas não há um retrato que englobe todos (esses movimentos)", diz Power-Greene à BBC News Brasil. "Meu objetivo é contar a história da emigraçãobetesporte pagina principalamericanos negrosbetesporte pagina principalmaneira mais ampla."

Romantização brasileira

Se no Brasil, pelo menosbetesporte pagina principalacordo com a imagem cultivada internacionalmente, pessoasbetesporte pagina principaltodas as raças conviviambetesporte pagina principalharmonia, nos EUA a realidade enfrentada pela população negra no início do século 20 era bem diferente.

O períodobetesporte pagina principalReconstrução, iniciado após o fim da Guerra Civil americana (1861-65), havia resultadobetesporte pagina principalavanços para os americanos negros. Mas logo as conquistas começaram a ser revertidas e, nos anos 1920, essa parcela da população já havia perdido vários dos direitos conquistados após o fim da escravidão.

Episódiosbetesporte pagina principalviolência racial e linchamentos se espalhavam pelo país, e os Estados do Sul, que haviam perdido a guerra, passaram a implementar rígidas leisbetesporte pagina principalsegregação.

"A partir dos anos 1880, as condições para os americanos negros começam a se deteriorar, com altos níveisbetesporte pagina principalviolência", observa Power-Greene.

O historiador ressalta que, na época, a maioria da população negra continuava morando no Sul. Diante do aumento da violência e das restrições, eles iniciaram o que se tornaria a "Grande Migração", movimento no qual milhões deixaram a região e se mudaram para outras partes do paísbetesporte pagina principalbuscabetesporte pagina principalmelhores condições.

Crédito, Biblioteca do Congresso dos EUA

Legenda da foto, Na primeira metade do século 20, enquanto o Brasil cultivava uma imagembetesporte pagina principalpaís sem preconceitos, a população negra dos EUA enfrentava violência racial e segregação; na foto, famíliabetesporte pagina principalagricultores do Texas nos anos 1930

Nesse contexto, muitos passaram a cogitar deixar os Estados Unidos rumo a países africanos ou mesmo da América Latina, onde esperavam poder desfrutarbetesporte pagina principalcidadania plena.

Um dos principais nomes do movimento que defendia o retorno à África era o ativista político e líder nacionalista negro Marcus Garvey, fundador da Unia (Associação Universal para o Progresso Negro e Liga das Comunidades Africanas), que na décadabetesporte pagina principal1920 tinha presençabetesporte pagina principalmaisbetesporte pagina principal40 países.

Power-Greene observa que, quando o projetobetesporte pagina principalenviar americanos negros para a África começou a enfrentar obstáculos por partebetesporte pagina principaldiversos poderes coloniais, membros da UNIA passaram a focarbetesporte pagina principaloutras partes do mundo, entre elas o Brasil.

"Nesse período, havia entre os americanos negros a ideiabetesporte pagina principalque lugares como o Brasil ainda preservavam muito do modobetesporte pagina principalser africano, da cultura, da religião", diz ainda Power-Greene. "Então, havia uma romantização do Brasil."

'Oportunidades ilimitadas' no Brasil

Na mesma épocabetesporte pagina principalque muitos americanos negros cogitavam deixar seu país, o governo brasileiro vinha anunciandobetesporte pagina principaljornais do exterior o desejobetesporte pagina principalreceber imigrantes e a promessabetesporte pagina principaltrabalho, benefícios e até subsídios para que as famílias se instalassem no Brasil.

Desde o fim do século 19, o Brasil buscava atrair imigrantes para trabalhar na agricultura e também ajudar a povoar áreas remotas no interior. Nas décadas seguintes, milhõesbetesporte pagina principalalemães, italianos, espanhóis, portugueses, japoneses, sírios e libaneses, entre outros, chegaram ao país.

No estudo "In Search of the Afro-American 'Eldorado': Attempts by North American Blacks to Enter Brazil in the 1920s" ("Em busca do 'Eldorado' Afro-Americano: Tentativasbetesporte pagina principalNegros Norte-Americanosbetesporte pagina principalEntrar no Brasil nos anos 1920",betesporte pagina principaltradução livre),betesporte pagina principal1988, os historiadores Teresa Meade e Gregory Alonso Pirio listaram vários exemplosbetesporte pagina principalanúncios sobre o tema publicados na imprensa negra americana.

Em 1920, o jornal Baltimore Afro-American, da cidadebetesporte pagina principalBaltimore, detalhava a ofertabetesporte pagina principalpassagem, acomodação e créditobetesporte pagina principallongo prazo para trabalhadores e agricultores dispostos a se estabelecer no Brasil.

Segundo o jornal, o Brasil oferecia "oportunidades ilimitadas", sem segregação racial e com uma população que tinha mais indígenas, negros e mestiços do que brancos. "Um homem negro pode ser presidente do Brasil sem provocar mais comentários do que a eleiçãobetesporte pagina principalum homem branco aqui (nos Estados Unidos)", dizia o jornal.

Em 1921,betesporte pagina principalartigos no Chicago Defender, principal jornal da imprensa negra dos EUA na época, o autor E. R. James falava sobre "oportunidadesbetesporte pagina principalsobra no Brasil para todos, independentementebetesporte pagina principalraça, crença ou cor".

Os historiadores destacam que esse tipobetesporte pagina principalmensagem atraía americanos negros "desiludidos" com as chancesbetesporte pagina principalse estabelecerem na África e "condicionados a ver o Brasil como um paraíso racial". Essa imagem era projetada no exterior desde o século anterior, alimentada por relatosbetesporte pagina principalestrangeiros que haviam visitado o Brasil.

Como o governo brasileiro não divulgava no exteriorbetesporte pagina principalrelutânciabetesporte pagina principalaceitar imigrantes negros, artigos na imprensa negra dos EUA "presumiam equivocadamente que o apelo oficial do Brasil por imigrantes norte-americanos incluía os negros".

'Liberdade e riquezabetesporte pagina principaluma terrabetesporte pagina principalfartura'

Foi nesse cenário que,betesporte pagina principal1920, um grupobetesporte pagina principalamericanos negros da cidadebetesporte pagina principalChicago criou uma empresa chamada Brazilian-American Colonization Syndicate (Bacs) com o objetivobetesporte pagina principalcomprar terras no Mato Grosso para estabelecer colônias agrícolas.

A empresa logo começou a publicar anúncios nos principais veículos da imprensa negra nos EUA. Um deles, reproduzido por Meade e Pirio, perguntava: "Você quer liberdade e riquezabetesporte pagina principaluma terrabetesporte pagina principalfartura? Oportunidade e igualdade sem limites?". E concluía: "Então compre terras no Brasil".

Os historiadores lembram que braços da Unia, a organizaçãobetesporte pagina principalGarvey, estavam ligados ao projetobetesporte pagina principalcolonização. Eles citam informações repassadas ao FBI (Federal Bureau of Investigation, a polícia federal americana) por um informantebetesporte pagina principalque,betesporte pagina principalum encontro da Unia, havia sido mencionada a fundação "de uma república negra no norte do Brasil".

Crédito, Biblioteca do Congresso dos EUA

Legenda da foto, Um dos principais nomes do movimento que defendia o retorno à África era o líder nacionalista negro Marcus Garvey, fundador da UNIA (Associação Universal para o Progresso Negro e Liga das Comunidades Africanas).

Mas, apesar do desejobetesporte pagina principalatrair imigrantes e do orgulho da imagembetesporte pagina principaltolerância racial que o Brasil tinha no exterior, as autoridades brasileiras não tinham a intençãobetesporte pagina principalreceber as famílias negras.

Historiadores salientam que, na época, havia no Brasil um esforço para "branquear" a população. "Eles esperavam que, após várias gerações, negros brasileiros e imigrantes europeus se misturassembetesporte pagina principalmaneira que uma populaçãobetesporte pagina principalraça mista, ou 'branqueada', iria predominar", escreveram Meade e Piriobetesporte pagina principal1988.

Ao ficar sabendo da intenção da BACS, as autoridades brasileiras tratarambetesporte pagina principalimpedir o projeto, vetando a concessãobetesporte pagina principalterras e negando os pedidosbetesporte pagina principalvisto.

'Divisãobetesporte pagina principalraças que não conhecemos'

O tema dos americanos negros gerou polêmica no Brasil,betesporte pagina principalum momentobetesporte pagina principalque já havia no país um grande debate sobre a imigração, inclusivebetesporte pagina principaleuropeus. Em julhobetesporte pagina principal1921, os deputados federais Cincinato Braga (SP) e Andrade Bezerra (PE) apresentaram um projetobetesporte pagina principallei que proibia a imigraçãobetesporte pagina principalpessoas negras.

A proposta chegou a receber parecer favorável do Instituto dos Advogados do Brasil, mas fracassou na Câmara, classificada por opositores como "um atentado à Constituição", "à dignidade da raça negra" e "à fé cristã". Críticos salientavam que, "perante a Constituição", não havia "privilégiosbetesporte pagina principalraça" ou distinção "entre brancos, negros e pardos".

Na imprensa brasileira, alguns comentaristas criticavam duramente a ideiabetesporte pagina principalproibir os americanos negrosbetesporte pagina principalimigrar para o país. Muitos, como o jornalista Assis Chateubriand, consideravam a proposta inconstitucional.

Outros, porém, defendiam o projetobetesporte pagina principallei, descrevendo esses imigrantes como "indesejáveis" e citando "uma longa tradiçãobetesporte pagina principalódios" da população negra nos Estados Unidos e o temorbetesporte pagina principalque introduzissem no Brasil "uma divisãobetesporte pagina principalraças que não conhecemos".

Um comentarista no Jornal do Brasil resumia a posiçãobetesporte pagina principalmuitos dos que eram favoráveis ao veto aos americanos: "não porque são pretos, mas porque trazem no espírito, contra o branco, um sentimentobetesporte pagina principalhostilidade que será, na nossa ordem social, um perigo e um mal".

Crédito, Biblioteca do Congresso dos EUA

Legenda da foto, Estados do Sul, que haviam perdido a Guerra Civil americana, passaram a implementar rígidas leisbetesporte pagina principalsegregação; na foto, homem negro bebe águabetesporte pagina principalbebedouro só para pessoasbetesporte pagina principalcor

Historiadores ressaltam que havia também o temorbetesporte pagina principalque um ativismo inspirado por ideias como as defendidas por Marcus Garvey ganhasse força no Brasil. Na época, ativistas e organizações negras que combatiam o racismo e as desigualdades no Brasil eram muitas vezes severamente reprimidos.

"O grande esforço do Brasil durante os anos 1920 para impedir negrosbetesporte pagina principalentrar no país não era apenas parte da estratégiabetesporte pagina principalbranqueamento", escreveram Meade e Piriobetesporte pagina principal1988. "As autoridades brasileiras na época estavam muito interessadasbetesporte pagina principalimpedir a entradabetesporte pagina principalideologias radicais que buscassem aumentar a consciência racial."

Colaboração entre EUA e Brasil

Historiadores destacam a cooperação que havia na época entre autoridades brasileiras e americanas.

Na décadabetesporte pagina principal1920, vários grupos negros que defendiam a emigração eram vigiados pelo governo dos EUA, preocupado com focosbetesporte pagina principalmilitância. Em seu estudo, Meade e Pirio relataram que agentes do FBI repassaram informações sobre as atividadesbetesporte pagina principalalguns desses grupos a autoridades consulares brasileiras.

No fimbetesporte pagina principal1921,betesporte pagina principalmaneira discreta, "oficiaisbetesporte pagina principalimigração no Brasil orientaram cônsules nos EUA a recusar vistos a qualquer pessoa negra".

Essas rejeições, muitas vezes envolvendo turistas, costumavam gerar protestos, mas as autoridadesbetesporte pagina principalambos os países negavam que houvesse qualquer acordo oficial para impedir que americanos negros viajassem ao Brasil.

Assim, ao longo daquela década, mesmo enquanto surgiam cada vez mais notícias sobre americanos negros que tiveram o visto recusado, a imprensa negra dos EUA continuou a publicar artigos exaltando a suposta ausênciabetesporte pagina principalpreconceito racial no Brasil.

Power-Greene lembra que, apesar desse episódio, outros projetosbetesporte pagina principalimigração tiveram sucesso, e americanos negros estabeleceram colôniasbetesporte pagina principaldiversos países.

O historiador cita exemplos desde o início do século 19, passando não apenas pela Libéria e países africanos, mas também por Canadá e República Dominicana, entre outros locais nas Américas.

"Movimentosbetesporte pagina principalmigração costumam ser repletosbetesporte pagina principaldecepção e retorno", destaca. "É importante reconhecer a faltabetesporte pagina principalsucesso. Mas também é importante entender o contexto. E olhar para essas históriasbetesporte pagina principalmaneira coletiva."

'Este texto foi originalmente publicadobetesporte pagina principalhttp://vesser.net/internacional-6187898'

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